Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da necessidade da implantação de um modelo de assentamento na Amazônia baseado na agrofloresta.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Defesa da necessidade da implantação de um modelo de assentamento na Amazônia baseado na agrofloresta.
Aparteantes
Fátima Cleide, Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2003 - Página 14074
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, ASSENTAMENTO RURAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ESTADO DO AMAPA (AP), COMENTARIO, DIFICULDADE, SITUAÇÃO, LOCAL, DESENVOLVIMENTO, ATIVIDADE ECONOMICA, AGRICULTURA, EXTRAÇÃO, CARVÃO, COMPARAÇÃO, COMUNIDADE RURAL, ADOÇÃO, MANEJO ECOLOGICO, APROVEITAMENTO, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, MODELO, ASSENTAMENTO RURAL, CONCILIAÇÃO, AGRICULTURA, FLORESTA AMAZONICA, GARANTIA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, IMPACTO AMBIENTAL, ATIVIDADE AGRICOLA, COMENTARIO, NECESSIDADE, URGENCIA, MOBILIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), AGENCIA NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, Amazônia Legal.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, UNIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA, CONHECIMENTO, RECURSOS NATURAIS, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, APROVEITAMENTO, BIODIVERSIDADE.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, eu gostaria de seguir na linha da Senadora Iris de Araújo, falando da necessidade de profundas mudanças na educação. Também vou associar-me aos seus anseios por mudança na educação, para falar na mudança do modelo de desenvolvimento para a Amazônia - e para o País, por que não dizer? O Brasil é um País continental e, sobretudo, uma potência ambiental ainda pouco utilizada racionalmente.

Neste fim de semana, vivi uma experiência que, se me permitem as Srªs e os Srs. Senadores, vou relatar. Tive a oportunidade de visitar dois assentamentos do Incra, de um total de trinta instalados no Amapá nos últimos anos, criados à revelia das autoridades estaduais e sem critério técnico algum. Havia assentamento criado em área de encosta de montanha para agricultura familiar; outros criados em áreas completamente carentes de infra-estrutura, sem estrada ou energia. No sábado, saímos às 6 horas e 30 minutos da manhã e deslocamo-nos em direção ao Município de Mazagão, ao sul da cidade de Macapá. Para chegar a esses assentamentos, utilizamos dois ferry boats e gastamos cerca de uma hora e quarenta minutos para atravessar os veículos. O ônibus que alugamos foi pago com recursos do Senado, o que mostra que a situação do Incra é de absoluta carência, de desestruturação, de falta de um mínimo de recursos para que o Superintendente, o engenheiro Cláudio Pinho Santana, possa tocar o seu trabalho.

Nós tivemos a oportunidade de visitar a Escola Família Agrícola do Carvão - mais uma vez, volto a falar de educação. As escolas famílias utilizam o que se chama de pedagogia da alternância. Todos os alunos, filhos de pequenos agricultores, ficam durante quinze dias na escola e, nos outros quinze dias, na roça dos seus pais, para fazer a troca de conhecimento entre a experiência do pequeno produtor que vai para a escola e o conhecimento adquirido na escola que chega aos seus pais, às suas roças. Essas escolas hoje formam uma rede. Ali também foi introduzido o método socioambiental, com a preocupação em desenvolver as atividades agroflorestais com respeito à natureza.

Depois, visitamos o primeiro assentamento do Incra chamado Assentamento Agrícola do Piquiazal. Ali nos deparamos com uma situação. Reproduzirei aqui as palavras de alguns assentados que, na oportunidade, participaram daquela reunião. E quero reproduzir as palavras da Dona Maria Luíza, que interagiu com o discurso do Superintendente, quando ele explicava as responsabilidades das três esferas de governo: do Governo Federal por meio do Incra, do Governo Estadual e do Governo Municipal. Ela disse o seguinte: “Quando o senhor disse que o Prefeito ia cuidar da saúde, me deu medo”. Em seguida, explicou que o Prefeito nunca tinha visitado o acampamento, que o posto de saúde estava fechado e que não havia medicamentos. Depois, falou da ausência dos técnicos agrícolas que faziam a extensão e que sumiram do local desde outubro do ano passado, após as eleições, e não voltaram mais ao assentamento.

Ouvimos o Sr. Zolinto, que destacou as seguintes prioridades: fixar um técnico na área e recuperar estrada. E foi afirmativo em dizer que não é preciso mais derrubar nenhum hectare de floresta, porque o que já está derrubado é suficiente para que possam produzir. Também ouvimos da D. Maria de Nazaré, uma assentada, dizer que a agricultura no assentamento do Piquiazal é fraca. “A gente vive dos R$100 da bolsa e da venda de carvão”- disse ela. Na verdade, o que quis dizer é que não há produção agrícola, porque, mesmo na Amazônia, onde a precipitação é superior a 1.500mm de chuva por ano, o período da estiagem e a distribuição das chuvas são tão ruins como no Nordeste. As chuvas se concentram num período curto do ano, a estiagem se prolonga às vezes por meses, e as plantações não resistem à seca. Para que produzam ali, é necessário irrigação.

Portanto, o que podemos observar é que não há produção e que milhares de hectares de floresta heterogênea e diversificada foram destruídos e substituídos por nada. Esse modelo que reproduz a destruição ambiental e aprofunda a pobreza social na Amazônia acontece no Piquiazal e em outro assentamento que visitamos mais tarde, chamado Matão do Piaçacá, onde também a produção é reduzida, a destruição da floresta é acentuada e há muita pobreza.

Conheci esse modelo do Amapá no Acre, que praticamente o reproduz e deixa de considerar um fator que me parece decisivo, importante na utilização dos recursos naturais da região. Essas pessoas, como disse a D. Maria de Nazaré, vivem em função dos R$100 da bolsa e da venda de carvão. Ora, isso ocorre porque o modelo é fundamentado na monocultura, é uma reprodução de modelos praticados em outras regiões do País, ainda herança dos nossos colonizadores portugueses. A floresta, com toda a sua riqueza, simplesmente é destruída pela falta de conhecimento. O problema maior é a falta de conhecimento de como aproveitar corretamente essa grande diversidade de espécies da natureza. No entanto, já somos detentores de algumas tecnologias importantes, como por exemplo, no manejo florestal. E aí, no mesmo trajeto - essa é uma experiência fantástica -, nós encontramos uma comunidade ribeirinha, às margens do rio Vila Nova. Vive lá o Sr. Manoel Pedro, que está prosperando, porque está colhendo. Depois que passou a ter eletricidade no seu sítio, ele colhe da natureza o açaí, o taperebá, cria peixe. Essa comunidade ribeirinha, além dessas atividades, também tem um estaleiro de construção naval com inúmeras pequenas embarcações em construção. Salta aos olhos, com clareza, a prosperidade dessa comunidade e a pobreza do assentamento do Piquiazal, que tenta reproduzir um modelo que, infelizmente, só causa danos ambientais e pobreza social. De outro lado, uma comunidade ribeirinha, com as práticas e tradições econômicas da Amazônia, reflete a prosperidade.

De trinta assentamentos implantados pelo Incra, três o foram em parceria com o Governo do Estado e um com uma Prefeitura. De seis mil famílias assentadas, apenas a metade reside no assentamento. As outras três mil famílias vivem na periferia urbana das cidades de Macapá e de Santana, numa demonstração clara de que não há sustentabilidade econômica, social ou ambiental em um modelo como esse.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Senador Papaléo Paes, concedo-lhe a palavra.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Senador João Capiberibe, cumprimento V. Exª pelo tema que nos traz nesta Casa hoje para testemunhar sobre as suas declarações. Aproveito a oportunidade também para chamar a atenção sobre o trabalho do Incra, cujas conseqüências nos mostram que, até hoje, ele é infrutífero. O Incra já foi até utilizado como um meio de se captar muitos votos. Em relação à eleição de 1998, por exemplo, tivemos um processo de assentamento em 1997, em que se dava o incentivo financeiro para o assentado no valor de R$1.800,00 - se não me engano. Corriam notícias de que pessoas que moravam no centro urbano de Macapá estavam recebendo esse valor para retribuir com votos. Acredito que pelo menos um terço desses seis mil assentados que estão nos centros urbanos nem chegou a ir aos assentamentos, exatamente porque havia esse tipo de negociata pré-eleitoral, que fez com que até o Deputado que indicou o Superintendente do Incra, na época, fosse eleito. Senador João Capiberibe, registro a nossa confiança no atual Superintendente, Dr. Cláudio Pinho Santana, que foi meu Vice-Prefeito no período em que exerci a Chefia do Executivo de Macapá. Ele é técnico muito gabaritado, de bom senso, de boa qualidade, a quem desejo sucesso em todas essas dificuldades e faça com que o Incra, exatamente, cumpra com a sua finalidade. Meu registro é esse e quero parabenizar mais uma vez V. Exª.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Papaléo Paes. Gostaria de acrescentar que, nesse meu roteiro, senti odores fortes de corrupção: obras paralisadas, os próprios assentados falando em desvio de recursos, mas isso o Ministério Público está tomando as devidas providências para que tudo venha ser esclarecido.

Volto à necessidade de implantarmos um modelo fundamentado, sobretudo, na agrofloresta. Não podemos converter toda a floresta em agricultura, temos que ter uma combinação e, nesse sentido, a pergunta que eu fazia aos assentados era sobre o que produzir, porque um modelo fundamentado na monocultura, seja das espécies ou da produção tradicional, numa região como a Amazônia, mesmo com pesados insumos agrícolas, com equipamentos, produz resultados econômicos pífios.

A idéia é de exatamente colocarmos em prática, com uma certa urgência, o projeto para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, proposto em Rio Branco pelo Presidente Lula, com assinatura de todos os Governadores e Lideranças da região. Para isso, é necessário mobilizar com certa urgência a Embrapa, para desenvolver pesquisas, o Banco da Amazônia (Basa), a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), enfim todas as instituições públicas estaduais e federais, no sentido de implantarmos esse programa, que tem que se fundamentar naquilo que estamos aptos a produzir. A Amazônia tem uma grande diversidade de produtos nobres, que agora estão entrando no mercado, então por que insistir em adaptar algumas plantas que se dão muito bem em outras regiões mas que na Amazônia sofrem uma concorrência brutal das mais variadas espécies? Com o que temos é possível produzir com sustentabilidade econômica, ambiental e social, é o açaí, que está entrando no mercado - e é um mercado que ainda vai crescer por muito tempo -, o cupuaçu, a graviola, o guaraná, o murici, enfim uma diversidade de frutos adaptados à região. Temos algumas experiências já concretas nessa área, e uma delas vem lá de Rondônia. Trata-se do Projeto RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado).

Eu queria passar a palavra à Senadora Fátima Cleide.

A Srª Fátima Cleide (Bloco/PT - RO) - Senador João Capiberibe, estou ouvindo-o atentamente, até porque, como V. Exª, sou apaixonada pela Amazônia. É interessante esse seu relato, porque comprova que as coisas estão mudando neste País, e o primeiro sinal de mudança importante são essas visitas nos locais, na base, “enfiando o pé na lama”, como falamos no Norte, dos técnicos, dos gerentes das políticas públicas federais hoje. No Estado de Rondônia, já estiveram o Presidente do Incra, o Presidente do Ibama e o futuro Embaixador do Brasil na Bolívia. Tais visitas fortalecem cada vez mais nossa confiança no Governo, porque, a partir delas, trocamos experiências e podemos mostrar para a senhora que interpelou o Superintendente do Incra no Amapá que a situação realmente está mudando e há disposição para o diálogo e para a promoção de política pública participativa. V. Exª falou sobre a experiência das escolas família-agrícola, que trabalham de acordo com a pedagogia da alternância. Trata-se de uma organização social que sobrevive a duras penas praticamente sem apoio oficial. Tenho certeza de que o Governo Lula tratará a pedagogia da alternância de forma diferente. Antes de me conceder o aparte, V. Exª citou o Projeto RECA. Eu o considerava uma das experiências positivas da Amazônia, constituída a partir da própria organização social, contando apenas com o apoio da Igreja. Lembro-me de que, na época em que Moacir Grecchi foi Bispo da Diocese de Rio Branco, atualmente na Diocese de Porto Velho, havia projetos como a APA - Associação dos Produtores Alternativos, na região de Ouro Preto do Oeste, em Rondônia, que buscavam constituir um modelo alternativo para a Amazônia, explorando produtos que só nós temos para colocar nos mercados nacional e internacional. Acrescentaria outros aos que V. Exª citou, além do açaí, do cupuaçu e da graviola. Se não andarmos rapidamente, daqui a pouco, esses produtos deixarão de ser nossos, como deixou de ser a borracha. O que poderia ocorrer, também, com a nossa piscicultura. É preciso analisar, com muito carinho, a variedade de peixes que há na água doce e mesmo nas nossas baías na Amazônia. Parabéns, mais uma vez, pelo brilhante discurso que V. Exª faz na tribuna.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado. Acrescento o manejo florestal que nos permite o uso permanente da floresta. Já existe essa tecnologia. Há uma escola agroextrativista em um assentamento agroextrativo, em que começam a associar a agricultura à floresta. Eles desenvolveram, há algum tempo, um primeiro projeto de manejo florestal, ou seja, inventariaram a floresta, porque as pessoas que vivem naquele local sabem muito sobre esse assunto. Portanto, fizeram um inventário e identificaram todas as espécies que podem ser utilizadas comercialmente.

No entanto, há uma grande divergência em relação ao processo de industrialização que precisa ser discutido. Este processo, ou seja, o adensamento da cadeia produtiva por espécie da Amazônia, não precisa ser trasladado para a cidade, pois pode ser feito lá mesmo. Existe uma diferença muito grande entre esse assentamento do Pequiazal e um assentamento fundamentado nas teses da monocultura e nos projetos.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador João Capiberibe, lamento informar V. Exª de que o seu tempo está esgotado. Porém, a Presidência conceder-lhe-á mais dois minutos para concluir o seu brilhante tratado.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - A diferença entre as duas comunidades é muito clara. Uma prospera, porque fundamenta sua exploração econômica no respeito à cultura local, ou seja, no uso sustentável, renovável e manejado dos açaizais, na utilização local, no adensamento da cadeia produtiva das espécies madeireiras, como o pequiá que eles usam para fazer as embarcações no plano local. E isso gera desenvolvimento naquela localidade, numa contradição muito grande com o assentamento do Incra onde se vive da Bolsa-Escola e da fabricação de carvão.

Até mesmo esse carvão pode sofrer um adensamento na cadeia produtiva daquela comunidade. Em vez de o carvão ser produzido e vendido a granel para o atravessador, o Incra pode apoiar - e esta é uma atividade que o Incra vai apoiar - para que o carvão já saia de lá pesado, envasado, direto para a prateleira do supermercado, trazendo para aquela comunidade um valor agregado que irá melhorar a vida de todos.

Finalmente, temos de desenvolver esse novo modelo que pretende o Presidente Lula e a maioria dos amazônidas. Porque o compromisso com o desenvolvimento sustentável, com a cultura e com a história da Amazônia é majoritário na região: deixamos de ser reprodutores dos pacotes ou desejosos de reproduzir pacotes tecnológicos para construir o nosso próprio conhecimento. Para isso é necessário, fundamental, investirmos nas universidades da Amazônia, para construirmos o conhecimento necessário para o desenvolvimento sustentável.

A nossa expectativa em torno da universidade é que ela tenha objetivos claros no sentido de desenvolvermos o conhecimento para sabermos como produzir melhor o açaí, quais os meios tecnológicos que poderemos usar para preservar as polpas, para que possam se aperfeiçoar os pescadores artesanais. Para isso, é preciso tecnologia; para construí-la, precisamos de conhecimentos; e para se ter conhecimento, precisamos de universidades e de recursos para a sua manutenção.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2003 - Página 14074