Discurso durante a 74ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a crise no setor de transporte aéreo brasileiro. (Como Líder)

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Considerações sobre a crise no setor de transporte aéreo brasileiro. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2003 - Página 14982
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • GRAVIDADE, CRISE, SITUAÇÃO FINANCEIRA, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, AMEAÇA, CONTINUAÇÃO, ATENDIMENTO, USUARIO, ANALISE, CONCORRENCIA, EMPRESA, FALENCIA, DESEMPREGO, BRASIL, MUNDO, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, REESTRUTURAÇÃO, SETOR.
  • ANALISE, DIFICULDADE, CUSTO, EMPRESA DE TRANSPORTE AEREO, VINCULAÇÃO, DOLAR, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, EXPECTATIVA, RESULTADO, GRUPO DE TRABALHO, OBJETIVO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, COLABORAÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUARIA (INFRAERO), BANCO DO BRASIL, PETROBRAS DISTRIBUIDORA S/A, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a aguda crise do setor de transporte aéreo brasileiro manifesta-se na evidente dificuldade financeira das suas empresas. O prolongamento desta crise ameaçará o atendimento contínuo, regular e eficiente da demanda pelo serviço prestado pelas empresas brasileiras nos mercados doméstico e internacional. Portanto, requer que medidas de reestruturação setorial sejam implementadas com urgência.

Perto de um colapso, as companhias aéreas brasileiras ainda não manifestamente atingidas pela crise não têm condições de atender de imediato à demanda que será desassistida, e esse colapso não se restringirá somente ao âmbito empresarial, mas certamente afetará a continuidade e a regularidade da prestação do serviço público de transporte aéreo.

A crise por que passa o setor de transporte aéreo brasileiro tem aspectos comuns à crise do setor no plano internacional e aspectos específicos derivados da realidade econômica e institucional brasileira.

A desregulamentação generalizada, implementada a partir dos anos 80, levou ao acirramento selvagem da concorrência, o que resultou em expressivo aumento da oferta. A esse aumento, somou-se o efeito da concorrência de empresas menores, as chamadas “low cost, low fare” (custo baixo, tarifa baixa), capazes de fustigar as empresas maiores e de retalhar seus mercados, sem contudo substituí-las.

Para piorar a situação, por falta de regulamentação eficiente, as empresas menores passaram a operar nos aeroportos principais, gerando uma concorrência que levou empresas antes sólidas e superavitárias ao prejuízo e até mesmo à falência.

No âmbito internacional, os eventos de 11 de setembro de 2001 acentuaram os problemas do setor e afetaram sua estabilidade, não só no Brasil, mas em países de diferentes graus de desenvolvimento e tipos de inserção no mercado mundial.

Nesse contexto, governos de países das mais diversas tradições institucionais reconfirmaram sua concepção do transporte aéreo como setor estratégico e o apoiaram por meio de várias ações. Entre as ações praticadas, a destinação de recursos orçamentários a empresas privadas, participação estatal em companhias aéreas e colaboração em processos de reestruturação e consolidação empresarial foram algumas das soluções apresentadas.

Devido à retração do mercado norte-americano, principalmente após a derrubada das “torres gêmeas”, o Congresso dos Estados Unidos, recentemente, aprovou pacotes de ajuda às empresas aéreas americanas que somam pelo menos US$3 bilhões. As companhias pedem US$24 bilhões. Essa é a segunda maior injeção de recursos para o setor de aviação comercial em menos de dois anos.

Mesmo assim, nos últimos 18 meses, cerca de 100 mil trabalhadores do setor perderam o emprego, como parte das medidas adotadas por empresas para se ajustarem ao ambiente de queda de demanda e aumento de custos. Apesar das demissões em massa, no Governo americano, há críticas pelo fato de não ter havido uma grande reestruturação do setor, como, por exemplo, a inexistência de fusões.

Na Europa, a situação não é diferente. Recentemente, em abril de 2003, o Conselho de Ministros de Transporte da União Européia abriu o debate de medidas de apoio ao setor aéreo, antecipando possíveis turbulências.

No caso do Brasil, o marco regulatório vigente tem-se mostrado incapaz de conciliar os interesses e necessidades dos usuários do transporte aéreo, das empresas prestadoras do serviço e do próprio Poder Concedente. Tal incapacidade revela-se, no plano fático, como componente da crise e, no plano jurídico-institucional, pela tramitação de Projeto de Lei referente à criação da Agência Nacional de Aviação Civil - Anac.

O setor de transporte aéreo tem como principal característica o baixo nível de barreiras econômicas à entrada de capital externo, fato que pode induzir à concorrência predatória se o setor for abandonado à cegueira das leis de mercado. O elevado potencial de geração de economias de escala e de escopo, em função dos ganhos derivados da extensão das operações em rede, pode levar à concentração excessiva do poder de mercado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a forma pela qual o marco regulatório brasileiro do setor evoluiu na última década propiciou a entrada de novas frotas de aeronaves em rotas de elevada rentabilidade no curto prazo. Por outro lado, rotas menos rentáveis foram simplesmente abandonadas.

A perda da participação de empresas brasileiras nos vôos internacionais e o descontrole da capacidade instalada no mercado doméstico resultaram em um processo de desregulamentação, associado a mudanças contraditórias nas regras da aviação regional e à abertura do mercado internacional para mais empresas do que efetivamente o País tinha condições de sustentar.

Se, de um lado, tal trajetória demonstrou que o setor apresenta potencial para redução de custos, do outro, a mesma trajetória implicou a redução e reversão das margens operacionais do setor, uma vez que a capacidade instalada aumentou muito além da demanda corrente, incompatível com uma solvabilidade concentrada em certas rotas.

A forma pela qual o marco regulatório brasileiro do setor evoluiu na última década resultou numa forte compressão das margens operacionais das empresas. Isso porque a oferta foi muito maior do que a demanda corrente e ocorreu de forma desequilibrada, em termos de malha de rotas. Soma-se a isso a operação das companhias de baixo custo nos principais aeroportos e não nos periféricos, como é o regulamentado em outros países.

Os efeitos do excesso de capacidade são conhecidos: eleva-se o custo de manutenção de ativos que não geram valor; as empresas têm receio de reduzir sua oferta e perder mercado para a brutal concorrência; a guerra de preços passa a ser instrumento de busca suicida pela sobrevivência; a inflação de custos comerciais para brigar por mercado instala-se de modo autodestrutivo. A primeira grande vítima é a Transbrasil e seus mais de cinco mil funcionários. E existem outras três empresas na UTI. Tudo isso em um mercado em que se desenha uma nova concorrência e que impõe a busca obstinada de produtividade e de eficiência.

Os principais custos das empresas aéreas são o aluguel das aeronaves, sua manutenção e o querosene especial de aviação. Todos os custos são vinculados à taxa de câmbio entre o real e o dólar norte-americano, sendo, portanto, muito pouco gerenciáveis em termos unitários e em curto prazo.

Os dois primeiros são custos fixos no curto prazo, pois refletem a dimensão da frota. Seu gerenciamento é tarefa estratégica, pois envolve um dos principais instrumentos da concorrência, que é a capacidade de reagir a novas oportunidades.

Já as despesas de comercialização e as decorrentes de falhas de governança corporativa são assuntos sobre os quais as empresas do setor podem demonstrar seu interesse em dar sua cota de sacrifício no encaminhamento da solução para o setor.

Os impostos incidentes sobre as atividades das empresas aéreas apresentam as distorções criadas pelo atual regime tributário brasileiro sobre a atividade econômica em geral, acrescidas do fato de que os impostos pagos pelas empresas estrangeiras que operam no Brasil são menores do que os pagos por suas congêneres nacionais. As empresas aéreas americanas pagam 7,5% de impostos; as européias, 16%. Já as empresas brasileiras são tributadas em 35%.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o transporte aéreo brasileiro é um serviço público de elevado interesse para o País e cuja prestação é concedida exclusivamente pela União, nos termos da Constituição Federal e do Código Brasileiro de Aeronáutica, cabendo, assim, ao Poder Concedente zelar pela eficiência, segurança, continuidade e regularidade, entre outras exigências inerentes à prestação de serviço público.

O setor de transporte aéreo no Brasil é responsável por mais de 50 mil empregos diretos e produz incalculável efeito indireto sobre o emprego e a geração de renda nas mais diversas atividades, inclusive como mercado para a produção doméstica de aeronaves. O setor arrecada mais de US$ 5 bilhões por ano e mobiliza mais de 300 aeronaves de grande porte.

O setor de transporte aéreo nacional tem ainda importante papel na geração de divisas, tanto pela prestação de serviços no exterior, como pela retenção de divisas no País, de modo que a inexistência de companhia de transporte aéreo nacional que atenda substancial parcela do tráfego internacional gerado pela economia brasileira seria suprida pelas competidoras estrangeiras, onerando a conta de serviços do balanço de pagamentos.

As vendas de passagens aéreas para o exterior e do exterior para o Brasil por empresas brasileiras correspondem a uma geração de divisas superior a US$1 bilhão ao ano. Já os pagamentos realizados no exterior para atender a essas viagens não chegam a US$200 milhões por ano, o que implica uma geração líquida de divisas da ordem de US$800 a US$900 milhões por ano.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Com licença, Senador Delcídio Amaral. A Presidência vai prorrogar a sessão por mais dois minutos para que V. Exª conclua o seu pronunciamento. Obrigado.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Estou concluindo, Sr. Presidente.

O Governo Federal apóia iniciativas de consolidação do setor que apontem para a busca de racionalidade e eficiência econômicas sem prejuízo do usuário do transporte aéreo, posto que há um grande potencial de redução de custos e de otimização econômica em benefício da sustentabilidade empresarial.

Empresas aéreas não são como o mercado da esquina, que, se fechar as portas, basta atravessar a rua e comprar em outro. Assim como as empresas de energia elétrica, há sempre a necessidade de as companhias estarem preparadas para qualquer aumento no fluxo de passageiros a fim de disponibilizar um serviço adequado e de qualidade.

A adequação das companhias ao mercado é a primeira solução. A operação de compartilhamento de vôos iniciada em abril por empresas brasileiras tem apresentado resultados que indicam que a direção da fusão é a correta. Por meio do chamado code share (código de reserva compartilhado) tem sido possível aumentar a ocupação dos aviões sem deixar de oferecer transporte adequado aos usuários. Este é o objetivo a perseguir: maior eficiência e melhor atendimento ao usuário.

Do lado do Governo, brevemente será anunciado o resultado dos grupos de trabalho constituídos a partir da resolução do Conac, Conselho Nacional de Aviação Civil, em 2 de abril próximo passado. Um dos grupos ficou encarregado de apresentar um novo conjunto de regras para o setor - o chamado marco regulatório - de modo a impedir a concorrência predatória e o indesejado abuso do poder de mercado.

O Governo Federal considera que é imprescindível e urgente uma reforma compatível do marco regulatório de modo a permitir a regularidade, a continuidade e a eficiência do setor.

É preciso supervisionar a reestruturação do setor e coordenar a atuação dos entes públicos federais e privados envolvidos direta ou indiretamente na prestação do setor público de transporte aéreo. O Governo Federal adotará postura construtiva e de colaboração com qualquer pleito originado do setor que se paute pela promoção da eficiência e da sustentação de empresas e de empreendimentos economicamente viáveis.

É imprescindível também a participação ativa do Governo Federal nesse projeto, uma vez que, na execução de suas atividades correntes, as companhias de aviação estabelecem relações comerciais com entes públicos federais.

A Infraero tem o monopólio das infra-estruturas aeroportuárias, relevantes para o setor, que são totalmente controladas pela União. Sua administração já vem colaborando com as empresas do setor, nas limitações orçamentárias.

A BR Distribuidora e o Banco do Brasil são também controlados pela União, além de serem sociedades anônimas de capital aberto das mais importantes para o mercado de capitais brasileiro e para a preservação do interesse nacional em setores decisivos da atividade econômica. Ambas são chamadas a colaborar com as empresas do setor aéreo, nas melhores práticas comerciais e bancárias.

O interesse da três entidades é a sua auto-sustentação econômica e financeira de modo que possam cumprir seus objetivos estatutários e legais. Tal interesse envolve a adoção de medidas compatíveis com a manutenção de seus interesses de longo prazo.

     (O Sr. Presidente Romeu Tuma faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, estou concluindo.

            Infelizmente, apesar da orientação política da cúpula do Governo, notadamente do Ministro Viegas, que percebeu com clareza os desafios que a situação apresenta, à exceção da Infraero, não se tem observado comportamento construtivo por parte de outras empresas estatais como o Bando do Brasil e BR Distribuidora, que, na condição de credores das empresas, em vez de as ajudarem a recompor suas condições financeiras, têm reduzido sua exposição junto a elas, o que só piora a situação.

Portanto, temos de ter um espírito construtivo, pois, caso contrário, no limite de que não estamos muito distantes, tal atitude implicará o colapso de empresas.

Não se pede um favor ou o uso inconseqüente dos dinheiros públicos. Não se trata de salvar os acionistas de empresas quebradas. Trata-se de coordenar uma atuação organizada e efetiva de sobrevivência das empresas até que a fusão ocorra. Trata-se de estabelecer um conjunto de compromissos de parte a parte, de modo que a importância estratégica do setor seja afirmada como uma decisão de Estado.

O BNDES, por sua vez, ainda que não seja credor ou acionista das empresas aéreas, tem a capacidade técnica e os procedimentos necessários para que uma operação de tal magnitude e relevância seja viabilizada.

Que fique claro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que não se trata de salvar uma empresa ou seus acionistas. A situação do setor aéreo nacional aproxima-se do colapso. É todo um setor que está em jogo, não parte dele.

É mandatório que os entes públicos federais sejam instados a colaborar na consolidação do setor de transporte aéreo brasileiro e no aperfeiçoamento de seu marco regulatório, apoiando medidas empresariais e outras que busquem eficiência, regularidade e continuidade na prestação do serviço público de transporte aéreo e protejam com rigor as empresas nacionais.

Era o que tinha a dizer. Agradeço a paciência de V. Exª, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2003 - Página 14982