Discurso durante a 76ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre três propostas de emendas à Constituição, de autoria de S.Exa., tratando da organização política e de reforma do Estado brasileiro.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • Considerações sobre três propostas de emendas à Constituição, de autoria de S.Exa., tratando da organização política e de reforma do Estado brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2003 - Página 15180
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, PRESENÇA, MARCELIO BOMFIM ROCHA, VEREADOR, MUNICIPIO, ARACAJU (SE), ESTADO DE SERGIPE (SE), PLENARIO, SENADO.
  • AGRADECIMENTO, SENADOR, APOIO, TRAMITAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO POLITICA, ESTADOS, ESPECIFICAÇÃO, FORMA, GOVERNO, LEGITIMIDADE, VOTO, REPRESENTAÇÃO POLITICA, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, CONGRESSO NACIONAL.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, RENOVAÇÃO, FORMA, GOVERNO, PRESERVAÇÃO, FEDERAÇÃO, REPUBLICA, FACILITAÇÃO, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, POPULAÇÃO, DEFESA, REDUÇÃO, NUMERO, FUNÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, TENTATIVA, GASTOS PUBLICOS.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, registro, em primeiro lugar, a presença de um companheiro de remotas lutas políticas no Plenário desta Casa, o Vereador Marcélio Bomfim Rocha, da cidade de Aracaju. Tive a oportunidade e a satisfação de ser o seu Prefeito.

Em segundo lugar, formulo um agradecimento às Srªs. Senadoras e aos Srs. Senadores, pela cortesia e distinção que manifestaram a este seu companheiro e colega, no apoio para tramitação de três propostas de emenda à Constituição, cujas assinaturas somam mais de 1/3, a exigência constitucional, e que estarei, ainda no dia de hoje, protocolizando aqui, nesta Casa.

Como disse no meu primeiro pronunciamento - e durante todo esse período estive trabalhando com a participação de outros companheiros, assessores do meu Partido e da Consultoria Legislativa desta Casa -, trata-se da mais importante de todas as reformas que o Brasil poderá estabelecer, a reforma do Estado brasileiro.

Cheguei à sua conclusão, transformando-a em três propostas de emenda à Constituição que versam exatamente sobre a alteração da organização política do Estado brasileiro, mais especificamente sobre o modelo de forma federativa; em segundo lugar, sobre a legitimidade do sufrágio popular; e, terceiro, sobre a representação político-partidária nos Parlamentos deste País.

Tenho certeza absoluta de que se trata de uma proposta polêmica, como todas as propostas de tentativa de mudanças, propostas que visem à transformação, à mudança do nosso Estado e até mesmo da sociedade.

Portanto, tenho convicção plena - e não poderia ser diferente - de que o pedido que fiz a V. Exªs, para assinatura dessas propostas, não se referia ao apoio sobre o mérito das mesmas. Sei que são propostas polêmicas, e que V. Exªs irão posicionar-se de acordo com suas consciências político-ideológicas. Sei plenamente que o apoio é apenas para o seu trâmite, dando oportunidade a este Senador de trazer a sua contribuição para a discussão nacional, para que essas propostas sejam apreciadas por V. Exªs e também pela sociedade brasileira.

A justificação que passo a ler - permitam-me - diz exatamente o seguinte:

O Brasil é um país grandioso, de dimensão continental, rico. A nação brasileira é constituída de um povo pobre, subdesenvolvido e de excluídos. Como entender esta contradição?

O Estado é uma idealização e criação do Homem para propiciar a felicidade de todos. Ora, se o Brasil é um Estado e é rico, por que o nosso povo é pobre? O que nos falta então, se a riqueza aí está e o Estado existe para promover o bem-estar geral?

Esta é uma indagação que persiste!

Se estabelecermos um exercício mental questionando o nosso status, não será difícil concluir que a formação e a evolução do Estado brasileiro não se deram de forma a permiti-lo cumprir o seu desiderato, e mais, que a elite dirigente deste País não teve a capacidade ou vontade cívica de implementá-lo e dirigi-lo na perspectiva da construção de uma sociedade baseada em relações justas, solidárias e fraternas.

Assim, impulsionado, tão-somente, por estes sentimentos e na condição de integrante da classe política deste País, venho apresentar à discussão do Congresso e de toda a sociedade essa proposta de ALTERAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DO ESTADO BRASILEIRO, na certeza de que não nos faltarão vontade política, coragem, determinação, desprendimento e patriotismo suficientes para levarmos adiante a empreitada de darmos ao País os instrumentos políticos de Estado necessários a que este proporcione a felicidade ao povo, através do desenvolvimento econômico e social, transformando o Brasil em uma grande nação, onde se pratique a justiça social.

A proposta apresentada tem por base a mudança na forma federativa de organização do Estado brasileiro, pois o modelo ora vigente se ajusta mais à forma de Estado Unitário, centralizador, não compatível com as características do nosso País diante da grande extensão territorial, diversidade de costumes, condições sociais, econômicas e culturais que impõem a necessidade de um modelo descentralizado, que respeite as especificidades regionais e, ao mesmo tempo, não tolha a capacidade criadora do povo brasileiro que, por certo, em qualquer rincão deste País em que se encontre, terá melhores condições e capacidade de legislar e tomar decisões mais acertadas em favor da sua região e do seu povo, por melhor conhecer a realidade local.

O federalismo brasileiro, sabe-se, foi formado por desagregação. Partimos de um Estado unitário, monárquico, centralizador e absolutista para, após a implantação da República, passar a lentamente transferir, ainda hoje de forma acanhada, competências às unidades federadas.

Em contraste com a formação do federalismo norte-americano, definido como formado por agregação das treze colônias, que praticavam poderes de soberania estatal, Janice Helena Ferreri anota que o federalismo brasileiro se fez a partir de um Estado unitário, que se desmembrou, e não de uma confederação que se dissolveu, como nos Estados Unidos, paradigma de todos os sistemas federativos constitucionais. Talvez pelo fato de Rui Barbosa ter se inspirado no modelo norte-americano para introduzir na Constituição Republicana a forma federativa é que tenha havido o desencontro da realidade com a Constituição (A Federação, in Por uma Nova Federação, Revista dos Tribunais, 1995, São Paulo, p.27). Essa mesma autora, adiante, assenta no erro fundamental de origem do modelo brasileiro que foi a construção, aqui, de um federalismo absolutamente irreal (idem, p. 28).

Não obstante a lentidão, sob a atual Carta da República, esse processo descentralizador avançou, e dentre as inovações mais contundentes estão as novas regras de tributação e repartição tributária; o incremento da competência legislativa dos Estados e dos Municípios; a ascensão do Município à condição de entidade federativa; a atribuição de competência legislativa ao Distrito Federal e de sua chefia do Poder Executivo eletiva; nova repartição de competências administrativas.

No plano da distribuição de competência, o modelo brasileiro partiu e se inspirou no germânico, na técnica de atribuição de poderes expressos à União e dos residuais aos Estados, tendo como nota típica do sistema atual no Brasil o reconhecimento de competência expressa e supletiva aos Municípios.

Apesar de clara, a evolução representada pela Carta vigente ficou longe da ideal e, nos tempos presentes, resta evidente a superação do modelo federativo adotado pelo Constituinte originário de 1987-88. Estados e Municípios debatem-se para libertar-se dos freios constitucionais que os impedem de enfrentar com eficiência as respectivas demandas e peculiaridades.

É de se recuperar, aqui, lição histórica do professor Celso Bastos a propósito do então inicial estágio de elaboração da nova Constituição brasileira. Dizia o eminente mestre paulista que o que se impõe, pois, é que a Constituinte dê aplicação ao princípio segundo o qual nenhum serviço pode ser prestado por entidade de nível superior quando tiver condições de o ser por governo de nível inferior. Assim o Município deve preferir aos Estados e à União, da mesma forma que os Estados devem preferir à União (Os Caminhos de uma Constituição, Seleções Jurídicas, ADV/COAD, 1987, São Paulo, p. 10).

Ignorar essa límpida lição, que representaria, em 1988, um golpe no centralismo federal e na ortodoxia contaminada pelo unitarismo, custou à Constituição vigente o se submeter a um processo de acelerado envelhecimento federativo e ao comprometimento de sua legitimidade.

De toda sorte, a evolução normativa não se fez acompanhar da evolução institucional, cultural e federativa. A cultura de centralização federal, a apressada atribuição de competências à União, a formação jurisprudencial excessivamente centralizadora, tudo converge para que sejam estreitadas as veredas de exercício efetivo da autonomia federativa no Brasil.

O Supremo Tribunal Federal, como intérprete máximo da ordem constitucional vigente, e obviamente jungido pelos termos da Carta da República, não tem opção quanto à impugnação das normas jurídicas estaduais, distritais e municipais que desbordem dos já tímidos limites das respectivas ações estatais. E, nessa moldura jurídico-constitucional, abundam as declarações de inconstitucionalidade formal dessas legislações, ou por extrapolarem os limites que lhes são franqueados pela Carta Magna ou por experimentarem modelos novos de ação estatal que quebram a simetria férrea com o aparelho estatal da União que lhes vem sendo imposta, cuja simetria descaracteriza o modelo federativo que deve atribuir aos Estados e Municípios a autonomia para autogovernar-se.

Sob a vigente Constituição Federal, assim, e à guisa de exemplo, decidiu o Supremo Tribunal Federal que é inconstitucional lei estadual que pretenda corrigir limites territoriais de Municípios pela subtração de parte de território de Município adjacente, porque a Constituição Federal, no art. 18, § 4º, exige plebiscito prévio (ADIMC 2632, de 7/11/2002).

Há muitos outros exemplos de decisões do Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido de tornar inconstitucionais normas legislativas deliberadas pelas assembléias legislativas e pelas câmaras de vereadores.

Emergem dessa linha jurisprudencial clara de nossa Corte Constitucional pelo menos duas conclusões necessárias.

A primeira é que, efetivamente, a repartição constitucional de competência no âmbito da República Federativa do Brasil já deixou, há muito, de ser satisfatória para o enfrentamento da cada vez mais complexa realidade nacional, a cuja amplitude se somam, como fatores complicadores, as peculiaridades regionais e a notória insuficiência - às vezes incompetência - do aparelho da União para responder a esses novos desafios.

A segunda, que surge da própria observação do número de casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal relativos à matéria, é que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vêm investindo decididamente contra essas amarras, tentando, a golpes de realismo federativo explícito, assumir um feixe de competências que lhes permita responder efetivamente ao incremento das demandas locais e regionais dos últimos anos.

Há uma inspiração histórica nesse movimento de busca de competências.

J. H. Meirelles Teixeira, a propósito da descentralização como tábua de salvação do federalismo, preleciona que a participação plena do povo na vida política exigia, portanto, a descentralização. Garantia-se, assim, não só a liberdade, a independência política frente ao poder central acaso despótico, mas também a eficiência, a qualidade da administração dos interesses locais entregues a cidadãos da localidade, responsáveis pelo direto contato com os seus concidadãos, todos igualmente interessados na melhor solução dos problemas da comunidade (Curso de Direito Constitucional, Forense Universitária, 1991, p. 608).

Anna Cândida da Cunha Ferraz reconhece que a descentralização modelada pelo federalismo, se bem equilibrada, possibilita maior eficiência à ação governamental nos diferentes níveis de poder (União, Estado e Município na Constituição Federal: Competências e Limites; Cadernos Fundap, São Paulo, 1988, p.42).

Porque a repartição de competências constitui o núcleo da idéia de Federação (Dinorá Adelaide Musetti Grotti, Perspectivas para o Federalismo, in Por uma Federação, cit. p.152); porque a descentralização é, como se viu acima, a fórmula de atuação e de redenção do federalismo brasileiro, é que se pretende, com a presente proposta de emenda à Constituição, uma redefinição da Federação brasileira.

Temos para nós que essa redefinição federativa é fundamental para que se recupere, no Brasil, a plenitude da ação estatal, da eficiência do aparelho público, da resposta efetiva às demandas sociais. Em síntese, trata-se, aqui, de redesenhar a assimetria do federalismo brasileiro, conforme definido por Dircêo Torrecillas Ramos (O Federalismo Assimétrico, Forense, Rio de Janeiro, 2000).

A razão por trás da iniciativa de reformar o federalismo brasileiro se assenta na percepção, já mencionada, de que há um nítido represamento no nosso modelo, e que isso, presentemente, gera a ineficiência perigosa da ação estatal e, no futuro, poderá comprometer a própria Federação. É nessa linha que raciocina Fernando Luiz Abrucio quando anota que “toda federação tem como ponto de partida a existência de heterogeneidade, que divide e torna mais complexa a governabilidade de um país, de modo que, se for adotado um sistema unitário, no mínimo haverá um represamento de demandas que, mais dia ou menos dia, irão irromper perigosamente no cenário político”.

Essas heterogeneidades podem ser territoriais (grande extensão e/ou enorme diversidade física), lingüísticas, étnicas, socioeconômicas (desigualdades regionais), culturais e políticas (diferenças no processo de formação das elites e constituição de uma forte rivalidade entre elas). A adoção do federalismo vincula-se à crença na sua capacidade em lidar com essas heterogeneidades (A Reconstrução das Funções Governamentais no Federalismo Brasileiro, Federalismo na Alemanha e no Brasil, Konrad Adenauer Stiftung, nº 22, p. 97 - grifamos).

O federalismo brasileiro convive com esse perigo. A heterogeneidade do Brasil real já não mais encontra eco na normatividade constitucional da Federação. A excessiva concentração de poderes em Brasília oferece resposta tímida às demandas municipais e estaduais, em inúmeros casos fortemente distanciadas da realidade e da necessidade.

O federalismo de papel que desenhamos precisa ser renovado com urgência, sob pena de se comprometer tanto a Federação quanto a República.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho plena consciência de que esta proposta é estrutural; não se trata de uma proposta conjuntural. Daí entender que a reforma do Estado brasileiro deveria ser a primeira entre todas as reformas, para que pudéssemos definir, em primeiro lugar, que tipo de Estado e de Federação desejamos verificar no Brasil, na Nação brasileira, para então, em segundo lugar, estabelecer a discussão e a deliberação das outras reformas que são conjunturais.

Portanto, ao apresentar estas três propostas de emenda à Constituição, espero que esta Casa, o Senado Federal, tome a iniciativa da discussão da reforma política, da reforma do Estado brasileiro, da reforma da Federação e da reforma eleitoral e partidária no plano constitucional, já que algumas propostas de reforma eleitoral partidária tramitam no Congresso Nacional.

Quero, portanto, conclamar todas as Srªs Senadoras, todos os Srs. Senadores e a sociedade brasileira, no sentido de abrirmos espaço e estabelecermos a agenda desta Casa, já que as outras reformas se encontram em tramitação na Câmara dos Deputados. E que esta Casa, pela história e tradição que possui, estabeleça a discussão da reforma política, para vermos a transformação do Brasil, que é um País rico, em uma Nação poderosa.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. Fazendo soar a campainha.) - Senador Almeida Lima, peço a V. Exª que conclua o seu pronunciamento.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Sr. Presidente, peço a V. Exª apenas um minuto para a conclusão do meu raciocínio.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - V. Exª dispõe de um minuto para concluí-lo.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Agradecendo a V. Exª, às Srªs e aos Srs. Sendores, quero informar que esta é uma apresentação de forma genérica, não específica, mas me encontro inscrito para a sessão ordinária de amanhã, sexta-feira, em que terei a oportunidade de começar a dissecar, um por um, os temas aqui tratados, iniciando pela legitimidade do exercício da soberania, com uma proposta de reforma envolvendo aspectos vinculados à Justiça Eleitoral do nosso País. E aí poderei prosseguir com a questão da descentralização de competência, inclusive legislativa, e, posteriormente, com a redução de cargos, do número de vagas em todos os Parlamentos deste País, por entender que o Estado deve estar presente na economia de forma mais larga, mas que é preciso um Estado diminuto como instituição, como aparelho estatal, para que os recursos do povo brasileiro não sejam aplicados na atividade-meio, no aparelho estatal, mas nas suas atividades-fim.

Obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2003 - Página 15180