Discurso durante a 75ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o regime previdenciário dos servidores públicos, em razão da proposta do governo de taxar os inativos e pensionistas.

Autor
Leonel Pavan (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SC)
Nome completo: Leonel Arcangelo Pavan
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Reflexões sobre o regime previdenciário dos servidores públicos, em razão da proposta do governo de taxar os inativos e pensionistas.
Aparteantes
Efraim Morais, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/2003 - Página 15021
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • DEBATE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, PREJUIZO, FUNCIONARIO PUBLICO, ESPECIFICAÇÃO, APOSENTADO, ESCLARECIMENTOS, INJUSTIÇA, MOTIVO, DIFERENÇA, REGIME, SERVIÇO PUBLICO, REGIME GERAL DE PREVIDENCIA SOCIAL, REPUDIO, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, POSTERIORIDADE, APOSENTADORIA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, CAMPANHA ELEITORAL, REFERENCIA, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, agradeço à Senadora Ideli Salvatti, que permitiu que eu usasse o tempo destinado ao seu discurso. Hoje, falo como o segundo orador inscrito. Amanhã, estarei cedendo o meu espaço, como terceiro orador inscrito, para a nobre Senadora. Ontem, também cedi o meu espaço à Senadora Ideli Salvatti, do PT, para que pudesse fazer o seu pronunciamento referente à questão da CPI.

Sr. Presidente, a discussão da reforma da previdência social vai dominar boa parte dos debates desta Casa nos próximos dias. Aliás, este já vem sendo o principal tema abordado aqui, mas, agora, certamente, ele o será com maior brevidade, com maior entusiasmo, em função até da presença de mais de trinta mil servidores públicos em Brasília.

Entretanto, mesmo antes de essa discussão começar, Sr. Presidente, já há um claro perdedor: o servidor público, a quem se atribui boa parte das mazelas que resultam na sensação de falência do sistema previdenciário brasileiro.

O servidor público inativo vem sendo demonizado pelas falas das autoridades do Governo Federal, repetidas sem maiores cuidados pelos órgãos de imprensa. Seus direitos, conquistados após anos de trabalho, passaram a ser rotulados como privilégios. As exceções de seu regime de previdência são citadas, de forma imprópria, como se fossem regras gerais.

Para que tais injustiças não continuem acontecendo, é necessário trazer à luz algumas reflexões. É necessário restabelecer a verdade histórica sobre os regimes de previdência do setor público. Não é totalmente correto compararmos a situação dos regimes do funcionalismo público ao chamado Regime Geral da Previdência Social.

O Regime Geral é caracterizado pelo caráter contributivo, em que o valor da remuneração que o aposentado receberá no futuro está diretamente ligado às contribuições que fizeram ao longo de sua vida produtiva. O montante disponível para o pagamento dessa aposentadoria, entretanto, está relacionado, também, com a arrecadação do momento em que o benefício será pago, ou seja, o desconto do trabalhador da ativa e a contribuição patronal são compostos para pagar os aposentados naquele momento.

Os regimes próprios do funcionalismo civil e militar só recentemente, a partir de 1993, passaram a ter caráter contributivo. Até então, foram contabilizados, exclusivamente, como despesas do ente público e somados aos salários dos funcionários ativos. Usar o raciocínio do Regime Geral para avaliar o equilíbrio de contas dos regimes próprios é uma operação duvidosa, uma vez que os entes públicos no passado não agiram como empregadores normais, repassando sua parcela da contribuição para a previdência, e isso não é culpa do funcionalismo.

A aposentadoria do servidor público, civil ou militar, tem, ademais, um aspecto de prêmio, diferente da aposentadoria do Regime Geral, para a qual apenas se assegura uma renda mínima de inatividade.

O servidor aposentado continua servidor. O servidor da ativa não pode acumular cargos ou benefícios previdenciários, mesmo contribuindo para tanto, não recebe o Fundo de Garantia na passagem para a inatividade, pode ter seu benefício cassado por ato de improbidade, não tem direito a dissídio coletivo, nem participa da distribuição de lucros ou resultados. A remuneração da inatividade do servidor público é uma extensão de seu cargo, estando submetida a todas as regras que determinam os salários dos ativos, inclusive seus tetos.

Dizer que as receitas dos regimes próprios do funcionalismo não são compatíveis com as despesas mascara o fato de o número de funcionários ativos ter diminuído nos últimos tempos, por decisão dos próprios governos, que fixam o efetivo de trabalhadores. No Regime Geral, mesmo com o aumento do desemprego, o número de trabalhadores descontados cresce em termos absolutos. Tampouco é culpa dos servidores, evidentemente, se o desconto dos ativos, que sequer têm teto como o desconto do Regime Geral, não cobre as despesas dos inativos. É o resultado de uma política consciente de Estado.

Vários remédios estão sendo propostos para a Previdência, quase todos eles contra o funcionário público. A idéia de desconto do inativo nos parece absurda. Não faz sentido o aposentado ser descontado para financiar sua própria aposentadoria. Aliás, agora está sendo proposto o eufemismo, substituindo a expressão “desconto dos inativos” por “salário líquido da ativa”, que seria pago aos aposentados, o que significa que esses recebem um valor de onde já foi subtraída a contribuição previdenciária. Vão contribuir “na marra”, sem sequer serem contados como contribuintes.

A diminuição das expectativas de direito do funcionalismo acarretará, não podemos esquecer, um efeito deletério sobre a qualidade do serviço público. Com salários acumulando perdas sucessivas, que não serão repostas no curto prazo, resta muito pouco a quem quer seguir carreira pública; talvez, só a expectativa de aposentadoria integral. Lembramos que o Governo Fernando Henrique Cardoso, por intermédio da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, já alterou substancialmente os regimes próprios, corrigindo boa parte dos erros do sistema.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se ainda existem distorções na previdência do setor público, vamos identificá-las e corrigi-las, meu amigo Paulo Paim, mas sem penalizar os servidores inativos que, em sua maior parte, muito fizeram pelo País na atividade, com desprendimento, senso de responsabilidade e espírito público. Valorizar e proteger o aposentado do funcionalismo público, rejeitando a demonização, é valorizar, em última análise, o próprio serviço público como carreira e como espaço de realização de vocações, tão necessárias para o crescimento do País.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC) - Pois não, nobre Senador Paulo Paim. É um prazer imenso poder contar com o seu aparte em nosso pronunciamento.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Leonel Pavan, é uma alegria apartear V. Exª. E o faço porque, na semana passada, fiz uma provocação e V. Exª respondeu, de imediato e de forma positiva, que deveríamos aprofundar, neste plenário, o debate sobre a reforma da previdência. É exatamente o que V. Exª está fazendo neste momento. Em primeiro lugar, Senador Leonel Pavan, muitos duvidavam de que haveria hoje aqui, em Brasília, uma grande manifestação. Mais de vinte mil trabalhadores não só da área pública, mas também da área privada, coordenados pela Central Única dos Trabalhadores e por entidades dos servidores públicos, fazem um cerco positivo ao Congresso. Tenho dito que toda mobilização é legítima, e, neste momento, trabalhadores da área pública e da área privada, que têm discordâncias pontuadas quanto à reforma, fazem esse movimento. Encontro-me naquela trincheira de resistência, neste momento, Senador Pavan, daqueles que querem mudar a reforma. Não sou contrário à reforma simplesmente por não querer que ela aconteça, mas de forma pontuada. E V. Exª cita um dos pontos que têm sofrido crítica, que tenho também endossado: a contribuição dos inativos. Em relação a esse item, ao qual vou me limitar para não usar de forma exagerada o tempo do pronunciamento de V. Exª, tenho apontado o seguinte: por que não construímos aqui um grande entendimento, Senador Heráclito Fortes, como naqueles debates que travamos na Câmara dos Deputados sobre o salário mínimo? Defendíamos o salário mínimo unificado em nível nacional. Mas o pensamento vitorioso foi o de que o salário mínimo não poderia ser o mesmo numa cidade de mil habitantes e noutra de dez milhões de habitantes. Pois, neste momento, no tocante à contribuição dos inativos, faço a mesma argumentação, ouvindo o que na época acabou sendo vitorioso. Por que simplesmente não deixamos de tributar os inativos, tirando-os do texto dessa reforma e deixamos como está? Vários Municípios deste País já decidiram o que fazer com a previdência municipal, se vão tributar os inativos ou não. Vários Estados já decidiram se vão ou não tributá-los. Uns optaram por 5%, no princípio de dois por um; outros, 4%. Há uma Prefeitura no Rio Grande do Sul, por exemplo - a de Bonito, se não me engano -, que, por opção daqueles que estão mantendo seu fundo de previdência, estabeleceu 5% e paga 10%. Por que nós, em Brasília, vamos engessar esse debate e exigir que as Prefeituras passem a pagar 11%, tanto em cidades com mil habitantes quanto com 10 milhões de habitantes? O mesmo caso é a questão do servidor. Pode-se até chegar a um entendimento, nesse Estado ou naquele Município, em que o servidor possa dizer que prefere pagar um pouco mais - 8% em vez de 7% - a continuar contribuindo depois de aposentado. Acredito que esse debate, da forma como estamos fazendo, civilizada, tranqüila e equilibrada, e com os argumentos que V. Exª está usando neste momento, vai acabar fazendo com que tenhamos um grande entendimento. Estarei com o Presidente Lula, amanhã, juntamente com o Bloco governista do Senado, e levarei a Sua Excelência ponderações como essa. Com certeza, haveremos de elaborar uma proposta intermediária, que respeite os interesses dos servidores públicos e dos trabalhadores da área privada. Creio que há possibilidade, sim, de haver a aproximação de quem está sob regime geral da Previdência e de quem está no serviço público. Obrigado. Cumprimento V. Exª, porque traz o debate à Casa. É assim que vamos conduzir a proposta.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC) - Senador Paulo Paim, agradeço a V. Exª pelo aparte. Certamente, suas palavras contribuem muito para o meu pronunciamento. Cumprimento V. Exª por sua coragem, por defender o teor de seus pronunciamentos de antes das eleições. Aliás, seu discurso como Senador continua o mesmo dos anos anteriores, quando foi Deputado Federal.

Infelizmente, não posso dizer o mesmo do Governo Lula, que, buscando apoio dos servidores públicos para a eleição, disse em programas eleitorais e nos comícios, que o funcionalismo estava sendo punido pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. Conversando com alguns funcionários públicos na noite passada e hoje pela manhã, constatei e achei incrível, Sr. Presidente, como ainda estão desinformados, pois, ainda usando a camisa do Lula, estão pressionando-nos, pensando que nós, Senadores e Deputados, é que somos os responsáveis e estamos coagindo Lula a mandar esse projeto. É essa a forma como estão vendo. Deveriam pressionar Lula a retirá-lo, porque, na verdade, está havendo uma pressão sobre aqueles que não querem aprová-lo na forma como o Governo o mandou.

Estou falando dessa maneira, porque há pessoas que ainda não entenderam quem é o responsável. Acreditam que aquilo que prometeram na campanha está sendo feito agora; pensam que Lula não tem culpa. No entanto, o Governo está fazendo o que combatia no passado. Houve um discurso, e a prática está sendo outra em relação a várias questões neste País.

Disseram: Pavan, o PSDB defendia, no passado, mais ou menos o que está sendo proposto. Talvez algum Senador pense em dizer isso, mas afirmo que eu seria no PSDB o que Paulo Paim e Heloisa Helena são no PT hoje. Eu também condenaria essa prática. Aliás, o projeto está bem diferente; houve uma modificação muito grande em relação ao que se apresentou no ano passado e o que se quer agora.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, estão fazendo do funcionalismo público uma espécie de clube de futebol ou de condomínio, nos quais se faz a chamada de capital, quando se quer reformar. Em relação ao funcionalismo, estão querendo fazer uma chamada de capital até o fim de suas vidas.

Ora, poderíamos corrigir as distorções, fiscalizando os devedores. São centenas e centenas, por este País, de empresas públicas, privadas e clubes de futebol que devem para a previdência. Qual é o montante do rombo da previdência, Senador Paulo Paim? Qual é o montante que se tem de cobrar das empresas? Serão os inativos os responsáveis pelo rombo? Parece-me que Itaipu, a ponte Rio-Niterói e Brasília foram construídas com parte do dinheiro da previdência. Então, o rombo vem de anos, e, agora, para cobrir o rombo, querem cobrar um imposto do servidor público.

O Senador Leonel Pavan, que é do PSDB, sim, está nesta Casa pela vontade popular e usa o microfone hoje, para cobrar do Presidente Lula o que foi prometido em campanha eleitoral. Não sou advogado, nem tenho procuração para dizer o que aconteceu no passado. Tenho procuração do povo para cobrar o que foi prometido na eleição passada e não nos governos anteriores. Queremos que o Presidente Lula atenda, pelo menos, ao pedido do Senador Paulo Paim e da Senadora Heloisa Helena, ao pedido do PSDB, do PFL e de outros partidos, que estão lutando para que a sociedade brasileira tenha mais qualidade de vida, com base em suas conquistas de tantos anos de trabalho.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC) - Com muito prazer, concedo o aparte ao Líder da Minoria no Senado, nosso amigo Senador Efraim Morais.

 O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - Senador Leonel Pavan, inicialmente, parabenizo V. Exª pelo assunto que traz a esta Casa, principalmente o que diz respeito à contribuição previdenciária dos inativos. V. Exª testemunhou, como eu, a presença de mais de 30 mil trabalhadores e funcionários públicos em praça pública, para dizer ao Governo Lula que os tecnocratas gostam de brandir a matemática como argumento superior ao da moralidade e do direito. O Governo se preocupa muito com os números. Para que V. Exª tenha uma idéia de números - já que o Governo do PT gosta tanto deles -, os dados extraídos dos Relatórios de Execução Orçamentária do Governo Federal mostram que a despesa líquida total da União com inativos e pensionistas do serviço público, incluídos os civis e os militares, atingiu em 2002, o valor de R$25 bilhões. Veja bem: R$25 bilhões! Sabe V. Exª quanto significaria a arrecadação líquida, descontada a fração que o servidor aposentado pagaria ao Imposto de Renda? Ela não ultrapassaria R$950 milhões ao ano. O nobre Senador Paulo Paim tem razão: isso é equivalente a apenas 4% do que se propala por aí afora. Então, é preciso que o diálogo entre esta Casa e a Câmara dos Deputados aconteça, para que os Srs. Deputados tenham, realmente, coragem de mudar o texto que lá se encontra, retirando, de uma vez por todas, a cobrança dos inativos, que é um massacre àqueles que, durante toda a vida, ganharam pouco. Se compararmos o funcionário público e o trabalhador da empresa privada, o funcionário público levou a vida toda ganhando pouco para ter a sua aposentadoria integral, e, lamentavelmente, o Governo do PT, que usou o palanque, que usou o discurso para chegar ao Governo, está fazendo o discurso contrário. Parabenizo V. Exª. Estou solidário com os funcionários públicos federais, estaduais, municipais e trabalhadores brasileiros. Digo a todos os funcionários e a todos os trabalhadores deste País que ainda existem homens e mulheres que irão defendê-los. Homens e mulheres, também do PT, sim, que ainda vão estar ao nosso lado porque não têm medo do trator que está sendo passado pelo Governo, e nós estaremos aqui em defesa de uma tese positiva. Podemos avançar na reforma da previdência tirando a cobrança de 11% dos aposentados.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC) - Senador Efraim Morais, certamente esses números que V. Exª acaba de apresentar poderão ser uma luz para o Governo. Não posso acreditar que um homem que há tantos anos vem lutando para gerar emprego, para garantir direitos aos trabalhadores, agora, no poder, esquece tudo, rasga seus compromissos, esquece as suas lutas, os movimentos populares e massacra aqueles que mais trabalharam. Ainda acredito que o Governo Lula vai se sensibilizar e voltar atrás, vai atender aos nossos pedidos, aos pedidos da minoria, vai atender esse povo que tanto lutou para que o País crescesse social e economicamente.

O Presidente Lula comparecia a todas as manifestações, inclusive aqui em Brasília. Mas hoje não vi o Presidente. Não sei se Sua Excelência choraria por suas lutas ou por ver as lágrimas dos trabalhadores públicos que estão em Brasília gritando desesperados pensando justamente no futuro das suas famílias.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/2003 - Página 15021