Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise do sistema educacional brasileiro.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Análise do sistema educacional brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2003 - Página 13194
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, REGISTRO, PRECARIEDADE, ENSINO, POPULAÇÃO, INEFICACIA, PROGRAMA, REDUÇÃO, TAXAS, ANALFABETISMO, FALTA, QUALIFICAÇÃO, PROFESSOR, INSUFICIENCIA, OFERTA, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL.
  • COMENTARIO, PREENCHIMENTO, CLASSE MEDIA, MAIORIA, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL, DIFICULDADE, POPULAÇÃO CARENTE, ACESSO, ENSINO SUPERIOR, CONTRIBUIÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, MELHORIA, ENSINO MEDIO, ENSINO FUNDAMENTAL, FAVORECIMENTO, IGUALDADE, ESTUDANTE, ESCOLA PUBLICA, ESCOLA PARTICULAR, DISPUTA, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL, FACILITAÇÃO, ACESSO, EMPREGO, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. MOZARILDO CAVANCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a avaliação do sistema educacional brasileiro deve seguir o padrão de avaliação de qualquer outro sistema. Para avaliar um sistema, devemos comparar os objetivos que nortearam a montagem daquela estrutura com os resultados reais obtidos com seu funcionamento.

Os objetivos do sistema educacional brasileiro, gerais e específicos, podem ser identificados por meio da leitura dos artigos relevantes da Constituição e da chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, de nº 9.394, de 1996.

Na Constituição são relevantes, para esse fim, o art. 1º, que estabelece os fundamentos da República Federativa do Brasil, e o art. 3º, que define os objetivos desta República. A educação brasileira deve dar expressão a esses princípios, permitindo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que reduza as desigualdades, que elimine os preconceitos, que garanta a pluralidade, melhor maneira de garantir a continuidade da democracia.

O art. 205 nos lembra, ainda, que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade e tendo como objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.

Por fim, o art. 214, de maneira didática, trata do planejamento e da operacionalização do sistema de ensino. Ele propõe o estabelecimento do Plano Nacional de Educação, plurianual, que deve visar à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público. Tudo isso conduziria à erradicação do analfabetismo, à universalização do atendimento escolar, à melhoria da qualidade do ensino, à formação para o trabalho e à promoção humanística, científica e tecnológica do País.

Notamos que a Constituição, na sua sabedoria, estabeleceu um conjunto de objetivos amplos, ambiciosos até. Caberia à Lei nº 9.294/96, a LDB, a tarefa de materializar esses objetivos maiores em uma estrutura de ensino, uma definição mais acurada de etapas e níveis, da seqüenciação, do inter-relacionamento entre as partes e dos objetivos operacionais menores de cada etapa ou de cada nível.

Infelizmente, vários indicadores de resultados da nossa educação revelam que não estão sendo atingidos os objetivos específicos, o que acaba por comprometer aqueles objetivos maiores.

Segundo o IBGE, o Brasil tem conseguido derrubar a taxa de analfabetismo de 25,4%, correspondente ao ano de 1980, para 13,3%, registrados em 1999. Entretanto, a questão da qualidade e da continuidade dessa alfabetização ainda não está equacionada. Se não houver oportunidade de praticar o aprendido, o fenômeno da regressão do aprendizado acaba por destruir boa parte do esforço, reduzindo os alunos a uma situação de analfabetismo funcional que pouco ultrapassa o “escrever o próprio nome”.

Além disso, a concentração de analfabetos tem revelado uma tendência à regionalização. Segundo os dados do INEP referentes a 2000, todos os Estados do Nordeste e os três maiores Estados do Norte têm índices de analfabetismo superiores à média nacional, na faixa de 15 anos ou mais. Como atingir cidadania plena com índices desse tipo? Como cumprir o ideal de dignidade humana, erradicação da pobreza ou redução das desigualdades, quando existem Estados em que quase um terço da população está afastado do benefício que historicamente definiu a própria civilização: a invenção da escrita?

Outro problema apontado pelas estatísticas diz respeito à qualificação do professor. O problema é mais sério na Educação Infantil, na qual apenas 22,3% dos professores têm nível superior. Ora, Sr. Presidente, justamente na educação infantil, onde começa o caminhar da educação, apenas 22,3% dos professores têm nível superior, segundo dados do INEP. No Ensino Fundamental, a média nacional é pouco mais de 50%, alcançando quase 90% no Ensino Médio.

Mesmo no Ensino Médio as coisas não andam muito bem. A imprensa mostrou recentemente pesquisas que alertam para um colapso relativamente próximo, desse e dos outros níveis, pela falta de professores, desinteressados que estão diante das más condições de trabalho, baixos salários e desvalorização da profissão, que são realidade por quase todo o País. Não está havendo reposição da força de trabalho, o que pode inviabilizar todo o esforço que o País está fazendo para alavancar a educação.

Outro problema é que o professor, mesmo atingindo nível superior, não costuma ter muitas oportunidades de reciclagem de educação continuada. Como efeito, nem sempre o nível superior do docente se traduz em resultados educacionais melhores ou sustentáveis em longo prazo.

A educação superior também está comprometida por distorções seriíssimas. As oportunidades oferecidas pela rede pública são disputadas num regime de concorrência que é mais de cinco vezes a disputa existente na rede privada. E essa rede pública, mesmo extremamente procurada, tem diminuído sua participação no oferecimento total de vagas, dos 41% de 1992 para os 35%, apenas, de 1999, ainda segundo o Inep.

Aqui, Sr. Presidente, é bom frisar a ênfase que o Presidente Lula e o Ministro Cristovam Buarque deram à ocupação das vagas nas universidades federais, que deve ser a máxima possível - as ditas vagas ociosas. Mas eu me pergunto: será que existem realmente vagas ociosas ou existem poucos professores, o que impossibilita oferecer vagas nos cursos? Há vários casos de universidades em que cursos que poderiam ser concluídos em quatro anos são concluídos em seis, às vezes até mais, devido à falta de oferta de disciplinas, resultante da falta de professores.

E todos sabemos que os alunos que alcançam vagas nas universidades públicas são originários, em sua ampla maioria, da rede privada de ensino médio, que, aliás, encolheu sua participação na oferta de vagas de 21%, em 1994, para 14%, em 2000.

Aqui, Sr. Presidente, há outra grave distorção. O trabalhador, aquele que precisa trabalhar para poder estudar, isto é, a camada mais pobre da população, geralmente só tem acesso ao ensino médio público, portanto, de pior qualidade, não tendo condições de competir no vestibular com aquele que tem melhor poder aquisitivo, ou seja, o aluno profissional, que freqüenta a escola privada de segundo grau.

Com isso, há nas universidades públicas federais, principalmente, e mesmo nas estaduais e municipais, a presença majoritária daqueles que tiveram melhor oportunidade de se preparar, seja no ensino médio completo numa escola particular ou freqüentando bons cursinhos preparatórios.

Então, essa distorção precisa ser urgentemente corrigida. Sei que muitas medidas já estão sendo tomadas, visando a corrigi-la, mas espero que ela não seja corrigida somente por meio do estabelecimento de cotas - cotas para quem estudou no ensino público; cotas para quem tem esta ou aquela origem -, mas, sim, pela melhoria da qualidade do ensino público de segundo grau, para que cada um possa disputar em igualdade de condições realmente o acesso à universidade.

Segundo a Unesco, nota-se um aumento do comprometimento de recursos públicos com educação entre 1999 e 2001, mas, em relação ao PIB, houve um relativo encolhimento. Isto é, em números absolutos, o investimento em educação aumentou, mas se o compararmos com o PIB nesse mesmo período, o investimento encolheu. De cada R$100,00 gastos com educação em nosso País, pouco mais de R$66,00 vão para a pré-escola e o ensino fundamental; em torno de R$12,00 vão para o ensino médio e os restantes 21% ou 22% vão para o ensino superior.

Isso significa que o setor público tem gastado com educação superior, na qual oferece proporcionalmente menos vagas, quase o dobro do que gasta com o ensino médio, no qual oferece a maior parcela das vagas. Vejam como há uma distorção importante a ser corrigida. Não estamos dizendo que não seja importante gastar o que se gasta com o ensino superior. Mas o que se está dizendo aqui é que, na prática, o que se gasta com o ensino superior não tem proporcionalidade com o que se gasta, por exemplo, no segundo grau ou no ensino médio. Gasta, lembramos, com os oriundos da rede privada de ensino médio, que certamente precisam menos de financiamento do que aqueles que vêm da rede pública. Isto é, gasta-se na universidade com pessoas oriundas da rede privada de ensino mais do que se gasta com aqueles alunos do nível médio, que, portanto, vieram desde o início, na escola pública. Parece-nos que está sendo descumprido o objetivo constitucional de diminuir as desigualdades.

Mesmo o esforço de universalização do ensino está claramente minado pela baixa qualidade do que está sendo oferecido nas escolas públicas. As avaliações realizadas pelo Inep nos ensinos fundamental e médio expõem massas de estudantes incapazes de realizar tarefas básicas correspondentes às séries que estão completando, especialmente no domínio da língua e do raciocínio matemático.

Sr. Presidente, encontrar os caminhos para a educação exige uma abordagem complexa, em que são possíveis várias óticas, que devem ser contrapostas e compatibilizadas. O Professor Almir Ferreira de Souza, da USP, nos ajuda a compreender o que está em jogo.

Segundo ele, educar deve ser uma prioridade social, envolvendo família e sociedade no processo, cada qual com a sua parcela de responsabilidade.

Entretanto, a ótica da prioridade social envolve a questão do custo de construir, aparelhar e manter escolas, desenvolver profissionais e técnicas de ensino, remunerar professores e sustentar a burocracia. Num país onde a fome ainda é realidade para parte significativa da população, alguns dos gastos podem parecer absurdos ou até mesmo injustos. A ótica econômico-financeira, portanto, deve ser ajustada com a ótica da prioridade social.

Por isso, Sr. Presidente, abro um parêntese para me referir à proposta de emenda à Constituição que deve ser votada hoje, em segundo turno, que destina 0,5% do que fica com a União, referente à arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, para investimento nas universidades da Amazônia Legal. Lá estão as instituições federais de ensino superior públicas mais novas, a maioria delas com 15 anos de existência, portanto mais desaparelhadas, as menos equipadas, as que têm menor número de professores em relação ao número de alunos. Portanto, do ponto de vista nacional, seria investir, exatamente, de uma maneira forte, no ponto em que se estaria combatendo a desigualdade, não só regional, mas também social, para milhões de brasileiros que habitam 60% do nosso território, que é a Amazônia Legal.

Por outro lado, não se pode desprezar o elemento humano envolvido no processo educacional, que poderíamos simplificar reconhecendo a existência de uma ótica específica do corpo docente. Entra, aqui, o reconhecimento da necessidade de mais e melhores professores, que devem ser formados, constantemente atualizados e valorizados em suas atividades. O profissional de ensino acaba por se defrontar com o custo de investir em sua autoformação, além de avaliar constantemente a relação custo-benefício de continuar a ser professor, o que nem sempre é traduzido em remuneração.

Aliás, abro outro parêntese, para ilustrar: tenho amigos que são professores auxiliares de universidade, de nível 4 - portanto, com especialização -, e que são juízes. Eles ganham cerca de R$7 mil como juízes e R$800,00 para lecionar no curso de Direito. Na verdade, eles estão pagando para dar aula, pelo prazer, pela vontade de serem professores. E se não fosse por isso, teríamos, como já temos em muitas universidades, não só a figura do professor substituto, às vezes sem qualificação, mas até a do professor voluntário, aquele que dá aulas na universidade sem remuneração. Ora, não é preciso dizer que a maioria deles também não possui qualificação.

Srªs e Srs. Senadores, por último, retomando a busca dos princípios constitucionais, há de se acrescentar a ótica da soberania nacional e da dignidade humana.

Somente por meio da Educação, atinge-se um verdadeiro sentido de liberdade. A Educação em nosso País deve primar, pois, por dar oportunidade a todos, garantindo empregabilidade, condições de competitividade e a recuperação da auto-estima do nosso povo.

Mais do que a sobrevivência da Nação, a Educação traz a dimensão de desenvolvimento sustentado, indispensável a qualquer país que pretenda fazer parte do cenário internacional em pé de igualdade com as potências mundiais. Dessas, devemos reter fundamentalmente o bom exemplo de priorizar a ação pedagógica, jamais desistindo de buscar um ponto de equilíbrio que harmonize interesses individuais e coletivos, Estado e sociedade, custos e benefícios para o conjunto da população nacional.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2003 - Página 13194