Pronunciamento de Antonio Carlos Valadares em 04/06/2003
Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Necessidade de aprendermos a gerir, com responsabilidade, nossos recursos hídricos. (Como Líder)
- Autor
- Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
- Nome completo: Antonio Carlos Valadares
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
- Necessidade de aprendermos a gerir, com responsabilidade, nossos recursos hídricos. (Como Líder)
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/06/2003 - Página 14324
- Assunto
- Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
- Indexação
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- COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, PLANETA TERRA, COMPROMETIMENTO, ABASTECIMENTO DE AGUA, POPULAÇÃO, RESULTADO, POLUIÇÃO, RIO, FALTA, ESTUDO PREVIO, REDUÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL, ANTERIORIDADE, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, USINA HIDROELETRICA.
- NECESSIDADE, EMPENHO, GOVERNO, EDUCAÇÃO, POPULAÇÃO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, CONSCIENTIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, AGUA, TENTATIVA, CONSERVAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS.
- LEITURA, TRECHO, LIVRO, EXPOSIÇÃO, FRUSTRAÇÃO, PRODUTOR RURAL, INSUFICIENCIA, AGUA, PRODUÇÃO AGRICOLA.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Como Líder.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, retorno à tribuna do Senado Federal para, novamente, tratar do tema água, objeto também dos discursos pronunciados no início desta sessão, em homenagem ao Dia do Meio Ambiente.
A importância das águas para a vida humana e o equilíbrio fundamental dos ecossistemas, por um lado, e a escassez quantitativa e qualitativa dos recursos hídricos próprios para consumo, por outro, já foram objeto de incontáveis pronunciamentos nesta Casa.
No Brasil, que dispõe da maior quantidade de água doce do Planeta, essa abundância dos recursos hídricos não afasta o problema de sua distribuição desproporcional no território, tampouco da contaminação, má gestão e falta de planejamento. O Poder Público já reconhece que a melhoria das condições de saneamento e saúde da população e a disponibilidade e uso racional dos recursos hídricos são fatores essenciais ao desenvolvimento socioeconômico do País e de seus habitantes, tanto que ressaltou que a água é um bem público (que pode ser de propriedade dos Estados ou da União, segundo a Constituição Federal - arts. 20, III, VI e VIII, e 26, I, da CF/88), limitado e dotado de valor econômico.
É bom lembrar que 20% do escoamento global da água doce origina-se exclusivamente na Bacia Amazônica e, por outro lado, algumas áreas da América do Sul se constituem nas áreas mais secas da Terra. É o caso, por exemplo, de Arica, no Chile, cujo índice pluviométrico está em torno de zero, mantendo-se no século XX por 40 anos consecutivos com esse mesmo índice.
Assim, o sistema moderno de produção industrial de massas, identificado por valores de consumismo e individualismo exacerbados, impostos pela lógica de mercado, deu causa a problemas ambientais de proporções jamais vistas na história da humanidade: a possibilidade de extinção da vida na terra. A consciência ecológica surge como força coercitiva externa ao sistema e capaz de nele impor correções em favor dos anseios e necessidades da coletividade, por meio de movimentos de pressão política. Temos que adquirir consciência ecológica por meio de vivência e de sofrimento. É isso, Sr. Presidente, que a comemoração da Semana do Meio Ambiente busca trazer: a consciência ecológica.
A degradação do meio ambiente é, principalmente, uma obra do homem, muitas vezes levado pela necessidade de empreendimentos estruturantes, visando ao desenvolvimento. É o caso das hidrelétricas e represas que são construídas em todos os países para atender aos reclamos de energia elétrica e de irrigação. No século XX, pelo menos 800 mil pequenas represas e 40 mil grandes represas foram construídas em todo o mundo. Dessas, a grande maioria foi construída a partir de 1950 e os maiores números são encontrados na China, depois nos Estados Unidos, na antiga União Soviética, Japão e Índia. Em face dessas obras monumentais, principalmente para o suprimento de energia elétrica, mais de 60% dos rios do mundo foram desviados ou sofreram alguma alteração na sua vazão. Essa obras de infra-estrutura, muito embora importantes, modificaram o ecossistema, fazendo com que a pesca praticamente desaparecesse, tornando a navegação impraticável, como em grande parte do rio São Francisco, que tinha uma extensão navegável de aproximadamente 1.000 quilômetros e que hoje está reduzida a pouco mais de 100 quilômetros, e em muitos lugares -, em face da engenharia do homem, a navegação se tornou impraticável, notadamente entre os Estados de Bahia, Sergipe e Alagoas.
Segundo Maude Barrlow e Tony Clarke, no livro intitulado Ouro Azul:
Desde que o símbolo do domínio humano existe sobre a natureza, as grandes represas foram desacreditadas, à medida em que a evidência de seus impactos ecológicos maciços surgem constantemente.
Já Patrick Mcully diz em seu livro Rios Silenciados:
O problema com os reservatórios é que, para construí-los, é necessário inundá-los e submergir a vegetação do solo, criar o habitat necessário que absorve qualquer mercúrio que está no solo, o reservatório converte esse mercúrio de forma que os peixes podem ingeri-los e ele entra na cadeia alimentar. Todos sabem os efeitos letais do mercúrio consumido pelos seres humanos.
Os peixes são afetados de forma violenta, particularmente as espécies migratórias, como o salmão. Os fluxos de rios, reduzidos, que escoam de uma represa, matam o habitat dos peixes assim como aquecem a água, privando-a de oxigênio. Exemplo dessa matança generalizada de peixes foi o represamento do rio Columbia, nos Estados Unidos, quando mais de um milhão de peixes nunca mais retornaram, anualmente, ao leito do rio para procriar. No Estado de Sergipe, devido às grandes represas construídas -- que, de fato, contribuíram decisivamente para o processo de desenvolvimento não apenas de Sergipe como também da Região Nordeste -, como a represa de Xingó, os peixes praticamente desapareceram, provocando a mortalidade, a falta de procriação e o desemprego em massa dos pescadores. É um preço realmente desumano que estamos pagando para a conquista do desenvolvimento.
A gestão sustentável dos recursos hídricos, até hoje excessiva e irracionalmente explorados, poluídos e desperdiçados, depende, de início, do próprio reconhecimento social de sua importância. A valorização destes recursos deverá ser o escopo final de quaisquer campanhas educacionais de informação e de conscientização dirigidas aos consumidores (sociedade civil) ou ao setor produtivo (usuários).
Por fim, é preciso que toda a sociedade, especialmente os usuários de recursos hídricos, conheça e compreenda as possíveis conseqüências de seus atos. Nesse sentido, a educação ambiental deverá abranger a legislação que dispõe sobre crimes e infrações administrativas contra o ambiente aquático ou os seres que nele habitam.
A educação ambiental vem fortalecer essa dinâmica, mas, para isso, deve enfrentar a problemática ambiental em suas origens, debruçando-se sobre as causas socioeconômicas de seu desequilíbrio, os variados efeitos das atividades produtivas sobre o meio natural e, por fim, os riscos e custos sociais e financeiros implícitos nessas correções. Sua abordagem do meio ambiente deve envolver todos os espaços onde a vida se desenvolve e os seres vivos interagem. Sua prática deve se dar à luz da ética ambiental, que reintegra o homem à natureza e resgata valores de amor ao próximo, compreendendo que todos os seres e ecossistemas estão de alguma forma conectados entre si, em dinâmicas interdependentes a exigir um convívio harmônico sobre o Planeta; este por si também se constitui em um grande organismo vivo, do qual todos dependemos e fazemos parte.
Para nós brasileiros, que estamos distantes daqueles desertos africanos, australianos, asiáticos ou do Oriente Médio, restam-nos lições que devemos aprender e problemas a refletir, apesar de possuidores de 20% da água doce do mundo. É preciso muito cuidado na sua utilização, sobretudo na Amazônia, sob pena de pormos em risco o maior ecossistema florestal do mundo, com sérias conseqüências para o clima terrestre. Entendemos que o nosso problema de água parece ser uma questão de disciplinamento e de uso racional, como também a não utilização até agora de fontes intocadas e que representam enorme potencial disponível no momento em que se discute os desvios das águas do rio Tocantins para o rio São Francisco, fato que ensejaria o aumento da vazão do Velho Chico e a possibilidade de, com a sua revitalização, promover projetos de desenvolvimento sustentável e, com isso, gerando emprego e renda na região mais pobre do País.
Samuel Murgel Branco, prefaciando o livro Água, de Marq de Villiers, analisando a visão otimista do autor, afirma que:
as guerras pelos mananciais de petróleo terminarão não porque a água passará a ter prioridade como riqueza e elemento de subsistência, mas porque o petróleo perderá toda a sua virtude em face da impossibilidade a se continuar a usar combustíveis não renováveis, causadores do aquecimento global. Busca constante por novas fontes de energia conduzirá certamente à utilização de disponibilidades infinitas na forma de energia solar e da energia obtida da fusão do hidrogênio. E ele afirma, ainda, que dispondo de uma fonte finita de energia dispor-se-á de uma fonte infinita de água; fontes termoelétricas movidas à energia nuclear limpa usarão vapor de água para as suas turbinas, obtidas a partir do aquecimento da água do mar e dos rios poluídos; e o condensando final desse vapor representará água gratuita e abundante para qualquer região do globo terrestre.
Se quisermos um meio ambiente saudável, preservemos então os nossos mananciais, evitando, tanto quanto possível, as obras faraônicas que possam influir na destruição do nosso ecossistema. Se a água desaparece pela poluição, degradação ou uso inadequado, o seu ocaso poderia gerar o lamento de um pequeno produtor rural como o divulgado no livro Água, que passo a ler para os Srs. Senadores. Em face da falta d’água na sua região, vejam o que ele escreveu:
A colheita falhou novamente, o vento e o sol
Secaram primeiro o restolho, depois uma a uma as faixas alqueivadas, secas com o calor,
Trituraram, como velhas folhas caídas, nosso lindo trigo.
O jardim é um triste e definhado ermo, e até o ar é arenoso ao meu paladar...”
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.