Discurso durante a 68ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Aplaude campanha em defesa das áreas sócio-ambientais para índios.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Aplaude campanha em defesa das áreas sócio-ambientais para índios.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2003 - Página 14092
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, INICIO, SEMANA, MEIO AMBIENTE, CONGRATULAÇÕES, CAMPANHA, COMUNIDADE INDIGENA, CONSELHO INDIGENISTA, DEFESA, CRIAÇÃO, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, RESERVA INDIGENA.
  • ESCLARECIMENTOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, MOZARILDO CAVALCANTI, SENADOR, OBJETIVO, FIXAÇÃO, PERCENTAGEM, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, ESTADOS, INCLUSÃO, SENADO, RESPONSABILIDADE, MATERIA.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, GRUPO PARLAMENTAR, DEFESA, INDIO, EXPECTATIVA, COLABORAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • ANALISE, PERIODO, EXPLORAÇÃO, AMERICA, POPULAÇÃO, EUROPA, EFEITO, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, MORTE, VIOLENCIA, INDIO, CRITICA, MODELO ECONOMICO, CAPITALISMO, EXCESSO, PADRÃO, CONSUMO, PRODUÇÃO, DEFESA, CONSCIENTIZAÇÃO, PROTEÇÃO, RECURSOS NATURAIS, PLANETA TERRA, GARANTIA, COMUNIDADE INDIGENA.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, com certeza, utilizarei somente o tempo previsto.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna nesta sessão de segunda-feira, que marca o início da Semana do Meio Ambiente, para saudar especialmente a campanha que se incrementa a partir de hoje, por iniciativa e coordenação de entidades indígenas e indigenistas, em defesa das áreas socioambientais particularmente protegidas pela legislação brasileira.

E o faço deste plenário porque esta campanha dirige-se a esta Casa - e exatamente no período dedicado às reflexões sobre o ambiente em que vivemos.

Como membro da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, cumpro o feliz dever de repercutir, neste Plenário, campanha que o movimento social dirige a nós, Senadores e Senadoras, deflagrada em virtude da iminente votação da Proposta de Emenda à Constituição nº 38, de autoria do Senador Mozarildo Cavalcanti, prevista para a sessão do Senado do próximo dia 11.

A proposta do nobre Senador roraimense visa alterar a nossa Constituição no sentido de limitar a soma das terras indígenas e unidades de conservação ambiental a não mais que 50% do território de cada Estado brasileiro. Além disso, propõe que os processos de demarcação de terras indígenas sejam examinados também pelo Senado.

Essa proposição tem intensificado o debate sobre a função e a importância dos territórios reservados a trato especial com os recursos naturais, aí incluídos os recursos da natureza humana.

Hoje, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o Instituto Indígena Brasileiro Warã estarão reunindo indigenistas e representantes indígenas em trânsito por Brasília, para aprofundarem a discussão sobre a PEC nº 38 e seus efeitos sobre os recursos naturais protegidos pela legislação brasileira e o destino das populações que os compartilham mais diretamente.

Amanhã, a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas visita a FUNAI, buscando conhecer melhor as reais condições daquele órgão indigenista para desempenhar a grande responsabilidade que lhe está atribuída, e para pautar parceria solidária entre a Frente Parlamentar e a Fundação Nacional do Índio. A campanha que debate a PEC nº 38 é um dos temas previstos para esse encontro.

Assim, gostaria de deixar aqui nossa contribuição ao debate que certamente animará as atividades parlamentares desta semana.

Durante milênios, a alta concentração de recursos naturais e diversidade biológica que acolheu o Brasil, conviveu com mais de mil diferentes culturas humanas, organizadas em diferentes sistemas compatíveis com a sustentabilidade dos recursos à sua disposição e com sua própria afirmação, reprodução e desenvolvimento.

O estado de abundância, que acompanhou as eras de experiência humana nesta parte do planeta, evidencia que, embora de diferentes formas, aqueles povos se organizaram sob o valor primordial da vida, ou não a teriam preservado em tal plenitude e diversidade até então.

Há apenas 500 anos, no entanto, sociedades estrangeiras, organizadas sob o valor artificial do capital, se estabeleceram sobre as sociedades originais desses territórios e iniciaram um novo ciclo de exploração de seus recursos. Usaram para isso um modelo de desenvolvimento que tem reproduzido, até hoje, extermínio, poluição e escassez por quase toda a superfície da Terra.

Neste ciclo, a maior parte da humanidade parece viver sob uma espécie de delinqüência global, que impõe sua mal-formada compreensão de desenvolvimento a tudo que está criado, consagrando ao humano capital o poder sobrenatural de desfazer o mundo.

Mas, apesar de tudo, ainda existem nichos de abundância de recursos naturais vitais sobre a face da Terra - embora como manchas menores no grande mapa da crescente escassez.

E, não por acaso, concentram-se os recursos naturais vitais onde remanescem culturas originais dos milênios de abundância que a experiência humana conheceu neste Continente.

Não por força de momentosa conjuntura internacional. Mas pela densidade de resistência dos muitos povos que, por milhares de anos, habitaram estes territórios, no estado de abundância que os mercadores estrangeiros encontraram aqui, em 1.500.

Os chamados povos indígenas guardam essa experiência em práticas e saberes imemoriais - que nossa recém criada modernidade se julga capaz de superar e legitimada a destruir.

Antes de o Brasil se constituir, a população original das Américas superava em muito a européia. Eram milhões os habitantes deste Continente, centenas de nações, com diferentes línguas, compreensão de mundo, crenças, saberes e planos de futuro.

Hoje, contam-se cerca de 400 mil índios aldeados, 230 etnias, ocupando 12% do território brasileiro - resultado de 500 anos de bárbaro e contínuo extermínio.

No entanto, quando esta Casa discute propostas de limitação aos territórios de proteção ambiental, especialmente quanto às reservas indígenas, o argumento recorrente é uma espécie de meio sofista:

“É muita terra para pouco índio”.

Por outro lado, o que realmente importa é que os índios não são apenas a ilusória e precária referência de passado em nossos livros escolares. São poucos, é verdade. Mas estão vivos. E existem hoje, agora, entre nós e apesar de nós, porque guardam a densidade de resistência acumulada nos séculos e milênios que atravessaram.

            Pode-se exterminá-los, ainda e já, sumariamente. Nossa fantástica tecnologia instalada tem reais condições de fazê-lo - assim como todas as demais possibilidades de vida neste planeta.

Mas isso não muda o fato de que, agora, toda a riqueza preservada nos territórios indígenas não será suficiente para superar a escassez que cobre o mundo, acometido por insustentáveis padrões de produção e consumo.

Antes haverá de se transformar a ânsia capitalista em capacidade de aprender com os povos indígenas as outras muitas formas de viver, saber e buscar a felicidade.

Em recente pronunciamento à Comissão de Educação desta Casa, o Ministro Gilberto Gil encontrou unânime apoio dos meus Pares quando afirmava que o “ouro é importante e útil, mas é preciso colocá-lo na sua verdadeira condição, que é apenas a de um meio”. “O ouro não pode transformar-se num fim em si mesmo”, lembrava o Ministro da Cultura à platéia emocionada. “Quando isso acontece”, dizia, “impérios decaem, nações se perdem, povos escravizam e são escravizados.”

A história de nossos 500 anos está cheia de exemplos dessa constatação.

O Ministro Gilberto Gil nos lembrava que, “ao lado do espetáculo econômico, é preciso debater que país, que nação, que povo queremos ser”. “Novos ricos arrogantes e deslumbrados” com a última proeza tecnológica? “Guerreiros poderosos” contra “os povos que julgamos incapazes de explorar suas próprias riquezas”? “Usurpadores do patrimônio natural da humanidade”?

De certo que não é esta a aspiração da nossa jovem nação miscigenada. Quando o Brasil desenha com todo zelo o primoroso momento de sua história, que se inaugura sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, é preciso atenção e generosidade para discernir nossas reais potencialidades de desenvolvimento e que tipo de desenvolvimento queremos.

E, nesse sentido, os índios não podem valer apenas à purgação da culpa histórica pelos 500 anos de extermínio, usurpação e violações brutais. Há muito mais possibilidades entre índios e não-índios do que pode suportar nossa vã penitência.

A julgar pelos resultados socioambientais globais, as populações tradicionais das áreas de abundância natural que ainda resistem no Planeta são a última fronteira entre nós e a completa desconstituição de nossa existência no mundo.

Assim, é fundamental para a sobrevivência de todos nós proteger o que resta de diversidade e abundância nestas terras, aprimorando a relação da sociedade brasileira com os povos que constituem a raiz mais profunda da identidade nacional.

Por isso, louvo a campanha que, a partir desta semana, mais que amplia e aprofunda o debate destas questões, estimula a sociedade brasileira à ação afirmativa do feliz encontro consigo mesma e da criativa definição de seu destino.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2003 - Página 14092