Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância da proibição do uso e da venda de armas de fogo no Brasil. (como Lider)

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Importância da proibição do uso e da venda de armas de fogo no Brasil. (como Lider)
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2003 - Página 14451
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REITERAÇÃO, JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, PROIBIÇÃO, COMERCIO, ARMA, TERRITORIO NACIONAL, DEFESA, RESTRIÇÃO, UTILIZAÇÃO, ANALISE, DADOS, VIOLENCIA, HOMICIDIO, IMPUNIDADE, BRASIL, GASTOS PUBLICOS, SEGURANÇA PUBLICA, SUPERIORIDADE, COMPARAÇÃO, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • CRITICA, BUROCRACIA, LEGISLAÇÃO, REGISTRO, PORTE DE ARMA, INCENTIVO, CLANDESTINIDADE, DEFESA, REFORMA JUDICIARIA, REFORMULAÇÃO, CODIGO PENAL.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, por mais esta deferência.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta semana, ocupei esta tribuna para anunciar a proposta para proibir o comércio e a venda de armas em todo o País. Sinto-me obrigado a voltar ao tema da banalização das armas em face do recrudescimento da criminalidade e de novos episódios que merecem ser debatidos.

Aqui, no Senado, tenho mantido vários contatos, ultimamente com o Senador Hélio Costa, Relator da proposta anterior, com o objetivo também de restringir as armas. E conversei muito, inclusive hoje, com o Senador César Borges, Relator dessa questão na Subcomissão de Segurança Pública. Estou convencido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de que estamos avançando com a idéia de proibirmos o uso e a venda de armas no Brasil.

Números oficiais recentemente divulgados pela imprensa comprovam que a violência e o crime organizado estão em todas as partes do País. Dos quase seis mil municípios brasileiros, os mais problemáticos na questão da criminalidade podem ser reduzidos a menos de 100. Os dados ainda são precários, Senador Lobão, num país onde 75% dos roubos não são registrados, 80% dos furtos não são notificados, e apenas 14% das vítimas de agressões sexuais procuram as autoridades para registrar queixa. São Bernardo do Campo, por exemplo, no ABC paulista, registrou aumento de 71% nos homicídios. Nada menos que 95% dos homicídios registrados no País são de natureza interpessoal, em que o agressor conhece a vítima, e são cometidos pelo chamado “cidadão comum” armado. Por outro lado, só 8% deles são solucionados.

            Na verdade, é exatamente a impunidade que arma o braço da violência. As estatísticas nesse sentido são terríveis, e eu as conheci quando Ministro da Justiça. No Rio de Janeiro, por exemplo, 10% dos crimes não são esclarecidos; em São Paulo, só 1,7% dos crimes cujos autores não são conhecidos na hora do fato são esclarecidos. Significa dizer que há um quadro de impunidade completa, que impulsiona, sem dúvida nenhuma, a violência. Menos de 50% dos locais desses crimes são periciados. Boa parte desses homicídios é o primeiro e único crime do sujeito, do cidadão armado.

Numa nova ótica, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desenvolvida por sociólogos para explicar a violência, além da miséria e do desenvolvimento desordenado que inchou a periferia dos centros urbanos mais ricos, está outro fator. A reboque desse processo, foi se aglutinando, no entorno das cidades, uma massa da população urbana que convive com a abundância e com a riqueza, beneficiando-se dela. Essas pessoas, no entanto, não se integraram nem têm meios de se integrar aos mercados sofisticados de produção e consumo. E acabam se utilizando do crime para romper essa barreira.

Ouço, com muito prazer, o Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Renan Calheiros, nesta tarde, aqui no plenário do Senado, só posso ter motivos de regozijo por estar ouvindo V. Exª tratar de uma questão que constitui hoje o epicentro das preocupações nacionais: o problema da violência urbana. V. Exª busca um caminho para chegar a um objetivo. Mas, desde logo, vamos qualificar o orador que está na tribuna: Renan Calheiros foi Deputado de grande projeção, tendo sido Líder na Câmara dos Deputados; é Senador, não pela primeira vez, e é Líder no Senado; foi Ministro da Justiça. Portanto, tem toda a qualificação para tratar fundamentalmente desse assunto. Louvo a sua preocupação com a violência que grassa neste País, em todas as direções. Senador Renan Calheiros, hoje estou na Presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde se encontram alguns projetos cuidando dessa matéria. Um deles é de V. Exª. Aqui está o Senador César Borges, Relator também dessa matéria, e todos nós estamos focando essa questão como sendo uma das principais no Brasil de hoje. Mas não é suficiente que um Senador da sua dimensão venha à tribuna uma única vez. E V. Exª tem consciência disso. Tanto tem que serei breve, pois sei que V. Exª tem pouco tempo na tribuna.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - V. Exª honra o meu discurso.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Não é suficiente que V. Exª venha à tribuna somente uma vez. E V. Exª veio várias vezes. Está hoje outra vez e já me disse que virá novamente na próxima semana. É necessário fazer assim: ou damos preferência a esse assunto, ou não daremos cabo da violência que tanto sacrifício, tantas vidas têm custado ao povo brasileiro. Receba, portanto, meus cumprimentos, meus incentivos pela luta empreendida por V. Exª nesse sentido.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço, honrado...

O SR. PRESIDENTE (Efraim Morais) - Senador Renan Calheiros, a Mesa prorroga a sessão por mais 15 minutos, e V. Exª terá mais 5 minutos para concluir seu pronunciamento, pois temos ainda que ouvir o grande Líder do Piauí, Senador Mão Santa.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL) - Agradeço, mais uma vez, a deferência de V. Exª, Sr. Presidente, como também lhe agradeço pelo seu aparte, Senador Edison Lobão.

            A criminalidade tem crescido tanto no País que deve ser tratada de maneira excepcional, emergencial. O Brasil - e costumo citar muito este número - possui 2,9% da população mundial e registra, anualmente, 13% dos crimes cometidos no Planeta. Esse dado humilha o nosso País perante os outros. É um problema que deve ser enfrentado, e não há como fazê-lo sem tocar em uma questão fundamental: a arma de fogo, seu uso e sua venda. Há uma banalização. Atualmente, qualquer pessoa compra uma arma de fogo com a maior facilidade, em qualquer lugar. A lei do Sinarm, que objetivava disciplinar o porte, o uso e o registro de arma, dificultou mais a questão, pois a burocratizou: exige que o cidadão demonstre à Polícia que sabe manejar o revólver, que sabe atirar; exige que ele se submeta a exame psicotécnico, que, muitas vezes, dura duas horas; por último, que pague uma taxa de mais de mil reais. Significa dizer que o cidadão prefere comprar e usar sua arma na clandestinidade, sem qualquer registro.

O quadro é pavoroso, pois temos, para 5 milhões de armas legais, 40 milhões de ilegais. Essa situação tem que ser enfrentada. Oitenta e três por cento dos crimes no Brasil ocorrem por motivos fúteis. As pessoas estão reunidas num clube de futebol, numa escola, no trânsito, na rua, em casa mesmo e, numa briga entre membros da família, numa discussão mais acalorada, alguém saca de uma arma, atira, mata, morre, muda a sua vida, muda a vida da família e de outras também. Isso, sinceramente, não pode continuar.

Claro que há causas dos crimes que precisam se enfrentadas: a impunidade, a necessidade de uma reforma do Judiciário e do Código Penal, que ainda é de 1940 e não comina pena a muitos dos crimes com os quais convive a sociedade. Também precisamos mudar o processamento do inquérito policial. No Brasil, faz-se a investigação na Polícia e depois se repete tudo na Justiça, em detrimento da própria punição, o que só aumenta a impunidade. Isso tudo tem que ser enfrentado. Contudo, acredito que, se acabarmos com a venda de armas, acabaremos com os chamados crimes sem causa, aqueles que acontecem apenas porque, no local do crime, havia uma arma de fogo.

Prossigo com a leitura, para encerrar meu pronunciamento, Sr. Presidente.

O principal expoente da violência, nos grandes centros, não é o homicídio, mas o assalto a mão armada. Em são Paulo, por exemplo, no último ano, foram registrados 25 assassinatos por dia e mais de 2 mil roubos. Para o Coronel da PM fluminense, José Vicente da Silva Filho, uma das medidas emergenciais para reduzir, de forma rápida e eficiente, o número de homicídios é a restrição ao uso de arma de fogo.

Segundo o Secretário Nacional de Segurança Pública, o sociólogo Luiz Eduardo Soares, as maiores vítimas de mortes violentas no País são homens negros, de 15 a 24 anos, pobres, moradores das favelas e da periferia dos grandes centros. Ainda de acordo com o secretário, outra matriz muito forte em São Paulo são os encontros conflituosos que acabam em tragédia por conta do acesso indiscriminado às armas, que transformam, como disse, desentendimentos cotidianos em tragédias. Sem as armas, teríamos, certamente, menos mortes.

Já o professor George Kelling, autor da teoria “janelas quebradas”, que originou o programa Tolerância Zero, de combate à violência nas grandes cidades dos Estados Unidos, disse, sem meias palavras, que a chave para que sua tese desse certo foi um programa específico para retirar as armas das ruas. Os níveis de violência no Brasil são comparáveis aos de zonas de guerra ou à situação em Israel e nos territórios palestinos. É o que diz, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o último relatório da Anistia Internacional. De acordo com o relatório, entre janeiro e outubro de 2002, 703 pessoas foram mortas pela polícia em São Paulo.

Como revelou a revista Época desta semana, o medo da criminalidade tem preço. Um estudo recém-concluído, feito pelo economista Ib Teixeira, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e que, desde 1995, monitora quanto o País paga no chamado “imposto-violência” - já estou encerrando, Sr. Presidente -, revela que os gastos com segurança somam cinqüenta e seis vezes o que o Governo vai gastar neste ano no programa de combate à fome.

São cinco vezes o orçamento do Ministério da Educação e quatro vezes o que todas as famílias brasileiras investem anualmente em planos de saúde; ou quarenta e seis vezes o que os brasileiros gastam com livros; ou ainda uma soma igual ao patrimônio líquido de todos os bancos do País. Em 2002, os governos federal e dos estados gastaram R$47 bilhões em segurança pública. Empresas e cidadãos comuns desembolsaram outros R$55 bilhões em guardas particulares, armas e equipamentos, que vão de câmeras a carros blindados. A soma - R$102 bilhões - corresponde a 10% do PIB, hoje. Em 1997, o gasto era menor não apenas em números absolutos, mas em proporção: 5% do PIB.

            Essa explosão foi financiada principalmente pela classe média, cada dia mais assustada com assaltos e seqüestros. O fenômeno foi batizado pela professora de arquitetura da Universidade Federal Fluminense, Sonia Ferraz, de “medievalização”. Como o Estado é incapaz de garantir a segurança dos moradores, as ruas tornam-se terra de ninguém, ao estilo das estradas da Idade Média. E os cidadãos que podem transformam suas moradias em verdadeiras fortalezas para impedir a invasão inimiga. A última moda são os “quartos do pânico”, recintos com portas blindadas para se defender de possíveis invasores. Já existem 40 mil casas no País com pelo menos um jogo dessas portas, e a procura é tanta que elas estão em falta no mercado.

O presidente de uma empresa estrangeira especializada em negociação de seqüestros calcula que, para ficar seguro em São Paulo, seja preciso gastar US$1 milhão em equipamentos. Existem hoje 60 empresas no Brasil que blindam 4 mil automóveis por ano, colocando o Brasil, como o primeiro do mundo nesse mercado. A frota nacional chega a 20 mil veículos blindados. Um modelo de blindagem, Srªs e Srs. Senadores, que, em 1996, custava US$45 mil hoje sai por US$25 mil.

            Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira dos Shopping Centers mostrou que a despesa com segurança chega a 30% do gasto fixo dos lojistas. A economia do medo está imune à crise, cresceu 55% em dois anos, apesar do difícil crescimento da nossa economia. E diversifica-se cada vez mais.

A cantora Wanessa Camargo sente a mesma angústia. Sua mãe foi assaltada três vezes. Por isso, há três anos, ela circula por São Paulo num Audi à prova de bala, acompanhada por quatro seguranças. Seu tio, Wellington Camargo, foi vítima de um dos mais longos e cruéis seqüestros do País, chegando a ter uma orelha cortada pelos bandidos. Na época, como Ministro da Justiça, coloquei os melhores homens da Polícia Federal na solução do seqüestro, o que efetivamente ocorreu, tamanha a comoção nacional.

Como se vê, a questão da criminalidade é complexa e de dificílima solução, mas, como ensina a sabedoria chinesa, “a longa caminhada começa com o primeiro passo”. Vamos dar esse passo decisivo e permitir que as gerações futuras encontrem um mundo diferente, com menos violência e mais justiça social.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado pela paciência e pela deferência. O meu objetivo é unicamente colaborar para aprofundarmos e qualificarmos um pouco esse debate.

Muito obrigado mesmo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2003 - Página 14451