Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Abordagem sobre o meio ambiente, a propósito do dia Mundial do Meio Ambiente. Combate a biopirataria.

Autor
Gilberto Mestrinho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Abordagem sobre o meio ambiente, a propósito do dia Mundial do Meio Ambiente. Combate a biopirataria.
Aparteantes
Alberto Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2003 - Página 14444
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, NECESSIDADE, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, MISERIA, BRASIL, ORIGEM, POLUIÇÃO, GRAVIDADE, EMISSÃO, GAS CARBONICO, AUTOMOVEL, INDUSTRIA, EXCESSO, LIXO.
  • ANALISE, RESULTADO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, INVESTIGAÇÃO, CONTRABANDO, FAUNA, FLORA, BRASIL, RECOMENDAÇÃO, INVESTIMENTO, PESQUISA, INDUSTRIA, APROVEITAMENTO, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE.
  • APREENSÃO, LOBBY, IMPEDIMENTO, APROVEITAMENTO, RECURSOS FLORESTAIS, PROCESSO, RESTRIÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, LEGISLAÇÃO, PROTEÇÃO, CONHECIMENTO, TRADIÇÃO, COMUNIDADE, UTILIZAÇÃO, ECOSSISTEMA.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos aqui comemorado o Dia do Meio Ambiente. A questão ambiental tem sido pauta de discussões, de artigos, de simpósios, de conferências. Mas há um fato interessante: quando se fala na questão ambiental, só se fala na floresta amazônica, como se ela fosse responsável pela questão ambiental do País inteiro.

Ninguém, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fala da miséria, maior poluidora que existe, dos esgotos a céu aberto, da tristeza das favelas, das periferias sem esperança, vivendo de forma insalubre; ninguém fala do despejo de eflúvios industriais nos rios; ninguém fala da poluição dos combustíveis, porque ninguém dispensa o automóvel. Só se fala na floresta amazônica. É como se esta só servisse à falsidade de dizer que gera oxigênio. Se a floresta gerasse oxigênio - já que se diz que ela é o pulmão do mundo - seria o único pulmão a gerar oxigênio. Os pulmões são consumidores de oxigênio e não geradores. A floresta amazônica é consumidora de gás carbônico, de CO2, e desempenha um papel importante porque, sobre a Amazônia, está a maior concentração de gás carbônico existente na Terra. Se não houvesse tal concentração de gás carbônico, não haveria a floresta.

O que é uma árvore? É uma bateria de gás carbônico. As árvores acumulam gás carbônico e o desprendem quando envelhecem e apodrecem. Daí a necessidade de renovação da floresta.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no contexto das comemorações da Semana Nacional do Meio Ambiente, digo que há outras coisas também na Amazônia.

A relevância da questão amazônica, hoje materializada na preocupante e emergencial problemática da biopirataria, foi objeto recente de uma investigação demorada na Câmara dos Deputados, por meio da CPI do Tráfico de Animais e Plantas Silvestres da Fauna e Flora Brasileira. E suas conclusões e recomendações merecem toda nossa atenção e esforços no sentido de manter a temática em permanente estado de atenção e enfrentamento.

Está em jogo nessa investigação a possibilidade de combater a biopirataria por intermédio da fórmula mais eficaz, eficiente e promissora de que dispomos. Essa fórmula é o investimento na bioprospecção, a implantação efetiva de pólos de bioindústrias, propiciadas por ações em favor de pesquisa e desenvolvimento e da formulação de parcerias entre a academia, laboratórios e empresas. Sempre tendo em vista a construção de um novo futuro para a Amazônia e o Brasil. Um futuro que tenha por base e meta principalmente o conhecimento e um novo conceito de progresso que, ao mesmo tempo, descarta a economia predatória e centraliza o fator humano e os interesses da Nação brasileira no aproveitamento racional e responsável dos recursos naturais do patrimônio amazônico.

A propósito, algumas das recomendações dos Srs. Deputados da CPI da Biopirataria precisam de urgente implementação. Uma delas vai exatamente na direção de reformular a legislação vigente, que ordena a exploração e proteção dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional, oriundos da biodiversidade amazônica. Nesse contexto, não há como desmerecer o esforço do atual Governo em ouvir a sociedade brasileira em geral e a Amazônia em particular, expresso recentemente na realização de um evento em Manaus, coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência e Ministério do Meio Ambiente, sobre a proteção do conhecimento e da biodiversidade, onde foi tematizada a problemática da biopirataria.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Senador Gilberto Mestrinho, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Com todo o prazer, nobre Senador Alberto Silva.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Senador Gilberto Mestrinho, não gostaria de interromper o estudo que V. Exª sempre faz em seus discursos, trazendo a todos nós as lições da sua experiência como Governador, tantas vezes, e defensor da floresta amazônica, aquele meio gerador de riqueza do País. Refiro-me a uma informação de V. Exª. Neste instante, gostaria de puxar novamente o seu discurso para um fato: na última vez em que V. Exª falou aqui, fez uma declaração importantíssima que eu realmente não havia observado. Disse que a planta busca e troca CO2 quando está crescendo. V. Exª falava exatamente da utilização da madeira para exportação e citava que vários países do mundo que não têm essa floresta faturam bilhões de dólares. No entanto, nossa floresta fatura muito pouco. Parabenizo V. Exª pelas informações sobre a Amazônia, que todos nós devemos olhar, para que daqui a pouco ela não sirva de cobiça de outros países, e sim para o nosso desenvolvimento. Lembro - aproveitando a lição de V. Exª - que, se trocarmos em cada hectare da floresta amazônica as madeiras menos nobres por madeira nobre, abriremos um espaço na floresta, tirando uma árvore, o sol entra e a nova árvore crescerá e trocará CO2. A madeira nobre seria para exportar e a que não for nobre, Senador Gilberto Mestrinho, que tal se a transformássemos em energia, sob a forma de bioeletricidade. Parabenizo V. Exª pelas lições que nos dá.

O SR. GILBERTO MESTRINHO (PMDB - AM) - Nobre Senador Alberto Silva, V. Exª tem razão e realmente é um intérprete da realidade da floresta. Se o Brasil não se sujeitasse às pressões nacionais, tivesse governos inteligentes, voltados para nosso interesse, a situação seria outra, porque se faria exatamente isso, o manejo florestal, a utilização da floresta em benefício do homem e da própria floresta, porque a renovação permite isso e dá oportunidade a que a árvore adulta seja transformada em recursos para o homem e os filhos que ficam ali, que não deixam fazer fotossíntese, porque as copas não deixam, com a saída da adulta, eles crescem e se transformam em árvore adulta. Essa é a realidade. Muito obrigado por seu aparte.

Como as Srªs e os Srs Senadores têm conhecimento, atualmente, regida pela Medida Provisória nº 2.186, de 16 de agosto de 2001, a exploração e a proteção da biodiversidade estão à mercê de uma legislação inadequada para a realidade mundial e brasileira, pois propicia uma série de lacunas, ambigüidades e incoerências jurídicas, o que acaba dificultando a aplicação do princípio de defesa, proteção e usufruto do patrimônio genético da Amazônia. A fragilidade do ordenamento jurídico em vigor levou o novo Governo a instituir um grupo de trabalho para estudar as modificações necessárias na legislação. Vejo que todos nós, Congressistas das duas Casas do Parlamento, representantes dos Estados e das populações da Amazônia e demais regiões do País, temos de assumir a responsabilidade pela sua relevância e urgência estratégica para os interesses econômicos e soberania da Nação Brasileira, de dar tratamento diferenciado e definitivo para a matéria, a regulamentação do acesso e exploração dos recursos genéticos da fauna e da flora brasileira, que já tramita no Legislativo sob diversas óticas há mais de uma década sem, contudo, atender a complexidade e relevância da questão.

Em várias oportunidades tenho manifestado minha preocupação com os riscos da atual legislação ambiental brasileira, cujos equívocos têm contribuído para reforçar a postura ambivalente, mal-intencionada e astuta do preservacionismo, que preconiza a intocabilidade do patrimônio natural amazônico com o propósito escuso de impedir que o Brasil tome a dianteira mundial da produção florestal, agrícola e bioindustrial no mercado desses produtos. Recentemente, para dar um exemplo dos interesses subliminares do preservacionismo, bastou o representante brasileiro, na reunião das Nações Unidas em Genebra sobre florestas, mencionar que o país iria disponibilizar alguns milhões de hectares para a silvicultura sustentável, para a chiadeira mundial e local mostrar a força e a crueza de seus interesses. Ou seja, as ONGs estrangeiras, por meio de seus tentáculos espalhados em lugares estratégicos da administração pública, obrigaram o Ministério do Meio Ambiente a desmentir a informação dizendo que essa era uma medida do governo anterior.

Voltando à questão da medida provisória que ordena a questão da biodiversidade, todos sabem que o processo de reformulação da legislação já está em andamento nas diversas instâncias governamentais. Por ser complexo, envolve uma discussão que deverá ser feita entre os Ministérios das Relações Exteriores, Ciência, Tecnologia e da Cultura, sob a coordenação do MMA que tem a responsabilidade de levar o tema para debate público junto aos segmentos sociais envolvidos com a exploração da biodiversidade, como os cientistas, empresas do setor, entidades ambientalistas e indígenas. Os Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento, parceiros indispensáveis e determinantes em qualquer país civilizado que discuta o uso de seu patrimônio, não aparecem. Foram, por sinal, à referida reunião de Genebra como coadjuvantes de peso relativizado. Precisamos, Sr. Presidente, olhar a questão da biodiversidade no contexto global do interesse nacional e não analisá-la pelo olhar estreito e vesgo do preservacionismo mal-intencionado.

É evidente que precisamos definir o detalhamento de como será feita a repartição de benefícios gerados com o mercado da biodiversidade, os detentores do conhecimento e empresas investidoras e o estabelecimento das penalidades relativas à exploração ilegal da biodiversidade amazônica. É prioritário, portanto, avançar no conhecimento desse Banco Genético. Ninguém dá valor ao que não conhece. Daí o descuido atávico do País em relação à Amazônia e o interesse centenário do olhar estrangeiro que, desde os primeiros viajantes de século XVII, perceberam que na floresta dormitavam as soluções de energia, fármacos e alimentos para a humanidade.

Há mais de 50 anos, na histórica viagem de Getúlio Vargas à Amazônia, em seu famoso Discurso do Rio Amazonas, uma luz de esperança foi mostrada para o homem da Amazônia. Vivíamos, então, a fase pós-declínio do Ciclo da Borracha e enfrentávamos muitas dificuldades. Era quase uma escuridão. E Getúlio, em seu discurso, prometera que a Amazônia deixaria de ser uma simples página da Pátria para se transformar num capítulo especial da História da Civilização. Esperamos até hoje que isso aconteça. De lá para cá, o que se constata é a pobreza franciscana de nossos centros de pesquisa e a diminuição crescente dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Está na hora, portanto, de mudar esse cenário, em nome dos interesses e do futuro do Brasil.

Por outro lado, não adianta apenas continuar gritando contra a internacionalização da Amazônia. Ela já está em processo há quinhentos anos. O saque de nossos recursos naturais é histórico e não vai ser resolvido pela via policial. O seqüestro dos princípios ativos é sofisticado e se materializa com os recursos da moderna tecnologia. Num chip de computador pode-se configurar a estrutura de fungos e bactérias que podem resolver os males que atormentam a humanidade, como a AIDS e diversos tipos de câncer.

É inócuo o controle policial e a monitoração desse processo. A hora é do investimento no saber e da movimentação das parcerias sólidas e ações consistentes na direção de sua ocupação e uso racional, em que serão bem-vindos todos os parceiros - nacionais e estrangeiros - efetivamente comprometidos com o conhecimento e sua transformação em oportunidades efetivas de negócios em favor, sobretudo da prosperidade geral das populações amazônicas.

Com toda certeza e convicção, Sr. Presidente, há muito mais saber sobre a Amazônia nas academias estrangeiras do que possamos supor. E é exatamente o desafio do conhecimento que insisto aqui em afirmar e defender como a via eficaz de controle e acesso de nosso banco genético. Cientistas da Universidade de Oxford, para dar um exemplo, identificaram três classes de conhecimento indígena dos povos primitivos da Amazônia que possuem potencial econômico nos mercados regional, nacional e mundial: em primeiro lugar, algumas plantas ou animais úteis, não manejados ou cultivados e o conhecimento a eles associado; em seguida, animais ou plantas domesticados, sempre manejados ou cultivados (especialmente fruteiras, amiláceas, hortaliças, medicinais, tecnológicas, recreativas, fibras) e o conhecimento a elas associado; e, finalmente, práticas de manipulação de ecossistemas. O que mais chama a atenção da mídia hoje são as plantas medicinais, pois a indústria farmacêutica gera US$340 bilhões anualmente e não existe notícia mais atrativa do que um remédio milagroso que gerará fortuna ao seu descobridor.

A Convenção da Diversidade Biológica - CDB dá direitos aos países e conclama esses mesmos países a garantir que o conhecimento tradicional seja reconhecido como propriedade intelectual, para que os povos tradicionais possam participar da repartição dos respectivos benefícios. O acordo firmado em Joannesburgo, em 2002, prevê que uma parte dos lucros deve ser necessariamente do país de origem e para as comunidades tradicionais que conhecem as propriedades medicinais das plantas. Agora, o debate da vez é a compatibilização da CDB com o acordo sobre a propriedade intelectual da OMC - Organização Mundial do Comércio, conhecido como Trips. A intenção é incluir no Trips um dispositivo que contemple a proteção dos conhecimentos tradicionais e dos recursos genéticos. A proposta encontra forte resistência dos paises desenvolvidos que dominam a biotecnologia e a engenharia genética e promete consumir mais alguns anos de negociações.

O Brasil não possui legislação apropriada para elucidar os impasses que se referem a este dilema ético, embora a Medida Provisória de Acesso, (MP 2.186-16) trate de alguns de seus aspectos. Além disso, há uma distorção econômica diretamente relacionada ao dilema ético. Para que um componente da biodiversidade seja considerado recurso biológico ou genético, precisa ter valor agregado. Ou seja, precisa ter um investimento humano que o transforme em recurso. No caso do conhecimento indígena, o investimento foi feito ao longo de milênios pelos primeiros povos, tanto no acúmulo de conhecimentos como na seleção praticada para criar plantas e animais domésticos.

Dos cinco principais biomas do Brasil (Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga e Pantanal), o da Floresta Amazônica ocupa 50% do país e possui a maior ocorrência de princípios ativos que os outros juntos. No entanto, a Amazônia somente recebe 3% dos investimentos em P&D do Governo Federal e só tem 500 pesquisadores e professores doutores trabalhando. Em 1999, o orçamento federal previa R$250 milhões para investimentos em P&D na Amazônia, mas a crise cambial reduziu isso para algo como R$90 milhões - um investimento irrisório diante das dimensões de nossas necessidades e possibilidades. Isto representa apenas R$18 por quilômetro quadrado. Ou seja, praticamente nada.

            O Governo Federal começou a reconhecer as necessidades, pelo menos parcialmente, quando criou, nos anos 90, o Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia - Probem -, e uma organização social, a BioAmazônia, para coordenar e executar seus projetos. Infelizmente, a BioAmazônia entrou em crise e em descrédito e estancou os investimentos do Probem, que eram previstos na ordem de R$60 milhões, em cinco anos, deixando na tradicional condição franciscana de penúria os três institutos amazônicos de pesquisa, os seis centros da Embrapa, com uma produção científica excepcional, à luz de seus recursos, nove universidades federais, três universidades estaduais e numerosas organizações e universidades particulares que poderiam colaborar nesta tarefa de inventariar as informações do Banco Genético da Amazônia. A falta de investimentos nestas instituições é o próprio convite à continuidade da biopirataria que alimenta a receita dos laboratórios e bioindústrias do mundo inteiro.

Para se ter uma idéia dos absurdos que resultaram dessa negligência atávica, produtos como andiroba, copaíba, ayahusca, curare, açaí, cupuaçu e muitos outros itens derivados da flora e de espécies da fauna amazônica já têm marcas e patentes registradas no exterior. Desde o desembarque europeu, quando o Novo Mundo começou a fornecer o pigmento vermelho do Pau Brasil para colorir a Velha Europa, e o Pau-Rosa para fixar a perfumaria francesa, milhares de espécies nativas são contrabandeadas e transformadas em patentes internacionais. O registro comercial de recursos naturais alheios não é nenhuma novidade, até porque não existe nenhuma legislação internacional que proíba tal atividade, uma vez que o sistema de patentes não protege aquele que detém a biodiversidadade ou o conhecimento tradicional, mas quem desenvolve novas tecnologias, precisamente nossa maior deficiência. A patente japonesa do cupuaçu da Amazônia é apenas mais um capítulo folclórico da longa história de biopirataria em território nacional. O registro comercial do cupuaçu pela empresa japonesa Asahi Foods, embora contestado na justiça japonesa por organizações brasileiras, o que deve levar até um ano para ser julgado, simboliza as distorções e anomalias de nosso trato com o patrimônio natural excepcional de que dispomos.

Os japoneses da Asahi Foods registraram patente de uma fruta do Amazonas, o cupuaçu, que é da mesma família do cacau, e hoje não se pode vender a popa ou qualquer produto como sendo de cupuaçu porque os japoneses cobram royalties.

A biopirataria não é apenas o contrabando de diversas formas de vida da flora e fauna. É uma atividade altamente rentável, que movimenta bilhões de dólares e inclui a apropriação e monopolização de conhecimentos das populações tradicionais no que se refere ao uso dos recursos naturais. E o Brasil, a exemplo de grande parte dos países em desenvolvimento, ainda não dispõe de um sistema de proteção legal dos direitos de propriedade intelectual de comunidades tradicionais.

Detentor de 23% da biodiversidade do Planeta, o Brasil é presa fácil para a cobiça internacional. De acordo com cálculos do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -, o patrimônio genético nacional tem um valor potencial estimado de US$2 trilhões. São milhares de plantas, frutas, mamíferos, peixes, anfíbios e insetos, muitos deles ainda não descritos pela Ciência. Além dos materiais genéticos levados clandestinamente ou legalmente exportados, calcula-se que, anualmente, cerca de 38 milhões de animais silvestres atravessam as fronteiras ilegalmente, sendo que grande parte desse total é levada para fins de biopirataria, como é o caso das serpentes e sapos, cujos venenos são pesquisados para servirem de princípios ativos na fabricação de medicamentos.

Finalmente, Srªs. e Srs. Senadores, permito-me reproduzir aqui o desfecho das reflexões contidas no meu livro Amazônia Terra Verde - Sonho da Humanidade, para ilustrar as conclusões deste depoimento:

O mundo civilizado, há 500 anos, reivindica apropriar-se da Amazônia. É compreensível este anseio, quando se tem o mínimo de conhecimento a seu respeito. Aqui habitamos e hoje somos milhões. A questão é como conduzir com sucesso a ocupação desse espaço e a apropriação dessa riqueza. Digo mais: a Amazônia está à disposição do mundo, até porque não poderia ser diferente. Não faz sentido fechar seus vínculos e conexões. Ao contrário, nossa saída para uma nova era reside exatamente em abrirmos todos os canais de interação, sem xenofobias, mas também sem ingenuidades. Na pesquisa, nos investimentos conjuntos, na formação de mão-de-obra qualificada, na experiência prazerosa da poesia natural, temos à mão uma oportunidade única de resgatar definitivamente o convívio saudável e urgente do homem com a natureza e de inaugurar um novo patamar de prosperidade social.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que eu tinha a fazer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2003 - Página 14444