Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que ocupará o mais alto cargo da ONU na reconstrução do Iraque. (como Lider)

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.:
  • Homenagem ao brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que ocupará o mais alto cargo da ONU na reconstrução do Iraque. (como Lider)
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/2003 - Página 13577
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • HOMENAGEM, SERGIO VIEIRA DE MELLO, REPRESENTANTE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), MISSÃO, RECONSTRUÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CARTA, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, CONGRATULAÇÕES.
  • APOIO, CONVITE, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, COMPARECIMENTO, SERGIO VIEIRA DE MELLO, REPRESENTANTE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SENADO, ESCLARECIMENTOS, MISSÃO, PAZ, RECONSTRUÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, o meu pronunciamento hoje, nesse horário cedido tão gentilmente pelo Líder Efraim Morais, é para falar sobre o exemplo de um brasileiro, que vem, pelas diversas missões que ocupa ao longo da sua brilhante trajetória, orgulhar o Brasil e também o mundo.

Por dever de justiça, eu gostaria, Sr. Presidente, de dizer que um pouco antes de fazer esse pronunciamento, em conversa com o Senador Eduardo Suplicy, S. Exa me comunicou que, na qualidade de Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, apresentou hoje àquela Comissão uma carta com o mesmo teor, com o mesmo sentido, com o mesmo objetivo que a minha, carta essa que obteve a aprovação e a assinatura unânime de todos os seus companheiros de Comissão. E tenho certeza, nobre Senador Eduardo Suplicy, que se esta carta aqui fosse colocada aqui para apreciação dos Srs. Senadores seria, com aplauso, aprovada pela unanimidade do Senado.

Portanto, peço que a carta do Senador Suplicy seja anexada ao meu pronunciamento e conste dos Anais desta Casa.

Em segundo lugar, Sr. Presidente, é com muita alegria e felicidade que discurso neste momento, quando vejo as galerias repletas de estudantes, de alunos que vêm aqui observar a atividade parlamentar. Ao discorrer sobre esse brasileiro ilustre, quero que eles vejam o exemplo de um homem que começou sua vida enfrentando adversidades, com o pai cassado, e com persistência, determinação e, acima de tudo, muita luta, vem hoje orgulhar a todos nós brasileiros.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é sempre auspicioso para nós vermos um brasileiro ocupando postos de destaque no exterior. Esta Casa, portanto, não poderia deixar passar em branco a escolha do brasileiro Sérgio Vieira de Mello como representante da Organização das Nações Unidas no Iraque, por determinação do próprio Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan. Embora não tenha feito carreira como diplomata no Itamaraty, Sérgio Vieira de Mello reúne as características - como a busca incessante pela paz e pelo entendimento entre as nações - que fazem de nossa diplomacia uma das mais respeitadas do mundo.

Talvez, mesmo não tendo freqüentado a Casa de Rio Branco, Sérgio Vieira de Mello dela tenha herdado parte de seus conhecimentos e atitudes, pois seu pai, Arnaldo Vieira de Mello, foi diplomata, ainda que tenha sido cassado pelo regime militar. Não chegou a embaixador, o que, no entanto, ocorreu com um tio, Mário Vieira de Mello, na gestão do Chanceler Azeredo da Silveira.

Sérgio Vieira de Mello ocupará o mais alto cargo reservado à ONU no processo de reconstrução do Iraque, tarefa espinhosa, sem dúvida, mas para a qual ele parece talhado, já que, na sua longa carreira como funcionário de organismos internacionais, coleciona missões sempre difíceis. Já em 1969, formado em Letras pela Universidade de Paris, Sérgio Vieira de Mello, hoje com 55 anos, ingressava no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Desde então, trilhou vasta experiência em operações de paz e humanitárias em locais como Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique, Peru e Líbano. Entre algumas de suas outras atribuições como funcionário da ONU, foi o enviado especial ao Camboja e participou das negociações sobre o conflito em Ruanda, sobre a questão dos refugiados albaneses e sobre os destinos da ex-Iugoslávia.

Em 1999, após uma passagem pela sede da ONU, em Nova Iorque, onde ocupou o cargo de Secretário-Geral Adjunto para Assuntos Humanitários, foi o representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas no Kosovo. Em seguida, até maio do ano passado, Sérgio Vieira de Mello coordenou o período de reconstrução do Timor-Leste, no qual o Brasil teve participação destacada, até porque nos ligam à ex-colônia portuguesa laços históricos e lingüísticos.

Em 23 de julho de 2002, o Secretário-Geral Kofi Annan anunciou a escolha de Vieira de Mello para o cargo de Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, sucedendo a ex-Primeira Ministra da Irlanda, Mary Robinson. A nomeação de Vieira de Mello era, certamente, a certeza da continuação do excelente trabalho que ele tem feito, sob o guarda-chuva da ONU, na promoção e proteção dos direitos humanos.

A tarefa que lhe foi destinada agora não é certamente um mar de rosas. Poucos, porém, podem encarar uma missão assim com naturalidade. Sérgio Vieira de Mello, com sua experiência e dedicação, pode. Resta-nos, pois, parabenizá-lo e torcer para que ele se saia vitorioso em mais esta etapa de sua brilhante carreira.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Heráclito Fortes, me permite um aparte?

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentá-lo e solidarizar-me com a manifestação de V. Exª, cumprimentando o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que vem se destacando com brilhantes ações como funcionário de carreira das Nações Unidas. Sua Excelência, depois de ter realizado funções de excepcional relevância no Kosovo, na Bósnia Herzegovinia, no Timor Leste, onde foi responsável pela transição até que o Presidente Xanana Gusmão assumisse a Presidência daquele país, após eleições livres e diretas, depois da independência, é agora designado para o Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Nessa função, o Sr. Sérgio acumulará outra, a de representante da ONU na difícil missão de reconstrução do Iraque, ocasião em que justamente terá a responsabilidade de promover a construção de instituições que, acredito, devam ser as mais democráticas. Por isso, formulei requerimento hoje unanimemente, e por sugestão também do Senador Pedro Simon, aprovada por Senadores da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Como sou o próximo orador, Senador Heráclito Fortes, vou me permitir ler esta carta que V. Exª pediu gentilmente que fosse transcrita, dada a relevância e em continuidade ao assunto que aqui traz. Vou lê-la para que fique bem clara a proposição da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, muito mais do que apenas a minha. Meus cumprimentos.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Eduardo Suplicy, por enriquecer este pequeno registro que faço aqui, tentando fazer justiça a esse ilustre brasileiro, ao tempo em que também parabenizo V. Exª pela idéia de convidar Sérgio Vieira de Mello a comparecer à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado, para prestar esclarecimentos sobre o que será sua atuação na reconstrução do Iraque, hoje aguardada com ansiedade por todo o mundo, independentemente de ideologia, independentemente de credo. Portanto, parabenizo V. Exª e sugiro que, dada a relevância da ilustre presença, essa visita se faça no plenário desta Casa para que todos os Senadores possam homenagear o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, dirimir dúvidas e ouvir de S. Sª enriquecedoras experiências pelo mundo afora na reconstrução da paz.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR HERÁCLITO FORTES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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CARTA ABERTA

Brasília, 26 de maio de 2003.

Sr. Sérgio Vieira de Mello

Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos e

Representante Especial da ONU para Iraque

Nova Iorque

Caro Sr. Sérgio Vieira de Mello:

Congratulações pela sua nomeação como Representante Especial das Nações Unidas para o Iraque. Tenho certeza de que após várias missões bem-sucedidas cumpridas por V. Sª, como na Bosnia-Herzegovina e em Timor Leste, V. Sª terá também um papel relevante na reconstrução do Iraque e na ajuda ao desenvolvimento das instituições democráticas que possam significar novas esperanças para a população daquela nação.

É sobre o desenvolvimento das formas de compartilhamento das riquezas do Iraque entre a sua população que eu gostaria de pedir a sua atenção, levando em consideração uma proposta que tem fundamentos nas antigas escrituras do Velho Testamento e do Novo Testamento da Bíblia Sagrada, nos ensinamentos do Alcorão e no Livro de Hadis e dos Budistas, nos ensinamentos de Thomas More e de Thomas Paine, e nos estudos recentes bem elaborados pelos brilhantes economistas como James Edward Meade, James Tobin e Philippe Van Parijs.

Num artigo publicado em 9 de abril de 2003, no jornal The New York Times, Sharing, Alaska Style, Steven C. Clemons propôs que os Estados Unidos, e é claro, a ONU, considerem a possibilidade de trabalhar com o petróleo do Iraque, não só para a reconstrução do que foi destruído pela guerra recente, mas também como uma forma de ajudar a produzir uma democracia estável, expandindo o número de participantes econômicos na economia daquela nação.

Acredito que seria um exemplo promissor para o mundo que V.Sa. proponha ao Iraque que eles sigam o exemplo muito bem sucedido do Alasca, especialmente porque eles têm um abundante recurso natural sob a forma de petróleo, apesar de ser possível seguir este procedimento com base em qualquer riqueza criada pela nação.

Permita-me relembrar como aquela idéia surgiu no Alasca. No início dos anos sessenta, o prefeito de uma pequena vila de pescadores, Bristol Bay, no Alasca, notou a grande riqueza gerada pela pesca, mas que muitos de seus moradores continuavam pobres. Propôs, então, a criação de um imposto de 3% sobre o valor da pesca para criar um fundo que pertenceria a todos. Ele enfrentou muita resistência ao tentar convencer a população a aceitar a idéia. O trabalho de persuasão levou cinco anos. A idéia deu tão certo que, dez anos depois, Jay Hammond tornou-se o governador do Estado de Alasca.

Em 1976, o Governador Hammond disse aos 300.000 residentes do Alasca: “devemos pensar não só na nossa geração, mas também nas futuras gerações. Uma vez que o petróleo e outros recursos naturais não são renováveis, vamos separar 50% dos royalties gerados através da exploração desses recursos para um fundo que será acumulado e pertencerá a todos”. A proposta foi aprovada não só pela Assembléia Estadual, mas também pelo referendo popular, 76.000 votos a favor e 38.000 votos contra.

Hoje é considerado um suicídio político para qualquer liderança se colocar contra o sistema de dividendos do Fundo Permanente do Alasca. Tem sido um grande sucesso. Aqueles royalties têm sido aplicados em títulos de renda fixa dos Estados Unidos, ações de empresas do Alasca, dos Estados Unidos, empresas internacionais e em investimentos imobiliários. Desde 1980 o patrimônio líquido do Fundo aumentou de US$1 bilhão para US$25 bilhões de hoje. Cada residente no Alasca há um ano ou mais tem o direito de receber um dividendo anual que aumentou de aproximadamente US$300,00 no início dos anos oitenta para US$1.550,00 no ano passado.

O Fundo Permanente do Alasca fez do país o estado com mais igualitária distribuição de renda dos Estados Unidos. Durante o período de 1989-1999 o Alasca distribuiu os 6% do seu PIB igualmente para todos os cidadãos, hoje em torno de 626.000. Como resultado, durante a última década, enquanto a renda média das famílias 20% mais pobres dos Estados Unidos cresceu 12% e das famílias 20% mais ricas cresceu 26%, no Alasca, a renda média das famílias 20% mais pobres cresceu 28% enquanto que das famílias 20% mais ricas cresceu 7%.

Este é um exemplo para todas as nações do mundo e é especialmente válido para países como o Brasil e a África do Sul, que têm grande necessidade de erradicar a pobreza e melhorar a sua distribuição de renda em direção a melhor justiça social. Os economistas e os cientistas sociais da Rede Européia de Renda Básica (Basic Income European Network, BIEN), fundada em 1986, e a USBIG, têm demonstrado mais e mais a sua racionalidade.

No dia 29 de abril de 2003, perante o Comitê de Relações Exteriores do Senado, o Secretário de Estado Collin Powell respondeu a uma pergunta do senador George Allen sobre a proposta que sugere ao povo iraquiano para organizar um tipo de referendo ou plebiscito para seguir o exemplo do Fundo Permanente do Alasca:

“Acho que vou apostar nisso”.

Gostaria de confirmar o convite da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal do Brasil para V.Sa. explanar a sua futura missão no Iraque.

Cordialmente,

Senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT/SP)

Presidente da Comissão de Relações Exteriores e da Defesa Nacional do Senado Federal do Brasil


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/2003 - Página 13577