Discurso durante a 66ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Negociação do Brasil com os Estados Unidos da América no processo de implantação da Área de Livre Comércio das Américas - Alca.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Negociação do Brasil com os Estados Unidos da América no processo de implantação da Área de Livre Comércio das Américas - Alca.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 30/05/2003 - Página 13585
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, BRASIL, REPRESENTANTE, COMERCIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEBATE, GOVERNO BRASILEIRO, CRONOGRAMA, IMPLANTAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), ANUNCIO, FALTA, INTERESSE, NEGOCIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OPOSIÇÃO, POLITICA EXTERNA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • LEITURA, DISCURSO, CELSO AMORIM, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), CRITICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), NEGOCIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), PREJUIZO, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, CARTA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, CONGRATULAÇÕES, SERGIO VIEIRA DE MELLO, REPRESENTANTE, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), RECONSTRUÇÃO, IRAQUE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do Orador.) - Sr. Presidente, veio ao Brasil esta semana o Sr. Robert Zoellick, representante de comércio dos Estados Unidos, para discutir com o Governo brasileiro o cronograma de implantação da Alca. De acordo com suas declarações, o Governo americano não tem interesse em reiniciar negociações diretas de livre comércio com o Mercosul, tal como é do interesse do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda segundo Zoellick, o Governo americano prefere concentrar seus esforços nas conversas sobre a área de livre comércio das Américas.

O Governo brasileiro prefere explorar a possibilidade de um acordo “4 + 1” entre o Mercosul e os Estados Unidos como maneira de conseguir maior acesso ao mercado norte-americano, sem precisar encarar as dificuldades do processo da Alca. Por sua vez, o Governo americano, por meio de Zoellick, deixa claro que o foco principal de sua viagem é tentar ver como o Brasil e os Estados Unidos podem avançar no processo de implantação da Alca.

Zoellick disse que os Estados Unidos trabalham para concluir essas negociações até janeiro de 2004, ou seja, dentro do prazo previamente acordado, justificando que a Alca é importante para reduzir as incertezas econômicas que assolam algumas economias latino-americanas.

Na forma como está sendo proposta, a Alca não interessa ao povo brasileiro. O Ministro Amorim, em diversas ocasiões, tem afirmado que os interesses brasileiros podem não ser atendidos, caso as conversas continuem como estão.

O Presidente Lula declarou esta semana que “os EUA querem negociar seus temas sensíveis na OMC (Organização Mundial do Comércio), mas negociar os temas sensíveis para o Brasil na Alca”. Isso significa que os Estados Unidos desejam remeter para a OMC os temas prioritários para o Brasil, como, por exemplo, o uso protecionista da legislação anti-dumping e a política de defesa na agricultura. Por outro lado, os americanos insistem que, em assuntos do seu interesse, porém inconvenientes para o Brasil - tais como serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual - as negociações devem se desenvolver no âmbito da Alca. Aliás, nesses assuntos, as negociações na Alca devem ir além da OMC.

Visando exemplificar o que estamos afirmando, desejo registrar o discurso proferido pelo Ministro Celso Amorim no XV Fórum Nacional, realizado no BNDES, no dia 21 de maio do corrente:

O processo negociador (da Alca) obedece a um cronograma intenso e ingressa em fase de definições, com o intercâmbio de ofertas e revisão de ofertas já apresentadas. O Mercosul apresentou ofertas em bens agrícolas e não agrícolas. Brasil e Argentina decidiram não apresentar oferta em serviços, em função da atitude norte-americana de “bilateralizar” sua oferta em bens - com listas diferenciadas para o Caricom, países centro-americanos, Comunidade Andina e Mercosul, reservando-nos as condições de acesso as menos favoráveis. Nenhum dos quatro sócios do Mercosul apresentou ofertas em investimentos ou compras governamentais. Nestas áreas, como em propriedade intelectual, verifica-se grande empenho norte-americano para obter disciplinas mais ambiciosas do que as da OMC, postura que contrasta com a recusa dos EUA em discutir subsídios agrícolas e instrumentos de defesa comercial - de interesse brasileiro. Cabe ter presente que o Brasil não necessitaria de uma estrutura negociadora como a da Alca para associar-se mais estreitamente às economias da América do Sul ou mesmo do México - o que poderia ser feito no âmbito da Aladi. A perspectiva de obtenção de condições de acesso privilegiado ao mercado norte-americano é obviamente atraente para vários setores de nossa indústria e do agronegócio. Mas os contornos gerais da dinâmica atual das negociações não podem ser considerados favoráveis aos nossos interesses. As perspectivas de melhoria de acesso em produtos de especial interesse não são encorajadoras, na medida em que a oferta inicial norte-americana não acena com reduções de barreiras para produtos de especial interesse do Brasil, como suco de laranja, carnes, calçados, têxteis. Ao mesmo tempo as ambições norte-americanas em matéria de serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual vão além do que está sobre a mesa na OMC, enquanto nossas postulações em matéria anti-dumping e salvaguardas e em relação a subsídios agrícolas não são levadas em conta.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Um momento, por favor, Senador Heráclito Fortes.

Em face dessas palavras e da importância do tema, a sociedade brasileira e, em especial, o Congresso Nacional, devem estar atentos às negociações que estão se desenrolando no âmbito Alca. Quero aqui expressar o meu apoio às diretrizes expressas pelo Ministro Celso Amorim nesse importante pronunciamento, bem como pela maneira como o Presidente Lula vem conduzindo a política externa brasileira, especialmente ao coordenar esforços dos presidentes dos países da América do Sul visando o fortalecimento de nossa integração.

Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes, que o havia solicitado.

Gostaria ainda de registrar a carta que V. Exª mencionou e respeitar o entendimento com o Senador Garibaldi Alves.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Procurarei ser breve, Senador Eduardo Suplicy. Apenas apelo para o coração de dimensão marajoara do nosso Presidente Luiz Otávio. Tenho certeza de que irá colaborar democraticamente com este cair de tarde no plenário do Senado Federal. Nobre Senador Eduardo Suplicy, quero parabenizar V. Exª, que é um dos parlamentares com maior senso de oportunidade na escolha dos temas que esta Casa já viu. V. Exª trouxe, hoje, dois temas altamente atualizados e de importância para o Brasil. Mas o que quero, na realidade, é parabenizar o seu Partido, o PT. Cita V. Exª a presença do negociador americano, discutindo de igual para igual com o Governo brasileiro - esse mesmo negociador que, há meses, no calor de uma campanha, era acusado de ser o sub do sub da burocracia americana. E mostra o amadurecimento de Sua Excelência, o Senhor. Presidente Lula. Veja só: as duas grandes preocupações, não só dos brasileiros, mas também dos estrangeiros que observavam o resultado eleitoral no Brasil, eram com a política econômica e com a política internacional que seria implantada pelo Presidente então eleito. E, para a surpresa de todos nós brasileiros, são os dois segmentos que melhor estão comportando-se no atual governo. A economia vai bem, e a diplomacia, até o momento, com a ajuda efetiva desse extraordinário Ministro, o Embaixador Celso Amorim, evitando, inclusive, em alguns momentos, delicadamente, a duplicidade das suas funções, vai bem. Na realidade, nobre Senador Eduardo Suplicy, gostaria de parabenizá-lo e de dizer que, como ex-Presidente e fundador da Comissão Especial da Alca na Câmara dos Deputados, o início está bom. Não podemos ter pressa e nem predisposição para com esse tema. São trinta e três países envolvidos, cada um com seus interesses. O início do diálogo e a disposição já indicam um grande começo. Não vamos ter pressa. A Alca só será importante para o Brasil se for comercialmente interessante aos brasileiros. Caso contrário, teremos tempo de dizer não. Mas devemos negociar até o último momento, até porque as negociações envolvem um contingente hemisférico. E a verdade é que o americano, o canadense, todos vão querer o melhor para si. Mas, no momento certo das decisões, cada um terá que abrir mão de algo. Ninguém vai querer deixar de participar desse mercado extraordinário que é a Alca, até mesmo porque já existe o exemplo do que vem sendo o fortalecimento da União Européia. V. Exª, como internacionalista, sabe muito bem disso. E tenho certeza, com o amadurecimento adquirido ao longo do período que exerce mandato nesta Casa, será um grande colaborador no sentido de que o Brasil chegue a um denominador comum na questão da Alca. Era o meu aparte. Agradeço a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Heráclito Fortes. Certamente, o Governo do Presidente Lula e o Ministro Celso Amorim estão dialogando, com toda a serenidade e respeito, com o Sr. Robert Zoellick, expondo os pontos aos quais me referi, no sentido de que venhamos a ter o interesse do Brasil e do Mercosul respeitado. Se for para ingressarmos na Alca, em termos que realmente...

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - São 15 mil itens em discussão.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Exato. Portanto, será muito importante termos o interesse do povo brasileiro respeitado. E o passo de integração com a América do Sul e América Latina é prioritário; nesse ponto, estamos de acordo.

Sr. Presidente, peço também a transcrição da carta enviada ao Sr. Sérgio Vieira de Mello com as assinaturas de todos os membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Hoje, pela manhã, resolveram todos concordar e assinar a carta.

Faço uma saudação aos estudantes de Campinas que nos visitam. Gostaria de dizer-lhes que, na carta ao Sr. Sérgio Vieira de Mello, estamos propondo que no Iraque sigam o exemplo do Alaska, porque há petróleo em ambos os lugares, de maneira tal a assegurar o direito de todos partilharem da riqueza daquela região. No Alaska, isso acontece há mais de 20 anos, e poderão os iraquianos fazer o mesmo, estudando e seguindo o exemplo. É o que está sugerido nesta carta ao Sr. Sérgio Vieira de Mello, cujo conteúdo peço que seja transcrito na íntegra.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno)

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CARTA ABERTA

Brasília, 26 de maio de 2003.

Sr. Sérgio Vieira de Mello

Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos e

Representante Especial da ONU para Iraque

Nova Iorque

Caro Sr. Sérgio Vieira de Mello:

     Congratulações pela sua nomeação como Representante Especial das Nações Unidas para o Iraque. Tenho certeza de que após várias missões bem-sucedidas cumpridas por V.Sa, como na Bosnia-Herzegovina e em Timor Leste, V.Sa. terá também um papel relevante na reconstrução do Iraque e na ajuda ao desenvolvimento das instituições democráticas que possam significar novas esperanças para a população daquela nação.

     É sobre o desenvolvimento das formas de compartilhamento das riquezas do Iraque entre a sua população que eu gostaria de pedir a sua atenção, levando em consideração uma proposta que tem fundamentos nas antigas escrituras do Velho Testamento e do Novo Testamento da Bíblia Sagrada, nos ensinamentos do Alcorão e no Livro de Hadis e dos Budistas, nos ensinamentos de Thomas More e de Thomas Paine, e nos estudos recentes bem elaborados pelos brilhantes economistas como James Edward Meade, James Tobin e Philippe Van Parijs.

      Num artigo publicado em 9 de abril de 2003, no jornal The New York Times, Sharing, Alaska Style, Steven C. Clemons propôs que os Estados Unidos, e é claro, a ONU, considerem a possibilidade de trabalhar com o petróleo do Iraque, não só para a reconstrução do que foi destruído pela guerra recente, mas também como uma forma de ajudar a produzir uma democracia estável, expandindo o número de participantes econômicos na economia daquela nação.

      Acredito que seria um exemplo promissor para o mundo que V.Sa. proponha ao Iraque que eles sigam o exemplo muito bem sucedido do Alasca, especialmente porque eles têm um abundante recurso natural sob a forma de petróleo, apesar de ser possível seguir este procedimento com base em qualquer riqueza criada pela nação.

     Permita-me relembrar como aquela idéia surgiu no Alasca. No início dos anos sessenta, o prefeito de uma pequena vila de pescadores, Bristol Bay, no Alasca, notou a grande riqueza gerada pela pesca, mas que muitos de seus moradores continuavam pobres. Propôs, então, a criação de um imposto de 3% sobre o valor da pesca para criar um fundo que pertenceria a todos. Ele enfrentou muita resistência ao tentar convencer a população a aceitar a idéia. O trabalho de persuasão levou cinco anos. A idéia deu tão certo que, dez anos depois, Jay Hammond tornou-se o governador do Estado de Alasca.

     Em 1976, o Governador Hammond disse aos 300.000 residentes do Alasca: “devemos pensar não só na nossa geração, mas também nas futuras gerações. Uma vez que o petróleo e outros recursos naturais não são renováveis, vamos separar 50% dos royalties gerados através da exploração desses recursos para um fundo que será acumulado e pertencerá a todos”. A proposta foi aprovada não só pela Assembléia Estadual, mas também pelo referendo popular, 76.000 votos a favor e 38.000 votos contra.

     Hoje é considerado um suicídio político para qualquer liderança se colocar contra o sistema de dividendos do Fundo Permanente do Alasca. Tem sido um grande sucesso. Aqueles royalties têm sido aplicados em títulos de renda fixa dos Estados Unidos, ações de empresas do Alasca, dos Estados Unidos, empresas internacionais e em investimentos imobiliários. Desde 1980 o patrimônio líquido do Fundo aumentou de US$1 bilhão para US$25 bilhões de hoje. Cada residente no Alasca há um ano ou mais tem o direito de receber um dividendo anual que aumentou de aproximadamente US$300,00 no início dos anos oitenta para US$1.550,00 no ano passado.

     O Fundo Permanente do Alasca fez do país o estado com mais igualitária distribuição de renda dos Estados Unidos. Durante o período de 1989-1999 o Alasca distribuiu os 6% do seu PIB igualmente para todos os cidadãos, hoje em torno de 626.000. Como resultado, durante a última década, enquanto a renda média das famílias 20% mais pobres dos Estados Unidos cresceu 12% e das famílias 20% mais ricas cresceu 26%, no Alasca, a renda média das famílias 20% mais pobres cresceu 28% enquanto que das famílias 20% mais ricas cresceu 7%.

     Este é um exemplo para todas as nações do mundo e é especialmente válido para países como o Brasil e a África do Sul, que têm grande necessidade de erradicar a pobreza e melhorar a sua distribuição de renda em direção a melhor justiça social. Os economistas e os cientistas sociais da Rede Européia de Renda Básica (Basic Income European Network, BIEN), fundada em 1986, e a USBIG, têm demonstrado mais e mais a sua racionalidade.

     No dia 29 de abril de 2003, perante o Comitê de Relações Exteriores do Senado, o Secretário de Estado Collin Powell respondeu a uma pergunta do senador George Allen sobre a proposta que sugere ao povo iraquiano para organizar um tipo de referendo ou plebiscito para seguir o exemplo do Fundo Permanente do Alasca:

     “Acho que vou apostar nisso”.

     Gostaria de confirmar o convite da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal do Brasil para V.Sa. explanar a sua futura missão no Iraque.

     Cordialmente,

Senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT/SP)

Presidente da Comissão de Relações Exteriores e da Defesa Nacional do Senado Federal do Brasil


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/05/2003 - Página 13585