Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apoio à iniciativa da Senadora Ideli Salvatti de instalar CPI para apurar denúncias sobre lavagem de dinheiro no Brasil. Apresentação de projeto de lei que objetiva tornar mais eficiente a perseguição penal dos crimes de lavagem de dinheiro. (como Lider)

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO).:
  • Apoio à iniciativa da Senadora Ideli Salvatti de instalar CPI para apurar denúncias sobre lavagem de dinheiro no Brasil. Apresentação de projeto de lei que objetiva tornar mais eficiente a perseguição penal dos crimes de lavagem de dinheiro. (como Lider)
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/2003 - Página 13316
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO).
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, PROBLEMA, LAVAGEM DE DINHEIRO, BRASIL.
  • APOIO, ELOGIO, INICIATIVA, IDELI SALVATTI, SENADOR, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APURAÇÃO, DENUNCIA, LAVAGEM DE DINHEIRO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, DESVIO, VERBA, BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO).
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CONTRIBUIÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, INVESTIGAÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO, BRASIL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à tribuna do Senado a relevante questão da lavagem de dinheiro, que nada mais é do que uma operação de “legalização” de recursos provenientes de negociações ilícitas, como o narcotráfico e o contrabando, corrupção e sonegação fiscal, que movimenta, em todo o mundo, segundo estimativas do FMI, um montante entre 500 bilhões e 1,5 trilhão de dólares. Isso representa 5% de toda a produção mundial.

A revista Conexão do mês de março de 2003, do Sindicato dos Servidores da Receita Federal, o Unafisco, aponta que no “Brasil, estima-se que 30 bilhões de dólares podem ser originados do tráfico de drogas e de armas, de corrupção e de evasão fiscal. Tais ações são possíveis devido a brechas na própria legislação brasileira”.

Ficamos estarrecidos com as declarações do delegado da Polícia Federal, Sr. José Francisco de Castilho Neto, que, na Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal, afirmou que as investigações decorrentes de desvios dos recursos das privatizações das empresas de telecomunicações, de obras superfaturadas, dos incentivos fiscais da extinta Sudam e do Banestado, apontam uma evasão fiscal de US$30 bilhões! Com a identificação de 1.600 responsáveis e que esse esquema funciona há mais de 20 anos e está enraizado na rede bancária, na política e nas prefeituras!

Assim, Sr. Presidente, por uma questão de justiça, merece especial destaque a árdua luta que a Senadora Ideli Salvatti está travando para a persecução penal dos desvios do Banestado. Na verdade, desde quando a Senadora Ideli chegou a esta Casa, busca incansavelmente possibilitar a investigação e combater a lavagem de dinheiro, justamente porque, como mulher preocupada com os interesses públicos e as desigualdades sociais, sabe que o ralo da corrupção agrava a miséria humana e dificulta a ação estatal na erradicação da pobreza e da marginalização.

As tentativas de desqualificação foram uma das artimanhas utilizadas pelos criminosos na lavagem de dinheiro para calar e intimidar. Todavia, as infundadas calúnias dos criminosos não encontram, na luz ímpar da Senadora Ideli, espaço para refletirem a sua própria sujeira.

Conclamo todos a trabalharem sobre o tema lavagem de dinheiro. Sou o primeiro a me juntar à Senadora Ideli e a tantos quantos proponham, nesta Casa, uma vida límpida do ponto de vista da seriedade e da ética em nosso País.

Neste momento, estou encaminhando à Mesa projeto de lei sobre o assunto, na tentativa de contribuir para o aperfeiçoamento das investigações no tocante à lavagem de dinheiro no Brasil.

Sr. Presidente, é um discurso um pouco longo e o tempo a mim destinado não seria suficiente para concluí-lo. Espero que este pronunciamento seja publicado na íntegra, como prevê o Regimento Interno, bem como o projeto de lei que altera a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, acompanhado de justificação.

O nosso objetivo, na realidade, é, além de ter assinado os dois requerimentos de pedido de CPI, da Senadora Ideli Salvatti e do Senador Antero Paes de Barros, manifestar, mais uma vez, a minha preocupação e a de todos os Senadores que se debruçam sobre a questão, de que seja varrida do Brasil, de uma vez por todas, essa porta aberta da corrupção, do tráfico, que permite que criminosos se beneficiem financeiramente do produto de suas maldades, crueldades e das suas corrupções.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES.

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O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago à Tribuna do Senado Federal a relevante questão sobre a lavagem de dinheiro, que nada mais é do que uma operação de “legalização” de recursos provenientes de negociações ilícitas, como o narcotráfico e contrabando, corrupção e sonegação fiscal, que movimenta em todo o mundo, segundo estimativas do FMI1, um montante entre 500 bilhões e 1,5 trilhão de dólares. Isso representa 5% de toda a produção mundial.

A revista CONEXÃO do mês de março de 2003, do Sindicato dos Servidores da Receita Federal, o UNAFISCO, aponta que no “Brasil, estima-se que 30 bilhões de dólares podem ser originados do tráfico de drogas e de armas, de corrupção e de evasão fiscal. Tais ações são possíveis devido a brechas na própria legislação brasileira”.

Assim, Senhoras e Senhores Senadores, fiquei estarrecido com as declarações do delegado da Polícia Federal, Sr. José Francisco de Castilho Neto, que no dia de ontem, perante a Comissão de Fiscalização e Controle deste Senado Federal, afirmou que as investigações decorrentes de desvios dos recursos das privatizações das empresas de telecomunicações, de obras superfaturadas, dos incentivos fiscais da extinta SUDAM e do BANESTADO, apontam uma evasão fiscal na ordem de 30 bilhões de dólares! Com a identificação de 1.600 responsáveis e que esse esquema funciona há mais de 20 anos e está enraizado na rede bancária, na política e nas prefeituras!

Portanto, sem sombra de dúvidas, o valor apontado de 30 bilhões de dólares é apenas uma pequena parte desse imenso iceberg de lama e bandidismo que está completamente livre no Brasil. É inaceitável conviver com essa ilegalidade enquanto que a esmagadora parcela da população brasileira está consciente do grande sacrifício necessário para a retomada do desenvolvimento econômico que efetivamente possibilitará ao governo federal promover as mudanças de minimizarão as desigualdades sociais.

Assim, submeto ao Senado Federal um projeto de lei sobre a questão da lavagem de dinheiro, que justamente visa a preencher as lacunas atualmente existentes e possibilitar eficiências a todas as instituições envolvidas no combate a esse crime. O projeto contou com a sempre laboriosa Consultoria Legislativa e baseou-se no seminário “lavagem de dinheiro: combate à corrupção, controle da CC5 e dos fluxos financeiros em geral”, promovido pelo UNAFISCO e SINAL, em que especialistas na questão, como a Sra. Clair Hichmann do Unafisco, Abrahão Patruni e Luiz Fernando Ferreira, ambos do Banco Central e o Procurador da República Luiz Francisco, demonstraram as brechas legislativas existentes e a necessidade de seu melhoramento.

O combate à lavagem de dinheiro é estratégico, pois inibe reinversões nas atividades criminosas. Os mecanismos mais utilizados no processo de lavagem de dinheiro envolvem teoricamente três fases independentes que, com freqüência, ocorrem simultaneamente:

1. Colocação - a primeira fase é a introdução do dinheiro, que normalmente está em espécie, no sistema econômico. A colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens. Para dificultar a identificação, adotam técnicas de fracionamento de valores e a utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie (restaurantes, bares etc.).

2. Ocultação - a segunda fase consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências diante da possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Os criminosos buscam movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas - preferencialmente em países com regras rígidas de sigilo bancário -, fazendo-o atravessar várias jurisdições ou realizando depósitos em contas fantasmas, em nome de “laranjas”.

3. Integração - na terceira fase, os ativos, já com aspecto de limpos, são incorporados formalmente ao sistema econômico. As organizações criminosas buscam investir em empreendimentos que facilitem suas atividades, normalmente na aquisição de bens ou nos setores de serviços ou de importação-exportação.

A Lei de Lavagem de Dinheiro do Brasil, Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, tipifica e pune as duas primeiras fases. O art. 1º, § 1o, II, e § 2o, I, punem a primeira e o art. 1º, caput e § 1o, I, punem a segunda. Em nosso ordenamento jurídico, a terceira fase é mero exaurimento do delito. O bem jurídico tutelado pela Lei é o sistema econômico-financeiro do país, mais precisamente a estabilidade e a normalidade do mercado.

Podemos identificar várias deficiências em nossa Lei, grande parte geradora de problemas práticos, o que acaba por tornar a lei inexeqüível ou menos eficaz do que poderia ser. Para se ter uma idéia, primeiramente, cabe ressaltar a infelicidade do art. 1o, caput, da Lei 9.613, que limitou o campo de incidência de infrações penais antecedentes a crimes. No Brasil há diferença entre crime e contravenção penal. A diferença básica é que nesta há prisão simples (sem rigor penitenciário) e a pena cominada pode ser apenas a de multa. O jogo do bicho, por exemplo, uma das maiores chagas da criminalidade nacional, é uma contravenção penal e não um crime. Assim, se um bicheiro introduz proventos do jogo no sistema financeiro para ocultar ou dissimular a origem, não estará praticando crime nenhum, por maior que seja o montante.

Atualmente proliferam-se no Brasil as máquinas de caça-níqueis. Só no Distrito Federal (DF), onde a incidência não é tão alta quanto em algumas cidades do Nordeste e do Sudeste, estima-se que cada máquina arrecade R$3 mil por mês. É um negócio que movimenta R$40 milhões por ano só no DF. É típico jogo de azar cujos proventos podem ser injetados no sistema financeiro sem risco de incriminação, pois o jogo é mera contravenção penal.

O mesmo ocorre com a promoção de loterias não autorizadas, nacionais ou estrangeiras, o que também constitui contravenção penal. No Brasil, os bilhetes de loteria funcionam informalmente como títulos ao portador. Existem cerca de 9.000 revendedores lotéricos em território nacional. Outra contravenção é o comércio clandestino de obras de arte, um dos mercados mais utilizados atualmente para a lavagem de dinheiro. Muitos bancos europeus têm aceitado sem maiores problemas obras de arte como garantia para empréstimos, muitas das quais roubadas. No Brasil, qualquer pessoa poderia furtar ou roubar obras de arte caríssimas, colocá-las como garantia de empréstimo correspondente ao seu valor, e não pagar o empréstimo: o banco ficaria com um bem sujo e o criminoso com dinheiro limpo, e ele não seria punido por isso. Portanto, as principais vítimas são as nossas igrejas nas Cidades históricas, que não contam com um sistema de vigilância compatível com o patrimônio histórico e cultural que elas representam. 

Observa-se, portanto, que, ao invés de constar a palavra “crime” no art. 1o, deveria constar “infração”. Os proventos somados oriundos do jogo do bicho, dos jogos de azar, das loterias não autorizadas e do comércio clandestino de obras de arte têm potencial para desestabilizar qualquer mercado.

Segundo, é ilógica a ausência no rol do art. 1o dos crimes contra a ordem tributária, particularmente sonegação e fraudes fiscais, todos elencados na Lei nº 8.137, de 1990. Só a sonegação na área da Previdência está em torno de 40%. Isso significaria, em 2002, cerca de R$28 bilhões. Segundo a Secretaria de Receita Federal (SRF), para cada real arrecadado, o mesmo valor é sonegado, fraudado ou simplesmente não recolhido, o que significaria hoje um impacto de aproximadamente R$70 bilhões.

O procurador Luiz Francisco, do Ministério Público Federal (MP), já citou que os latifundiários, que deveriam pagar R$2 bilhões de Imposto Territorial Rural (ITR) por ano, não chegam a pagar R$300 milhões, dada a falta de estrutura de fiscalização da SRF. 

Outra ausência injustificada é o tráfico de seres humanos, particularmente o tráfico de mulheres, muito comum no Brasil e considerado, depois do narcotráfico e do tráfico de armas, o terceiro setor do crime organizado mais lucrativo no mundo. O tráfico de mulheres e o lenocínio são formas clássicas de se lavar dinheiro.

Além desse problema de impunidade interna que o rol taxativo do art. 1º da Lei nº 9.613/98 ocasiona, contribui para a impunidade internacional, pois a lei brasileira só permite extradição quando o crime cometido pelo estrangeiro seja também crime no Brasil. Assim, se um diretor norte-americano de uma grande empresa multinacional lavar US$1 bilhão, dinheiro todo proveniente de sonegação e fraude fiscal, poderá fugir para o Brasil e gozar de seu dinheiro lavado, pois o pedido de extradição por parte dos EUA não poderá ser atendido pelo governo brasileiro.

A Lei nº 9.613, de 1998, criou alguns mecanismos de combate ao crime de lavagem de dinheiro. Por exemplo, foi a primeira lei brasileira a prever a possibilidade de isenção de pena a criminoso que colaborar com a Justiça, delatando seus companheiros e levando à apuração da autoria e da localização de bens e valores do crime (art. 1º, § 5o). Outra inovação foi a inversão do ônus da prova, possibilitando a apreensão ou seqüestro de bens e valores com base apenas em indícios, transferindo para o acusado a obrigação de provar a origem lícita dos recursos (art. 4º).

Todavia, a prática vem minimizando o efeito dessas conquistas legislativas. O art. 1º, § 5o, por exemplo, não prevê expressamente o limite temporal do instituto da “delação premiada”. Assim, muitos juristas consideram que a possibilidade se encerra com o trânsito em julgado da sentença, o que deixaria os presos que gostariam de colaborar fora de seu alcance. Além disso, muitos acusados relutam em delatar companheiros pelo fato de, na prática judiciária brasileira, as transações penais terem que ser reduzidas a termo. Deveria ser expressamente prevista a possibilidade de não se lavrar termo nos autos no caso do art. 1º, § 5o.

O confisco do montante, por sua vez, é fundamental. Se não for confiscado, o dinheiro financiará novas ações criminosas, e novos proventos precisarão ser lavados, gerando um círculo virtuoso de criminalidade. Todavia, o MP não está seguindo à risca o caput do art. 4º; vem abrindo inquéritos policiais sem bloquear os valores. Isso demanda uma mudança de cultura judiciária e policial.

A cultura judiciária brasileira ainda é muito ligada à prova, e tem apresentado dificuldades para interiorizar a Lei, que promoveu uma inversão do ônus da prova em seu art. 4º, § 2º. Muitos procuradores da República, com infeliz amparo no Poder Judiciário, ainda raciocinam no sentido de que precisam provar a ocorrência do crime antecedente (narcotráfico, tráfico de armas, terrorismo etc.) para levar adiante uma investigação sobre lavagem, o que não é necessário.

Outro mecanismo de combate criado pela Lei foi a exclusão, em seu art. 2º, § 2o, dos efeitos do art. 366 do Código de Processo Penal (CPP), que diz que o processo será suspenso sempre que o réu, citado por edital, não comparecer e não constituir defensor. É o primeiro dispositivo penal brasileiro a prever julgamento à revelia. Entretanto, não vem sendo aplicado, pois o legislador cometeu grosseiro erro de técnica legislativa ao anular os efeitos desse dispositivo no art. 4º, § 3o, voltando a dar vigência, para os efeitos da Lei, ao art. 366 do CPP.

O art. 366 é, de fato, um dos maiores óbices de nosso ordenamento jurídico ao combate ao crime organizado. Por causa dele, 70% dos processos sobre crime organizado estão parados no Brasil atualmente.

Outro óbice legal é a impossibilidade de fiança. Tornando a lavagem de dinheiro crime inafiançável, a Lei tirou do Estado um mecanismo eficaz de recuperação, por exemplo, de dinheiro público desviado. O juiz poderia se valer desse mecanismo para cobrar altas fianças, o que minimizaria as perdas ocasionadas por crimes praticados contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública.

Outra criação da Lei foi o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o qual incorporou funções que deveriam ser, em tese, do Ministério Público (MP). Todavia, o Coaf é mais uma exigência internacional do que propriamente nacional. Ele é uma Unidade de Inteligência Financeira (conhecida pela sigla FIU, em inglês), nos moldes das recomendações do Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (Gafi), do qual o Brasil faz parte. As FIU agilizam o intercâmbio de informações entre os países. A tendência é que todos os países criem suas FIU, moldando-se uma rede de inteligência de escala mundial com o objetivo de combater a lavagem de dinheiro, crime eminentemente transnacional.

Por ser uma exigência internacional, o Coaf, que, na prática, é uma espécie de “Ministério Público” para assuntos financeiros, mas sem titularidade de ação penal e cujas informações não servem como matéria probatória em um processo judicial, acabou se tornando uma entidade estranha na máquina burocrática brasileira, gerando problemas administrativos e judiciais. Por exemplo, tornou-se depositária do sigilo bancário, o que acabou criando um intermediário entre o MP e o mercado econômico-financeiro, burocratizando o sistema. E, por força da Lei Complementar nº 105, de 2001, não pode sequer passar dados financeiros sigilosos para o MP, e este precisa requerer a quebra de sigilo judicialmente para ter acesso. Ou seja, a triangulação Coaf - MP - Judiciário vem emperrando o andamento das investigações, prolongando desnecessariamente a persecução criminal.

Devido à insatisfação com a atuação do Coaf, o Ministério da Justiça manifestou recentemente interesse em criar um Departamento de Recuperação de Ativos para combater o crime de lavagem de dinheiro no País. Todavia, essa criação apenas agravará mais ainda o caos administrativo brasileiro no combate ao crime, criando mais um caso de órgãos com competências semelhantes e concorrentes.

Vários são os óbices práticos que o Judiciário, o MP e a polícia têm encontrado no combate ao crime de lavagem de dinheiro. Entre eles, pode-se citar: a demora de autorização judicial para quebra do sigilo bancário; a renitência das instituições bancárias e outros órgãos, tais como empresas telefônicas, SRF etc., em fornecer informações, mesmo que somente cadastrais, sobre clientes e/ou usuários, sob a alegação de sigilo; a morosidade com que as informações financeiras chegam às autoridades policiais; a demora na expedição de mandados de busca e apreensão e de quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e de dados eletrônicos por parte do Judiciário; falta de delegados, promotores e procuradores com conhecimento especializado; ausência de varas e promotorias especializadas.

Entre os óbices mais graves está a falta de coordenação, entrosamento e integração entre as instituições voltadas para o combate à lavagem de dinheiro, como Polícia Federal, Receita Federal, Banco Central (BC), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), MP e Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

O BANCEN, além de ser recalcitrante em colaborar com as investigações, não possui cadastro nacional de todos os correntistas e ainda não desenvolveu mecanismos para dar maior agilidade e eficácia à quebra do sigilo bancário, como rastrear a movimentação financeira e fornecer relatórios simplificados e específicos. Normalmente as informações fornecidas ao MP e às autoridades policiais são incompletas e ilegíveis, ensejando reiteradas cobranças. A investigação torna-se extremamente morosa. Pede-se quebra de sigilo, vêm os extratos. Após, cópias de documentos de débito e crédito. Aparecem novos suspeitos, renova-se o ritual. Devido a essa falta de eficiência investigativa, o uso de “laranjas” e de “contas de passagem” dificulta muito a identificação do criminoso.

A quebra do sigilo bancário no Brasil não é flexível, não sendo permitida para toda a investigação. Assim, para cada requisição de documentos ou informação, é necessária nova quebra de sigilo bancário.

Outro óbice é o caráter extraterritorial do crime de lavagem. Para repatriar esses recursos, o Ministério das Relações Exteriores precisa ser atuante na celebração de Acordos de Assistência Mútua. O Brasil, por exemplo, só possui Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal com Colômbia, EUA, França, Itália, Panamá, Peru e Portugal. Sem esses acordos, a repatriação é muito mais demorada, dependendo da condenação judicial definitiva do agente.

Outro problema prático que vem acontecendo é o fato de os bancos não estarem solicitando ao cliente a origem do valor objeto de suspeita. A Circular nº 3.030/2001, do BANCEN só exige o registro do valor, do número do cheque e do número das contas envolvidas na transação. Perde-se oportunidade de ser realizado um exame prévio da suspeição. A experiência internacional tem demonstrado que a explicação do cliente a respeito da procedência do dinheiro perante um gerente de banco tem sido fundamental para deflagrar uma investigação criminal mais eficaz.

Existe ainda o receio de funcionários de bancos em registrar transações suspeitas em seus sistemas, temendo futuras represálias, pois suas matrículas geralmente ficam cadastradas juntamente com o registro feito.

Senhor Presidente, não irei mais me alongar sobre o assunto que está esmiuçado na justificativa do projeto que hoje apresento. Apenas faço indico que o que se observa é que a maior parte dos óbices relacionados ao combate ao crime de lavagem de dinheiro situa-se no campo de atuação do Poder Executivo e também no próprio Judiciário e Ministério Público. Todavia, há alterações relevantes que poderiam ser feitas na Lei de Lavagem de Dinheiro, o que contribuiria para otimizar a persecução penal desse crime no Brasil e assim estancar a sangria de divisas que faz falta ao nosso País.

Muito obrigado

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ANTONIO CARLOS VALADARES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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1 Dados retirados da revistaCONEXÃO do UNAFISCO, nº 24, Março/2003.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/2003 - Página 13316