Discurso durante a 67ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a escassez de recursos para a preservação do patrimônio histórico brasileiro, em particular, as edificações coloniais maranhenses.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Preocupação com a escassez de recursos para a preservação do patrimônio histórico brasileiro, em particular, as edificações coloniais maranhenses.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2003 - Página 13876
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • CRITICA, OMISSÃO, PODER PUBLICO, ELABORAÇÃO, POLITICA, PRESERVAÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, BRASIL, REGISTRO, PRECARIEDADE, CONSERVAÇÃO, ACERVO HISTORICO, APREENSÃO, DESAPARECIMENTO, PATRIMONIO CULTURAL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PRECARIEDADE, PATRIMONIO HISTORICO, BRASIL.
  • REGISTRO, INSUFICIENCIA, VERBA, DESTINAÇÃO, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), DEFICIENCIA, QUADRO DE PESSOAL, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, CONSERVAÇÃO, PATRIMONIO CULTURAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, CONSERVAÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, FAVORECIMENTO, TURISMO, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REDUÇÃO, DESEMPREGO, SOLICITAÇÃO, AUMENTO, VERBA, DESTINAÇÃO, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), AGILIZAÇÃO, ABERTURA, CONCURSO PUBLICO, PREENCHIMENTO, QUADRO DE PESSOAL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o patrimônio histórico brasileiro vive há anos sob o risco de desaparecer. O Poder Público Federal, pela escassez dos recursos que destina ao setor, parece subestimar sua considerável valia cultural. Os desastres que atingem o patrimônio nacional incluem-se naquelas páginas das chamadas “tragédias anunciadas”. Vimos como Goiás Velho foi vítima de inundação na última noite de 2001; Pirenópolis, cidade próxima a Brasília, teve a sua igreja matriz - construída entre 1728 e 1732 - consumida pelo fogo. Ouro Preto tem testemunhado a degradação do seu patrimônio em grande velocidade. Caminhão desgovernado destruiu peças em pedra-sabão do século XVIII e, ainda em Ouro Preto, foi destruído por um incêndio o segundo maior casarão do centro da cidade mineira, construído também no século XVIII.

Esses são os casos dramáticos mais recentes, geralmente ocasionados pelo descaso crônico com o patrimônio histórico nacional.

Muitas vezes ocupei esta tribuna para lamentar tais episódios. São Luís do Maranhão, a capital do meu Estado - que ostenta o honroso título de Patrimônio Cultural da Humanidade -, abriga o maior conjunto urbano de edificações históricas do nosso País, constituído por formidáveis acervos da arquitetura colonial portuguesa, que vem das primeiras décadas do século XVII. São cerca de 3.500 prédios e casarões com centenários azulejos portugueses. Um acervo sob constante ameaça de destruição. Já houve desmoronamentos de casarões, e outros já foram interditados por ordem judicial. 

A administração da Governadora Roseana Sarney, a exemplo de administrações anteriores, dentre as quais a minha, fez o que foi possível fazer para preservar o riquíssimo patrimônio maranhense. Mas faltam aos Estados e Municípios as condições financeiras para suplantar as deteriorações de que se incumbe a passagem dos tempos.

Como disse em discurso que proferi nesta tribuna em maio de 2000, a preservação do Centro Histórico de São Luís iniciou-se graças à sensibilidade do então Governador José Sarney, que levou àquela cidade, em 1996, o primeiro consultor da Unesco a visitar o Maranhão. Seguiram-se várias outras visitas de especialistas internacionais até que organismo da ONU reconheceu São Luís como um Patrimônio Cultural da Humanidade, depois de uma visita que fiz à Unesco, em Paris, ainda como Governador.

Esse reconhecimento deveu-se não somente à beleza única da arquitetura colonial, traço marcante da capital maranhense, mas também aos esforços desenvolvidos pelos governos e pela população para a preservação de tal tesouro, seja na recuperação de estruturas ou ao restauro de igrejas e outras edificações, seja até mesmo na renovação da estrutura subterrânea e aérea de redes de utilidade pública.

Na chamada quarta etapa das preservações, coube-me a oportunidade e a honra, como Governador de Estado, de investir os esforços possíveis para a restauração bem sucedida dos principais monumentos de São Luís, entre os quais, na zona tombada federal, o Teatro Arthur Azevedo - inaugurado em 1816 - e, a oito quilômetros do centro, a transformação da antiga Usina Têxtil do Rio Anil no Centro Integrado de Ensino, com capacidade para acolher 8.300 crianças. No Centro Histórico, diversas outras edificações foram igualmente restauradas no período do meu governo. São obras que correspondem às aspirações da população maranhense, que se orgulha de sediar monumentos que valorizam e embelezam a sua capital.

Em âmbito nacional, é triste constatar que a preocupação com os nossos museus, com os nossos prédios históricos, com a nossa história, com a nossa memória reaparece apenas quando temos tragédias como aquelas que atingiram Pirenópolis e Ouro Preto. 

No intervalo entre uma tragédia e outra, o patrimônio histórico vai sendo consumido pouco a pouco, não só pelo fogo ou pela água, mas, principalmente, pelo descaso, pela negligência e pela imprudência.

A revista Carta Capital, de 30 de abril deste ano, retratou, na matéria “A memória em cacos”, a precária situação em que nos encontramos. O diagnóstico traçado é sombrio: o patrimônio histórico brasileiro está se desintegrando. Segundo depoimento de Juca Ferreira, Secretário-Executivo do Ministério da Cultura, “os nossos patrimônios estão todos por um fio”.

Exemplos de problemas não faltam. O Museu das Missões, no Rio Grande do Sul, passou vários domingos fechado por falta de dinheiro para o pagamento de hora-extra para seus funcionários. Manter um museu fechado aos domingos, todos sabem, é o caminho certo para afastar o público daqueles ambientes tão propícios à cultura.

O Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, está à beira do colapso. A revisa Carta Capital transcreve o depoimento do diretor desse estabelecimento, o Sr. Paulo Herkenhoff, afirmando que o prédio treme, multiplicam-se as goteiras em todos os andares e, há apenas um mês lá dentro, já presenciou um curto-circuito. Segundo os funcionários mais antigos, há pelo menos quatro desses “curtos” por ano naquele museu.

Os problemas desse museu não são apenas da infra-estrutura do prédio. Há, também, cupins, baratas e o ar-condicionado não funciona corretamente. O resultado inevitável é a degradação das obras ali mantidas.

Em Mariana, Minas Gerais, o sobrado onde funcionou a primeira estalagem de bandeirantes no século XVIII se sustenta por toras de madeira. Em Congonhas, também em Minas Gerais, os 12 Profetas, obra magistral do escultor Aleijadinho, têm sido consumidos pela ação do tempo.

Os casos ora apresentados são emblemáticos e se repetem por todo o País.

Sr. Presidente, eu poderia continuar por horas a fio e, mesmo assim, não seria capaz de enumerar todos os casos de degradação de prédios, esculturas, pinturas, livros e monumentos encontrados no País.

Poderíamos, é verdade, lamentar a existência de problemas de infra-estrutura. A realidade, porém, é outra. À péssima infra-estrutura, somam-se os problemas com a mão-de-obra.

Os funcionários do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) são verdadeiros heróis. Os salários pagos são baixíssimos para a qualificação exigida para o cargo. Maria Isabel Câmara, responsável pelo acervo das cidades históricas mineiras, como Ouro Preto, Diamantina e Congonhas do Campo, recebe um salário bruto de R$1.560,00 apenas.

Os salários pagos aos funcionários do Iphan são baixíssimos. Isso contribui para que muitos deles, com alta qualificação técnica, deixem o instituto e busquem alternativas para garantir a própria sobrevivência. De acordo com Maria Elisa Costa, Presidente do Iphan, mais de 1.200 funcionários deixaram o instituto nos últimos dez anos.

Além disso, a instituição não tem recursos sequer para pagar gasolina para seus carros ou para reparar equipamentos, como máquinas fotográficas, que se encontrem quebrados.

Assim, é inevitável que, de acordo com o próprio Iphan, metade dos imóveis históricos tombados no Brasil se encontrem degradados, e que um quarto necessite de algum tipo de obra de recuperação.

Segundo a revista Carta Capital, para a recuperação do patrimônio histórico são necessários, aproximadamente, R$3 bilhões e, para a sua conservação, R$150 milhões a cada ano.

Os R$37 milhões ora liberados pelo Monumenta, programa mantido pelo Ministério da Cultura e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), são valores bastante modestos, que representam uma gota d´água para apagar as chamas da vergonha que consomem o patrimônio histórico brasileiro.

Preservar não é apenas conservar um objeto, um livro, um prédio ou o centro de uma cidade. Preservar significa manter uma memória que possa nos dizer quem somos, quais as nossas origens, quais os nossos projetos e, por que não, quais os nossos sonhos.

Um país que assiste, sem fazer nada, à destruição de sua própria memória é um país que não acredita e não vê valor algum em si mesmo e naquilo que realizou ao longo de sua história.

Sr. Presidente, eu acredito no Brasil e na grandeza desta Nação. Acredito que nós e nossos antepassados fizemos coisas que merecem ser lembradas e preservadas.

Tive a notícia, por exemplo, de que o Arquivo Histórico do Senado Federal não possui um serviço de restauração de documentos. Nesse sentido, creio que esta Casa pode ser o exemplo e criar uma estrutura, mesmo pequena, para preservar aqueles documentos históricos, patrimônio de nosso País, que necessitem de restauração.

Além de assegurar a continuidade de nossa memória, como observa o historiador Kenneth Maxwell, preservar não serve apenas à História, mas é um bom negócio. O turismo, se bem organizado, pode gerar emprego e renda para milhares de brasileiros. Um patrimônio histórico bem conservado é poderoso chamariz para atrair milhões de turistas ao nosso País. Neste momento em que o desemprego e a má distribuição de renda são temas que nos atormentam, o turismo se mostra como ótimo negócio: não poluente, gerador de milhares de empregos e capaz de atrair dólares sempre tão necessários para nós.

Precisamos, assim, de políticas claras de preservação do patrimônio histórico, e entre elas está o reequipamento material do Iphan, além da realização de concurso público para a contratação de funcionários.

Além disso, é preciso uma ação corajosa do Governo Federal. Estados e Municípios, em sua grande maioria, não têm meios para fazer os investimentos necessários à preservação do patrimônio histórico. O 0,2% do Orçamento da União destinado à cultura e à preservação é claramente insuficiente. O Brasil precisa de mais verbas para a área.

O quadro apresentado demanda soluções urgentes, urgentíssimas. Sei que muitos poderiam argumentar que existiriam necessidades mais prementes. No entanto, conservar o patrimônio é, de um lado, preservar o nosso passado e, de outro, por meio do turismo, garantir renda, emprego, vida digna e futuro para milhares de brasileiros.

É hora de agir. Não é possível adiar a preservação de nosso patrimônio histórico sob pena de, em breve, não haver mais o que conservar.

Cuidar de um Patrimônio da Humanidade é dever que envolve toda a sociedade e, por conseqüência, o próprio Poder Central ao qual cabe ajudar as administrações estaduais e municipais - como, aliás, tem feito modestamente em muitas oportunidades - nos investimentos para a preservação e restauração de obras de valor cultural e histórico inestimável.

Sr. Presidente, era essa a observação que desejava fazer, chamando a atenção dos brasileiros para o patrimônio que é uma riqueza nacional e que não deve ser negligenciado.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2003 - Página 13876