Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Abordagem sobre o sistema de governo visando à reforma política brasileira.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Abordagem sobre o sistema de governo visando à reforma política brasileira.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2003 - Página 14624
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, CARACTERISTICA, PRESIDENCIALISMO, PARLAMENTARISMO, REGISTRO, OCORRENCIA, PLEBISCITO, BRASIL, ESCOLHA, SISTEMA DE GOVERNO.
  • REGISTRO, ESCOLHA, POPULAÇÃO, BRASIL, PRESIDENCIALISMO, COMENTARIO, FORMA, DISTRIBUIÇÃO, PODER, PREVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AUMENTO, NUMERO, AGENTE, PARTICIPAÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, ESPECIFICAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SINDICATO, PARTIDO POLITICO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, AGILIZAÇÃO, REFORMA POLITICA, BRASIL, FACILITAÇÃO, EFETIVAÇÃO, PROPOSTA, MELHORIA, GARANTIA, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, IMPEDIMENTO, IMPUNIDADE, TENTATIVA, SOLUÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, PAIS.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, volto a ocupar a atenção do Senado com o tema da reforma política, abordando, desta vez, os sistemas de governo. Tradicionalmente, no Brasil, essa discussão restringe-se às preferências dos que defendem o presidencialismo adotado pela Constituição de 1891 e os que pleiteiam o parlamentarismo, que teria sido prática no Império, entre 1824 e 1889, e na efêmera experiência entre 1961 e 1963, como solução da crise institucional decorrente da renúncia de Jânio Quadros. Os críticos do presidencialismo censuram a concentração de poderes no Executivo e os presidencialistas, entre os quais me incluo, denunciam a instabilidade dos gabinetes e a dualidade de poderes decorrente da divisão entre chefia de Estado e do governo dos sistemas parlamentares.

A doutrina constitucional brasileira é rica nesse debate, acentuado a partir da Constituinte de 1891, a que me referi, mas presente também durante todo o Império, com a discussão sobre a natureza e os limites do Poder Moderador, título por sinal da obra de Zacarias de Goes e Vasconcelos. Esse, porém, é, a meu ver, um debate superado, porque, como já procurei demonstrar desta tribuna, a opção por qualquer das duas alternativas não pode ser dissociada das variáveis que o condicionam, o sistema eleitoral e o sistema partidário. Mesmo atendo-nos às conveniências de um, em favor ou em detrimento das vantagens do outro sistema, é preciso termos presente sempre a que presidencialismo e a que parlamentarismo estamos nos referindo sempre que aludimos a sistemas de governo.

Teoricamente, o sistema parlamentar de governo é definido como o da delegação de poderes, em contraste com o regime da separação, característico do presidencialismo. Quando confrontamos a origem histórica, a prática política e a conceituação jurídica que justificaram o surgimento e a existência de ambos os sistemas, não podemos esquecer que, tanto a separação, quanto a delegação de poderes, nada mais são que recursos para materializar a especialização das funções de governo e um instrumento para propiciar a sua divisão. Por outro lado, é preciso lembrar que as duas alternativas são soluções decorrentes das etapas da luta contra o absolutismo, obra da revolução burguesa, caminho que viabilizou a passagem da sociedade de classes e dessa para as sociedades de massa de nossos dias.

A equação, aparentemente bem resolvida, segundo a qual o Legislativo legisla, o Executivo governa e administra e o Judiciário julga, foi uma solução, ao mesmo tempo, criativa, que dividiu as funções de Estado das funções de governo, e um modelo que tanto serve às diferentes formas de governos, como às duas formas de Estado, unitário de um lado, federativo do outro. As muitas modalidades de parlamentarismo hoje praticadas em várias partes do mundo têm passado por um processo de simbiose, que também ocorre com o presidencialismo clássico do modelo americano. Em pelo menos cinco países europeus: França, Portugal, Áustria, Irlanda e Finlândia o sistema parlamentar convive com a eleição direta do presidente da república, como nos regimes presidenciais, circunstância que permite classificá-los como parlamentarismo mitigados ou semi-presidencialismos. Essa experiência começou no século passado, no final da década de 50, por inspiração do então Presidente da França, Charles De Gaulle. Na nova Constituição da quinta República, Sr. Presidente, arquitetou-se esse modelo que permite que se eleja, pelo voto direto, o Presidente da República, portanto o Chefe de Estado, e se escolha o Chefe de Governo através do partido que, eventualmente, seja majoritário ou da coligação de partidos que, eventualmente, constituam a maioria na Assembléia Nacional. Isso gerou um fenômeno denominado de co-habitação. Por quê? Porque, muitas vezes, se enseja fazer com que, como já ocorreu em várias oportunidades, o Presidente da República seja de um partido ou de uma coligação de força distinta da coligação de forças que constitui a maioria parlamentar. 

Mas, com isso, eu quero dizer que o parlamentarismo tem sofrido, ao longo do tempo, mudanças e, de alguma forma, o mesmo acontece com o sistema presidencialista. E o melhor ou, certamente, o mais próximo exemplo - se assim podemos dizer - é o modelo brasileiro. Se nós olharmos a Carta de 1988, nós iremos verificar que, hoje, praticamos um presidencialismo distinto do presidencialismo que foi exercitado, por exemplo, na primeira Constituição republicana, que era o chamado presidencialismo imperial por alguns, porque concentrava excessivamente poderes na mão do Executivo, na mão do Presidente da República.

Daí porque sempre defendi, continuo defendendo, e de alguma forma está consolidado na Carta de 1988, um presidencialismo que fosse eqüipotente, isto é, que distribuísse as funções de Estado e de Governo de forma não-concentradora, ou seja, que os diferentes ramos do poder fossem, todos três, de igual forma potentes e harmônicos. Por isso cunhei uma expressão, talvez ainda não devidamente registrada no dicionário: eqüipotente.

Se olharmos a Constituição brasileira de 1988, hoje, vamos verificar que, de fato, há uma boa distribuição de poderes entre os três ramos que integram o nosso presidencialismo: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Ninguém desconhece que o Executivo continua habilitado a administrar e a governar o País, mas, de outra parte, o Legislativo cresceu em capacidade de legislar, no seu poder de fiscalizar e como fórum de debates das grandes questões nacionais. Por outro lado, temos um Judiciário que não somente é autônomo, muito mais do que isso, é independente e que dispõe de atribuições que ensejam meios que possam assegurar a todos a prestação jurisdicional por parte do Estado, além de examinar a constitucionalidade das leis e dirimir os conflitos entre os Poderes.

São exemplos que servem para mostrar que circunstâncias locais, peculiaridades regionais ou imposições de natureza política transformaram o velho princípio da separação de poderes em modalidades que mais adequadamente poderíamos chamar de mera especialização de funções. O caso brasileiro é típico. Depois da atual Constituição, até o ano de 2001, nada menos do que 77,21% das nossas leis foram de iniciativa do Executivo e apenas 17,81% delas foram de autoria de parlamentares ou de comissões do Congresso. Por outro lado, segundo dados colhidos pelos professores Luís Werneck Viana e Marcelo Burgos, republicados no ensaio Revolução Processual do Direito e da Democracia Progressiva, 34,2% das ações populares constantes do banco de dados da IUPERJ, levantados por amostragem, foram ajuizadas por parlamentares visando o controle da administração pública.

São evidências de que o Parlamento, além de não mais reter o monopólio das iniciativas da lei, atua para o controle da administração pública, não só por intermédio dos institutos jurídicos privativos do Legislativo, como também se vale do Judiciário, como no caso das ações civis públicas e das ações diretas de inconstitucionalidade.

Os partidos políticos, ao lado do Estado, do governo e dos grupos de pressão, não são mais os únicos atores dos sistemas políticos contemporâneos. Sindicatos, organizações sociais das mais variadas, o chamado terceiro setor, ao lado das grandes corporações econômicas, de organismos regionais e internacionais que atuam em quase todos os países, de entidades de representação profissional e corporativa e a mídia tornaram-se protagonistas fundamentais do processo decisório da política. Em inúmeros países, que admitem e estimulam a participação direta dos cidadãos na vida pública, por meio de referendo, plebiscito e de iniciativas populares, a democracia representativa convive, cada vez com mais freqüência, com práticas de democracia direta.

Foi a análise dessas profundas transformações que levou o professor Robert Dahl, em sua obra clássica, a criar o termo “poliarquia” para definir a multiplicidade de centros de poder nas sociedades de massa contemporânea. Como já vivemos a transição da sociedade de classes, que era o Brasil da década de 50 e 60, para a sociedade de massas que somos hoje, em face de termos triplicado, nos últimos cinqüenta anos, a nossa expressão demográfica, nem sempre nos demos conta da amplitude da importância das mudanças.

Num texto escrito entre 1814 e 1820, Benjamin Constant - e aí me refiro ao Benjamin Constant de Rebecque, francês-suíço, e não o Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um positivista e um dos patronos da nossa República - , autor de uma obra sobre o Poder Moderador, contrapunha à genial formulação de Montesquieu uma nova questão. O problema, escreveu ele, não é a divisão dos Poderes, mas a quantidade de poder que se deve dividir entre eles. Hoje as prerrogativas de governo não podem ser mais divididas apenas entre os Poderes do Estado, mas têm, para que a democracia sobreviva à poliarquia, que ser partilhadas entre eles e a sociedade.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço V. Exª com muita atenção, nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Na verdade, Senador Marco Maciel, meu aparte é mais para dizer da minha satisfação em assistir a uma verdadeira aula que V. Exª, como expert no assunto, oferece-nos com esse seu pronunciamento. Estou a seu lado no que tange a ser presidencialista. Acredito, inclusive, que qualquer tipo de iniciativa para mudar esse sistema de governo tem que ser feita por meio de um plebiscito, já que o povo, por duas vezes - por intermédio dos Constituintes de 1988 e, depois, em plebiscito -, manifestou-se favorável ao presidencialismo. Dessa forma, a mudança do presidencialismo para o parlamentarismo, para ter legitimidade, só pode ser feita por meio de um plebiscito. Quero aplaudir V. Exª por trazer à discussão a questão da reforma política, a que o Senado já deu início, mas que precisa ser realmente muito mais acelerada, sem esquecer todos esses aspectos, inclusive o sistema de governo. Muito obrigado.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, agradeço o seu aparte e também as referências feitas à minha pessoa.

Em segundo lugar, quero dizer que fico satisfeito em ver V. Exª afirmar, mais uma vez, as suas convicções presidencialistas, que são também as minhas. E devo acrescentar que acredito que o presidencialismo brasileiro é uma instituição já consolidada.

Em terceiro lugar, porque também, com a Constituição de 88, como já tive oportunidade de salientar, o presidencialismo brasileiro assumiu um novo caráter, marcado, sobretudo, por uma distribuição de competências entre os três ramos dos Poderes, entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Por fim, quero dizer que também concordo com V. Exª no sentido de que qualquer alteração que se cogite fazer na nossa Constituição para instaurar o parlamentarismo é, na minha opinião, materialmente, inconstitucional, porque o Constituinte de 1988 estabeleceu que, cinco anos após a promulgação da Constituição, deveríamos fazer um plebiscito; e esse plebiscito, mais uma vez, deu vitória ao presidencialismo. Portanto, o presidencialismo passou a ser, via de conseqüência, um sistema de Governo que não somente foi escolhido pelos Constituintes, mas, muito mais do que isso, foi sancionado também por uma forte adesão popular.

Aliás, eu gostaria de recordar que o Brasil só realizou, em toda a sua história, dois plebiscitos. Em ambos, em 1963 e 1993, foram plebiscitos feitos justamente para que a sociedade se manifestasse sobre sistema de Governo e, em ambos, o presidencialismo ganhou por larga margem.

Daí por que comungo também, integralmente, com a opinião de V. Exª, quando defende a necessidade de mantermos o presidencialismo, por entender ser este o sistema de governo que mais convém ao País.

Sr. Presidente, prossigo com as minhas observações.

A própria administração pública contemporânea se defronta com essa realidade e, como sempre acontece entre nós, recentemente, com o aparecimento das agências reguladoras, demo-nos conta de que o Estado não atua mais diretamente, mas também de forma delegada, no exercício do seu poder regulatório. O próprio papel clássico da administração indireta, em sua configuração tradicional no Brasil, com autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas, sempre passou por transformações pendulares, ora privatizando as atividades públicas, ora assumindo a propriedade de empresas privadas.

Cresce a população, crescem as demandas e crescem o tamanho e o poder do Estado. A Constituição de 88 foi pródiga não só em atribuir novas e relevantes funções aos que eram antes órgãos dependentes ou auxiliares dos poderes tradicionais, como o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público, como também ampliou, de forma acentuada, os seus encargos, prerrogativas e atribuições.

O próprio princípio original de separação de Poderes foi, em muitos casos e em muitos países, ampliando a tal ponto que passou a ser substituído pelo da independência, como prescreve, aliás, o art. 2º do Texto Constitucional vigente entre nós. No constitucionalismo norte-americano, fala-se muito que os poderes são separados. No Brasil, chegamos a usar a expressão, consagrada na Constituição, que os Poderes são independentes. Já não faltam os que postulem, pretendam e defendam sua substituição pelo de soberania, como conseqüência de uma demanda crescente por autonomia técnica, administrativa e financeira. Na medida em que evolui a doutrina interpretativa do princípio de Montesquieu, esquecemo-nos que poderes separados, independentes ou soberanos de qualquer país não podem conviver sem o seu corolário essencial, que é o da harmonia - é sempre bom lembrar que os poderes devem ser independentes, mas devem, igualmente, ser harmônicos. Nisso consiste, hoje, a relevante questão do relacionamento e do equilíbrio entre os diferentes centros de poder, quer nos Estados unitários, quer nos modelos federativos, quer no parlamentarismo, quer no presidencialismo, quer nas repúblicas, quer nas monarquias.

Já tive a oportunidade de lembrar, Sr. Presidente, quando aqui abordei os sistemas eleitorais, que a representação continua a cumprir duas funções essenciais ao mesmo tempo: assegurar o pluralismo e a diversidade - esse é o primeiro ponto - e garantir a governabilidade. Ambas as funções são necessárias e indispensáveis qualquer que seja a forma de Estado, independentemente da forma de governo e do regime político. No parlamentarismo, o cumprimento desses requisitos se dá, sobretudo, na investidura do poder. No presidencialismo, dele não depende a investidura que se dá pela escolha popular, mas torna-se fundamental para o exercício do poder. Esta é a razão por que já se definiu o parlamentarismo, tanto quanto o presidencialismo, como mecanismos de freios e contrapesos de poderes que, em desequilíbrio, geram entropia e afetam a governabilidade.

Não foi por outro o motivo que, em seu texto antológico, Benjamin Constant asseverou que o problema político fundamental, em qualquer sistema, não era como dividir o poder, mas como equilibrá-lo.

Hoje, ninguém hesitará em dizer que, nas sociedades de massa, como a China, os Estados Unidos, a Índia, a Indonésia, a Rússia e o Paquistão e o Brasil, o desafio não reside no relacionamento entre poderes, mas como harmonizar a multiplicidade de poderes desse complexo que Robert Dahl chamou de poliarquia. Eu não gostaria de exemplificar, mas nós mesmos nos defrontamos com questões cujas implicações ultrapassam a esfera de atribuições tanto dos Estados quanto da União e dos Municípios. Refiro-me - só para dar um exemplo - sobretudo, ao desafio da segurança pública. Quem poderá supor que é possível, com a complexidade da vida contemporânea, coibir crimes cuja materialização transcende as fronteiras nacionais, atribuindo sua repressão exclusivamente aos Estados ou, privativamente, à União?

Diante do desafio de 11 de setembro, os Estados Unidos, onde o federalismo adquiriu expressão própria, em muitos sentidos extremamente acentuada, se viram ante a necessidade de se criar um super-organismo federal para cuidar da segurança interna, coordenando agências federais, forças de segurança estaduais e policias municipais. Essa multiplicidade de poderes criou problemas e desafios que ainda não sabemos como resolver. Multiplicar organismos e instituições públicas tem sido a única via a que recorremos sempre que nos defrontamos com novas questões.

Enquanto discutimos uma reforma que sempre tentamos, mas jamais consumamos, como a do Judiciário, andamos em círculo em torno da roda, discutindo se o controle das funções da Justiça devem ser externo ou continuar interno. Essa parece-me a maneira mais eficiente de caminharmos sem conseguirmos sairmos do lugar. Estamos trocando a substância pela fórmula. Assim como a “Constituição do País” não se consuma sem o conjunto de leis que dão funcionalidade às suas disposições, também a Constituição no Judiciário não se esgota na Lei Orgânica da Magistratura, mas se completa com os Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, até aqui remendados, mas ainda não reformados, que lhe dão organicidade, funcionalidade e eficiência.

O que exige controle, seja ele interno ou externo, não é este ou aquele poder. A velha questão de quem fiscaliza o fiscal, em relação aos poderes do Estado, diz respeito exatamente ao tema dos sistemas de governo, o desafio dos pesos e contrapesos e à organização federativa. Algo que a constituição americana resolveu de forma tão razoável quanto duradoura, ao configurá-los não como separados, independentes ou soberanos, como atualmente se discute, mas exatamente o contrário, como interdependentes, fazendo-os mutuamente responsáveis e controláveis uns pelos outros. Justamente como sugeria Benjamin Constant, há quase dois séculos.

Se fizermos um balanço dos desafios institucionais brasileiros não resolvidos e que inquietam a Nação, pondo em risco a própria coesão social, a governabilidade e a eficiência das instituições, vamos verificar que muitas vezes focamos as questões marginais, quando deveríamos centrar-nos nas transcendentais. Temos visto como persistem, em diferentes níveis, as falhas de autocontrole das próprias instituições estatais. Explico-me, lamentavelmente, tendo que apelar para alguns exemplos. Na questão da segurança pública, por exemplo, como se admite que a criminalidade tenha se instalado nos mais altos escalões dos aparelhos preventivo e repressivo de que dispõe o Poder Público, de forma tão intensa quanto generalizada? Não se trata de controle externo ou interno, mas de incapacidade de autocontrole.

Ainda nesse capítulo, não é crível que o sistema penitenciário tenha se tornado presa tão fácil daqueles que deviam estar sendo punidos e, impunemente, continuam a exercer e a comandar as atividades criminosas que deram origem às suas punições. É intrigante que em nossa tão discutida Federação a simples custódia de um apenado que devia temer o poder do Estado faça o Estado tremer ante a sua simples presença.

Não devemos nos espantar com o fato de que no Brasil, virtualmente, todas as atividades sejam passíveis de cair sob o domínio da delinqüência e dos delinqüentes. O que deve nos estarrecer é a continuidade das práticas delituosas, como as que vimos reiteradas, anos a fio, sem que os mecanismos de controle de que disponha o Estado tivessem sido capazes de detectá-las. Ou as que vêm sendo assestadas sistemática e ininterruptamente contra a Previdência Social. Ou, ainda, como se tornaram possíveis aquelas outras enquistadas nos aparelhos fiscais da União e do Estado, como se verificou no Rio de Janeiro.

A organização do Estado é tão relevante quanto a organização do Governo. E assim, como a reforma política não pode se exaurir na simples mudança de pontos específicos da legislação eleitoral ou partidária, a questão federativa, tão invocada mas tão pouco debatida, não pode se consumar com a simples discriminação de responsabilidades e competências. Elas não podem ser exclusivas da União, dos Estados ou dos Municípios. É necessário serem compartilhadas e para todas deve haver o que certos especialistas chamam de “reserva de domínio de poder.” Se um dos entes federativos falha na consecução de algumas de suas responsabilidades, é indispensável a existência de um mecanismo que, não implicando intervenção, permita aos demais supri-las, pois, nesse caso, a única vítima é sempre a sociedade.

Na organização dos sistemas de governo pode ser útil combinar práticas parlamentaristas com formas organizacionais típicas do presidencialismo, também na organização do Estado não podemos querer combinar federalismo simétrico com federação assimétrica, mas esse é um assunto que, por sua amplitude, reservo para outra intervenção.

Com essas considerações, Sr. Presidente, encerro as minhas palavras, agradecendo o tempo que V. Exª me concedeu e também a paciência do Plenário com que me ouviu.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2003 - Página 14624