Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da doação de órgãos, destacando as vantagens dos transplantes para a qualidade de vida de pacientes com doenças degenerativas. .

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Defesa da doação de órgãos, destacando as vantagens dos transplantes para a qualidade de vida de pacientes com doenças degenerativas. .
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/2003 - Página 13307
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, QUANTIDADE, TRANSPLANTE, PAIS, DEFICIENCIA, CAPTAÇÃO, ORGÃOS.
  • IMPORTANCIA, INICIATIVA, GOVERNO, CRIAÇÃO, SISTEMA NACIONAL, TRANSPLANTE, GARANTIA, UNIFICAÇÃO, RELAÇÃO, PACIENTE, IGUALDADE, ACESSO, REALIZAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO, INCENTIVO, BRASILEIROS, AUTORIZAÇÃO, DOAÇÃO.
  • COMENTARIO, FUNCIONAMENTO, ORGÃO PUBLICO, AEROPORTO, DISTRITO FEDERAL (DF), ARTICULAÇÃO, TRANSFERENCIA, ORGÃO HUMANO, ESTADOS, VIABILIDADE, TRANSPLANTE.
  • ELOGIO, TRABALHO, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL, INCENTIVO, DOAÇÃO, ASSISTENCIA, PACIENTE, TRANSPLANTE, FAMILIA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, IMPORTANCIA, DOAÇÃO, ORGÃO HUMANO.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o motivo do meu pronunciamento de hoje é o fato de que, ultimamente, presenciamos, em nosso País, os problemas por que passa a saúde pública. É uma situação que nos preocupa bastante e que a imprensa, nos últimos tempos, vem fazendo ecoar para que a sociedade sinta qual é a realidade do tema “transplantes”.

Começo meu pronunciamento dizendo que o fantástico desenvolvimento da ciência e da tecnologia na área médica, em especial nos últimos trinta anos, trouxe como vantagem o aumento da expectativa de vida. Esse aumento na expectativa de vida, portanto, teve variados e importantes reflexos de ordem econômica e social, inclusive uma significativa repercussão na prevalência de doenças crônico-degenerativas, muitas delas sem outra alternativa de tratamento que não seja um transplante de órgão ou de tecido.

Em alguns casos - como naqueles de coração, fígado, pulmão e medula óssea -, o transplante tem o objetivo de salvar vidas, representando, em muitos casos, a única alternativa capaz de evitar o óbito do paciente. Sem dúvida, o transplante oferece a possibilidade de uma vida com melhor qualidade do que aquela assegurada por outros tratamentos.

É fácil imaginarmos, por exemplo, que, neste instante, alguém esteja assistindo à transmissão desta sessão plenária pela TV Senado, graças a um transplante de córneas que recebeu. Já o transplante de rim liberta a pessoa do martírio da diálise, que interfere profundamente em sua vida emocional e produtiva, com a vantagem adicional de ter um custo financeiro e social relativamente menor. O transplante de pâncreas, ou de rim e pâncreas combinado, pode salvar os pacientes diabéticos da insuficiência renal e de conseqüente cegueira, devendo-se considerar ainda os benefícios agregados com o fim das constantes injeções de insulina e do rígido e estressante controle da dieta alimentar.

O transplante é, portanto, Srªs e Srs. Senadores, a tão esperada solução para milhares de pessoas com insuficiências orgânicas terminais ou cronicamente incapacitantes. Ele é um procedimento médico com enormes perspectivas, porém impossível de ser realizado sem o consentimento do cidadão solidário pela oferta de órgãos e tecidos. E esse consentimento depende, evidentemente, da consciência da população quanto à possibilidade, à necessidade e à responsabilidade de, depois da morte, destinar seus órgãos para salvar vidas.

Desde o pioneiro transplante de coração realizado no Brasil pelo Dr. Euryclides de Jesus Zerbini, em 1968, nossos cirurgiões continuaram conquistando notáveis avanços nessa área. Duas décadas depois, médicos brasileiros fizeram o primeiro transplante de coração e pulmão com sucesso, na América Latina. Logo em seguida, em 1989, foi aqui desenvolvida a inédita técnica de transplante de fígado intervivos, na qual se retiram 60% do órgão de um doador vivo, observando-se, em apenas dois meses, a plena regeneração dos dois fígados.

Por conta desses e de outros exemplos de nossa competência na área, os especialistas são unânimes em afirmar que o Brasil está muito bem posicionado em termos de qualidade técnica. No entanto, no que se refere à quantidade de transplantes realizados, o mesmo não pode ser dito. Nossos números ainda são bastante modestos. Realizamos apenas cerca de 120 transplantes de coração a cada ano, o que corresponde a um terço do que se executa na França, por exemplo, mesmo sendo nossa população três vezes maior do que a daquele país.

A verdade é que, apesar do grande progresso observado nos últimos seis anos, ainda é muito deficiente a captação de órgãos para transplantes no Brasil, fazendo com que a lista de pacientes que esperam para ser beneficiados esteja em constante crescimento, o que é lamentável.

Tomando como referência o ano de 1997, o número de doadores tem crescido, o que é positivo. De 1997 a 2002, mais do que duplicamos o número de transplantes realizados, passando de 3.932 para 8.031 casos. Essas estatísticas mostram que, em números absolutos, o Brasil está em segundo lugar no mundo em doações, perdendo apenas para os Estados Unidos. Proporcionalmente ao tamanho da população, contudo, ficamos em nono lugar.

Esse crescimento das doações de órgãos vem, mais uma vez, confirmar a predisposição solidária do povo brasileiro. Mas precisamos avançar em campanhas de conscientização em prol daqueles que se encontram nas listas para receberem doações. Afinal, os dados do Ministério da Saúde revelam que, em janeiro passado, nada menos que 51.760 brasileiros figuravam no rol da angustiante espera da lista de candidatos a transplantes. Ainda pior: estimativa do médico José Medina Pestana, Presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos - ABTO, aponta que metade das pessoas que estão na lista morre esperando por esse gesto maior de altruísmo dos familiares que perderam um ente querido.

Muitas famílias deixam de concretizar a doação por desconhecerem qual era a vontade do potencial doador. Na dúvida sobre se o falecido tinha esse desejo, muitos parentes optam por não permitir a retirada dos órgãos, procedimento que, desde a revogação da Lei nº 9.434/97, só pode ser realizado com autorização formal da família.

Quero chamar a atenção para outro entrave relevante, que é a baixa notificação de possíveis doações. Apenas um em cada 12 potenciais doadores é notificado às centrais de transplantes. Na capital paulista, são captados nove órgãos por milhão de habitantes, quando o número estimado de órgãos disponíveis chega a 60. Com características de cidade violenta - e a grande maioria de vítimas da violência com pouca idade -, São Paulo deveria ter uma grande disponibilidade de órgãos para transplantes.

No Estado do Rio de Janeiro, os hospitais e clínicas particulares, embora detenham mais da metade dos leitos de UTI, respondem por menos de 20% dos comunicados de morte cerebral. Segundo a Sociedade de Neurologia, ocorrem cerca de 450 mortes cerebrais por mês no Estado, mas, dessas, apenas 40 são notificadas.

A contenção de custos é o torpe motivo para a subnotificação por parte das clínicas particulares, pois lhes caberiam, nos transplantes, os custos de manter artificialmente as funções vitais do doador e de uso do centro cirúrgico para a captação dos órgãos. Vale dizer que o valor total desses procedimentos não chega a R$4 mil, os quais são posteriormente ressarcidos pelo SUS. Ainda assim, as direções desses hospitais, muitas vezes, exercem pressão sobre as equipes médicas, para que não avisem a ocorrência de mortes cerebrais. Há notícias de médicos que foram ameaçados de demissão, caso comunicassem a existência de um possível doador.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tanto da parte das organizações da sociedade civil quanto da parte do Governo, tem-se visto empenho no sentido de incentivar os transplantes no Brasil, porém ainda é modesta a forma de motivação e de viabilização para se obterem resultados mais positivos.

Uma das macroestratégias traçadas pela Secretaria de Assistência à Saúde, do Ministério da Saúde, objetivando ampliar o acesso da população brasileira aos serviços, foi exatamente a organização do Sistema Nacional de Transplantes. Nesse âmbito, promoveu-se a organização e implantação do Sistema Nacional de Transplantes, a normatização das atividades de transplante, a organização das Centrais Estaduais e da Nacional, a organização das listas únicas, a ampliação dos serviços autorizados e do acesso da população à realização dos procedimentos.

Para incentivar a realização de transplantes, foram adotadas medidas que compreendem a alteração da legislação sobre doação de órgãos, mudanças na forma e no valor do pagamento da cirurgia e fornecimento de medicamentos para pacientes transplantados.

O registro da opção “doador” ou “não doador” nas carteiras de identidade e de habilitação, que parecia ser uma inovação promissora, revelou-se um grande problema para o sistema de doação de órgãos. Por essa razão, a lei foi alterada, consolidando-se a obrigatoriedade da consulta à família para autorização da doação ou retirada de órgãos.

Desde o ano 2000, encontra-se em funcionamento, 24 horas por dia, no aeroporto desta Capital, a Central Nacional de Transplantes, que articula o trabalho das Centrais Estaduais e provê os meios para as transferências de órgãos entre os Estados. Foram implantadas 23 centrais de transplantes, sendo 20 estaduais e 3 regionais. Um acordo firmado com as companhias aéreas garante o transporte gratuito de órgãos e, eventualmente, das equipes médicas de retirada. Entre agosto de 2000 e dezembro de 2001, a Central Nacional de Transplantes garantiu o transporte entre os Estados de 395 órgãos ou tecidos.

Medida da maior importância foi também a criação de Bancos de Órgãos e Tecidos. Em 2000, foram estabelecidas normas de funcionamento e cadastramento do Banco de Válvulas Cardíacas; do Banco de Olhos (córneas); do Banco de Sangue de Cordão Umbilical e Placentário para transplante de medula; e do Banco de Ossos, para enxerto de ossos e tecidos ligamentosos.

Em março de 2001, o Ministério da Saúde concedeu reajuste de 75% para os procedimentos de transplantes de órgãos. Em outubro de 2001, os valores relacionados à captação de órgãos para transplantes, bem como para sua retirada, foram triplicados. Nas tabelas do SUS, foram incluídos, nos últimos anos, os seguintes novos procedimentos relacionados a transplantes: busca ativa de doador de órgãos para transplantes; acompanhamento pós-transplante; medicamentos pós-transplantes de órgãos; busca internacional de medula óssea; coleta e transporte internacional de medula óssea; transplante de pâncreas; transplante simultâneo de pâncreas e rim; retirada parcial de fígado para transplante intervivos; e transplante de fígado intervivos.

Uma das maiores conquistas asseguradas após a criação do Sistema Nacional de Transplantes foi a implantação da lista única de transplantes para todos os órgãos, com critérios claros e justos para a definição da ordem em que os pacientes serão atendidos. A lista garante o fim das discriminações e permite a mais absoluta igualdade dos pacientes diante do Sistema. Ricos e pobres, influentes e desconhecidos, com padrinhos ou sem padrinhos, todos têm igual acesso à realização do necessário transplante. A lista tem sido, dessa forma, um poderoso instrumento de justiça na alocação dos órgãos e, como tal, trouxe credibilidade ao sistema, incentivando os brasileiros a autorizarem a doação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, paralelamente a todas essas iniciativas do Governo, deve-se também ressaltar o notável trabalho das inúmeras entidades da sociedade civil que se dedicam a estimular as doações e a prestar assistência aos pacientes de transplantes e às suas famílias.

A Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) é uma sociedade médica, civil, sem fim lucrativo, que tem por finalidade estimular o desenvolvimento de todas as atividades relacionadas com os transplantes de órgãos no Brasil, inclusive a pesquisa, a difusão de conhecimentos, a criação de centros de doação, bancos de órgãos e serviços de identificação de receptores. Uma das mais recentes iniciativas da ABTO foi a realização, no Carnaval deste ano, de uma campanha para estimular a população a doar órgãos.

Já a Associação de Assistência à Criança Cardíaca e à Transplantada do Coração (ACTC) presta atendimento multidisciplinar às crianças portadoras de doenças cardíacas, encaminhadas pelo Instituto do Coração (InCor), e aos familiares. A entidade oferece gratuitamente - por todo o tempo - às mães e às crianças hospedagem, alimentação, apoio social, psicológico, pedagógico e lazer, proporcionando intensa convivência entre as pessoas que passam pela mesma situação-problema.

A Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote) tem por objetivos a promoção do voluntariado para esclarecer, orientar e conscientizar a população em geral da importância, necessidade e responsabilidade humanitária da doação de órgãos e tecidos para transplante; bem como o desenvolvimento de estudos e pesquisas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito à doação de órgãos e aos transplantes.

E esses são apenas uns dos poucos exemplos entre as muitas entidades dedicadas ao tema. Poderíamos também mencionar a Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO), a Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT), a Associação Brasileira dos Transplantados de Fígado e Portadores de Doenças Hepáticas (Transpática), o Centro de Transplante de Medula Óssea e o Grupo de Atuação Brasileiro para a Realização de Transplantes Infantis (Gabriel).

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no cenário dos transplantes não existem estrelas. Os pacientes, médicos e doadores são igualmente importantes, pois não existe transplante sem doador. O problema da escassez de órgãos para transplantes, mais acentuado no Brasil do que em outro qualquer país, somente será resolvido mediante um intenso esforço de educação de toda a sociedade, incluindo, em curto prazo e em especial, os profissionais de saúde, que são os atores que dão início e finalizam o processo. Não menos importante é a implementação de políticas de saúde pública eficazes na prevenção de doenças que levam à indicação de transplante.

A conscientização da sociedade como um todo, tarefa de longo prazo, deve ser iniciada nas escolas, centro ideal de formação integral dos jovens, incluindo a formação para o exercício da cidadania. A incorporação da temática dos transplantes nos conteúdos curriculares dos diversos níveis de ensino será determinante para se lograr uma atitude crítica que favoreça o debate e a análise dos avanços científicos que influenciam a nossa saúde e determinam o rumo da nossa existência.

Afinal, os estudantes de hoje são os futuros médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, biólogos, engenheiros, pesquisadores, técnicos de laboratórios, cidadãos, governantes e potenciais doadores e receptores de órgãos, beneficiários da admirável tecnologia dos transplantes. Urge, portanto, despertar sua consciência para tão relevante tema.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/2003 - Página 13307