Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 06/06/2003
Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Solicitação de apoio à Proposta de Emenda à Constituição 38, de 1999, de autoria de S.Exa., com votação prevista para a próxima quarta-feira, que estabelece regras para a demarcação de terras indígenas.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INDIGENISTA.:
- Solicitação de apoio à Proposta de Emenda à Constituição 38, de 1999, de autoria de S.Exa., com votação prevista para a próxima quarta-feira, que estabelece regras para a demarcação de terras indígenas.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/06/2003 - Página 14631
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, RELEVANCIA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, PREVISÃO, OBRIGATORIEDADE, APRECIAÇÃO, SENADO, PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, ESTADOS, REFERENCIA, CRIAÇÃO, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, RESERVA INDIGENA, ESTABELECIMENTO, LIMITE GEOGRAFICO, TERRITORIOS FEDERAIS, DESTINAÇÃO, OCUPAÇÃO, GRUPO INDIGENA.
- REGISTRO, PROTESTO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), RECLAMAÇÃO, FIXAÇÃO, AREA, OCUPAÇÃO, GRUPO INDIGENA.
- APREENSÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), BRASIL, ALEGAÇÕES, INTERFERENCIA, DECISÃO, ORGÃO PUBLICO, ESPECIFICAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MANIPULAÇÃO, INDIO, ALCANCE, INTERESSE ECONOMICO, SOLICITAÇÃO, SENADO, ATENÇÃO, ANALISE, SITUAÇÃO, CRIAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, neste meu pronunciamento, abordarei uma proposta de emenda à Constituição que está na Ordem do Dia, pautada para o dia 11, quarta-feira próxima, caso haja a desobstrução da pauta em face das medidas provisórias que a estão trancando.
Refiro-me à Proposta de Emenda Constitucional nº 38, de 1999, que, portanto, foi apresentada no início do meu mandato como Senador, com o objetivo muito claro de, primeiro, fazer a consolidação do princípio federativo no sentido de que quaisquer ações de ingerência nos Estados passassem pelo Senado Federal, que é a Casa representativa dos Estados e, portanto, da Federação.
Essa proposta visa a que todos os decretos ou portarias do Governo Federal que impliquem perda de terras dos Estados - seja para conservação e preservação ambiental ou para reservas indígenas, que passam a ser áreas federais - sigam o mesmo procedimento. A Funai faz a identificação e a delimitação das áreas, elabora a sua portaria e a envia para o Senado, antes da homologação do Presidente da República.
O procedimento atual, com relação à Funai e ao Ibama, no que tange a reservas ecológicas e ambientais, é o seguinte: no Ibama ou na Funai, edita-se uma portaria, que é enviada ao Ministério correspondente - ou ao do Meio Ambiente ou ao da Justiça -, e, depois, um decreto do Presidente da República, na prática, confisca uma área de terra dos Estados, sem que os representantes dos Estados no âmbito federal, que são os Senadores, pronunciem-se a respeito. Ora, se o Senado se pronuncia a respeito de empréstimos para os Municípios, para os Estados e para o próprio Governo Federal, se o Senado se pronuncia sobre tudo o que se refere ao equilíbrio federativo, por que, numa matéria tão importante, como é a questão das terras dos Estados, o Senado não se manifesta?
Acredito que os procedimentos que vêm sendo feitos até aqui são corretos, e, sendo assim, não vejo por que não submetê-los à avaliação do Senado Federal.
O ponto principal da minha emenda constitucional é este: submeter à apreciação do Senado Federal os procedimentos administrativos que impliquem criação de reservas ambientais, ecológicas ou indígenas. Repito: isso deve ser feito para se respeitar o princípio federativo.
Um outro ponto da minha emenda estabelece que essas áreas de preservação e as áreas indígenas não devem ultrapassar, em cada Estado, 50% de sua área territorial. Ora, Sr. Presidente, hoje, para uma população indígena que não chega a 0,5% da população nacional, já estão demarcadas 12% de terras do território nacional. Não sei se é muito ou se é pouco, tanto que o limite, na minha proposta, estabelece o percentual de até 50% para áreas indígenas e ecológicas.
Qual é o percentual de reservas ecológicas, Sr. Presidente? Hoje, são 8,18%, e o Brasil é, com certeza, o país que mais tem área de preservação no mundo. Somando as reservas já existentes, sejam indígenas, sejam ecológicas, 20,18% da área do País já está definida. A minha proposta permite, portanto, que vá até 50%. Assim, há uma margem ainda de 30% de avanço no que está hoje estabelecido. Mas o importante é que se estão estabelecendo 50% em cada Unidade da Federação, o que dá, no total, 50% da área do País.
Sr. Presidente, fiquei admirado, porque essa emenda demorou muito na CCJ, mas foi aprovada. O Relator, Senador Amir Lando, só alterou o percentual para 50%, pois eu tinha proposto 30%. Ela veio para o plenário e se passaram as cinco sessões de discussão. Tanto na CCJ como no plenário, houve vários requerimentos, um deles da então Senadora Marina Silva, no sentido de que fosse ouvida a Comissão de Assuntos Sociais, o qual foi indeferido, porque uma proposta de emenda constitucional não pode ser apreciada por nenhuma outra Comissão que não a CCJ. Houve, também, no plenário, vários pedidos de adiamento de votação.
Agora, Sr. Presidente, surpreendo-me com a quantidade de e-mails que chegam ao gabinete - creio - de todos os Senadores. No meu, já devem existir uns quinhentos e-mails de organizações não-governamentais, sobretudo ambientalistas e indigenistas, dizendo que essa proposta simplesmente acaba com a possibilidade de proteção aos índios ou ao meio ambiente. Começo a indagar se, realmente, o que está sendo feito é correto, porque me parece exagerada a reação a que se submeta à apreciação do Senado o procedimento de demarcação dessas áreas. É aquela história de que, quando a esmola é grande, o santo desconfia. Se não basta, para isso, reservar metade do País, o que se quer fazer com o Brasil e, especialmente, com a Amazônia?
A Amazônia, por exemplo, tem uma área imensa de fronteiras - mais de onze mil quilômetros - desprotegidas, onde estão situadas as maiores reservas ecológicas e indígenas, o que impossibilita o povoamento. O mais sério é que essas organizações não-governamentais que hoje estão protestando contra essa emenda constitucional, na prática, são as que têm feito as demarcações, instruído procedimentos. Na verdade, são elas que comandam as ações da Funai. Então, pergunto se o Governo brasileiro já abriu mão, efetivamente, para o chamado terceiro setor, do comando da parte administrativa do País. No entanto, o Senado não pode abrir mão da sua prerrogativa de defender os interesses dos Estados e da população brasileira para as organizações não-governamentais, por mais sérias que sejam. E nem todas são sérias, Sr. Presidente. Presidi a CPI das ONGs, e, apesar de todas as dificuldades que tivemos para fazer aquele trabalho, observamos algo fabuloso: quando uma ONG, mesmo formada por meia dúzia de pessoas, faz qualquer manifesto, ele é publicado em quase todos os jornais do Brasil; no entanto, quando se realiza uma CPI, como a CPI das ONGs, que funcionou durante praticamente dois anos, apenas um jornal de circulação nacional, O Globo, publicou uma notícia no sentido de que a CPI só existia porque eu, o Presidente, era inimigo das ONGs.
Sr. Presidente, pela minha formação de médico, apreendi que não se deve ter raiva, nem construir inimizades, mas sempre buscar a verdade, ou diagnósticos verdadeiros para indicar o procedimento correto. Neste caso, as organizações não-governamentais, as famosas ONGs, adotam uma verdadeira ditadura, querem impor a sua verdade. Quando lhes interessa, manipulam meia dúzia de índios e os trazem ao plenário; caso contrário, não aparece ninguém para falar.
Por isso, estou fazendo esta defesa, Sr. Presidente. Sei que, hoje em dia, existe uma verdadeira ditadura, uma monopolização dos meios de comunicação sobre esse assunto. Vi o modelo que o Instituto Socioambiental - ISA colocou na Internet, para que todas as organizações se manifestassem sobre a proposta de emenda à Constituição, e tenho recebido, de vários pontos do País, manifestação a favor dela.
Não quero ser dono da verdade, nem admitir que aquele que se contrapõe a essa emenda também o seja. A questão, como, aliás, impõe o Regimento, é discutir, encontrar um consenso. Já disse que estou disposto a negociar a retirada desse percentual, que considero alto, pois metade da área de cada Estado da Federação ou do País seria destinada à preservação ambiental e às comunidades indígenas.
No meu Estado, por exemplo, nas últimas décadas, as áreas indígenas cresceram mais de 1000%, e a população indígena não cresceu nem 30%. No meu Estado, 7% da população são constituídos por indígenas, e 57% de sua área estão demarcados ou pretendidos pela Funai para serem transformados em reserva indígena. Essa emenda constitucional, portanto, não o beneficiaria, porque existe o princípio jurídico de que nenhuma lei retroage para prejudicar. Não estou trabalhando em causa própria, embora fosse legítimo se eu estivesse agindo em defesa do meu Estado. Tenho-me dedicado a essa análise há muito tempo, desde quando era Deputado Federal e Constituinte, e causa-me estranheza esse apego das ONGs, quase similar ao fundamentalismo talibânico, a essa questão da terra, Sr. Presidente. No entanto, não vejo esse mesmo fundamentalismo no que tange a melhorar a qualidade de vida do indivíduo índio. Conheço todas as comunidades indígenas de Roraima e já visitei os yanomamis no Amazonas. Recebo, em meu gabinete, representantes de comunidades indígenas de vários lugares do Brasil, como os xavantes e os caiapós, e não vejo nenhum investimento na qualidade de vida do índio. Mas a preocupação é enorme no que se refere a criar reservas indígenas imensas. No meu Estado, foi criada mais uma reserva, chamada Moscou, com 1.400 hectares, onde habitam 300 índios.
Na verdade, Sr. Presidente, esse caso precisa ser melhor analisado, sem passionalismo, pelo Senado Federal. Não podemos considerar donas da verdade instituições como essas, por mais sérias que sejam. Temos que debater. O Ministro da Justiça vai a Roraima, na terça-feira, para discutir a criação de mais uma reserva indígena em meu Estado. Aliás, a reserva, na prática, já existe, porque, quando a Funai identifica uma terra e diz que ela é pretendida para demarcação de reserva indígena, já a torna indisponível para qualquer tipo de investimento em agricultura ou pecuária. Quando se fala em Raposa Serra do Sol, imagina-se uma área pequena; no entanto, essa reserva tem 1,6 milhão de hectares. É muita terra!
O mais importante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que são quatro as organizações indígenas daquela região: uma defende a demarcação em área contínua, e três, em área descontínua. Isso porque eles são diferentes. Uns são evangélicos, outros católicos; alguns são da tribo macuxi, outros da wapichana ou mayongóngs. Na verdade, não há unificação entre eles, mas manipula-se a informação em todo o País de que os índios da região querem aquilo.
Chamo a atenção das Srªs Senadoras, dos Srs. Senadores e da Nação que me ouve através da Rádio Senado e me vê pela TV Senado para esse tema. Sempre que, no debate de uma questão, se contraria o pensamento dessas ONGs, somos considerados entre como pessoa que quer acabar com os índios, que defende fazendeiros, que defende mineradores. E não sou nem uma coisa nem outra, Sr. Presidente. Defendo, repito aqui, com o meu espírito de formação médica, que se faça um diagnóstico isento, que se chegue a uma conclusão isenta e que, acima de tudo, haja uma preocupação com o Brasil. Defendo a possibilidade de termos uma visão nacionalista desse problema, para que não deixemos que sejam atendidos interesses de corporações estrangeiras financeiras importantes. A indústria farmacêutica, por exemplo, tem interesse na biodiversidade da Amazônia; as corporações das grandes empresas mineradoras têm interesse nos minérios da Amazônia, que não querem que seja explorado agora. Todos esses pontos devem ser analisados sem passionalismo, sem o preestabelecimento de um receituário segundo o qual quem saiu daqui já está contra. Não! Quero abrir um debate sério, inclusive com a participação dos índios, mas não os índios que são manipulados por essas ONGs que, aliás, pegam procuração sem terem procuração. Observe, Sr. Presidente, que a maioria dessas ONGs têm sede em São Paulo. Elas não são originárias dos Estados onde estão os índios e não são formadas por índios. Tenho reiterado desta tribuna a necessidade - espero que o Presidente Lula, que tem uma sensibilidade popular muito aguçada, o faça - de que tenhamos um índio na presidência da Funai. Nunca vi clube de mães dirigido por um homem; nunca vi uma associação de negros dirigida por um branco; e não entendo como uma fundação que é encarregada de defender e representar os índios não tenha um índio na presidência. Será que isso ocorre por que os índios não têm capacidade, Sr. Presidente? Há vários índios com curso superior, há índios que são antropólogos, advogados e que podem perfeitamente ocupar a presidência da Funai. Assim, não entendo por que essa discriminação.
Ouvi aqui, um dia desses, um Senador dizer que temos que olhar para os índios como nações - nação Yanomami, nação Macuxi, nação Caiapó, Nação Xavante -, e a Funai é como se fosse uma embaixada do Governo brasileiro, que tem um embaixador do Governo brasileiro, que vai falar com cada uma dessas nações.
Sr. Presidente, realmente discordo desse ponto de vista. Entendo que devemos respeitar os índios, respeitar suas culturas. Meu Estado é um exemplo de respeito, porque temos mais de dezesseis professores índios, com curso universitário. Tivemos também um aumento considerável da nossa população indígena, mas a grande maioria dos índios de Roraima mora na capital e passa o fim de semana nas suas aldeias. Alguns passam o fim de semana na capital, vendendo seus produtos e depois voltam para as aldeias para trabalhar.
Na verdade, recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma grande reportagem dizendo que a maior aldeia indígena do Brasil está em São Paulo. Ela é formada por índios que estão lá estudando, que estão lá trabalhando.
Assim, temos que nos debruçar sobre essa questão de uma maneira realmente isenta. Apelo para os companheiros que pensam diferente no sentido de que deixemos de lado os radicalismos, para que possamos discutir abertamente a questão, com a participação dos índios e não apenas com falsos procuradores dos índios, que são na verdade ONGs, sediadas em São Paulo, financiadas, às vezes de maneira obscura, que agem se dizendo defensoras dos índios e vão até suas aldeias para impor um pensamento que eles não tinham, que eles não têm. Estimulam, por exemplo, o fato de o índio não deixar de falar a própria língua, quando, Sr. Presidente, sabemos que hoje, no mundo globalizado, nem o Português vale a pena direito se falar, porque a língua internacional é o Inglês. Mas defendo, como nacionalista, que falemos o Português. Ontem mesmo disse o Presidente Lula que, mesmo sem falar Inglês, está realmente sendo respeitado internacionalmente. Mas não podemos fechar os olhos, fazer de conta que não estamos vendo, fazer de conta que não estamos ouvindo e deixar que haja aqui uma fragmentação étnica do País para depois termos, com o aval da ONU ou até sem o aval da ONU, uma interferência estrangeira sob o falso pretexto de defender comunidades indígenas, criar nações dentro do País. Aliás, não querendo fazer um paralelo exato, mas coisa parecida foi feita em Cosovo, sob o pretexto de se defender as etnias que estavam em conflito. Na verdade, parece que há uma grande política geoestratégica das nações poderosas de fragmentar países que podem amanhã representar certo tipo de perigo para a sua hegemonia no mundo.
Muito obrigado.