Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Implantação da escola integral como forma de prevenção da criminalidade. (Como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. EDUCAÇÃO. JOGO DE AZAR.:
  • Implantação da escola integral como forma de prevenção da criminalidade. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2003 - Página 15862
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. EDUCAÇÃO. JOGO DE AZAR.
Indexação
  • NECESSIDADE, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, SEGURANÇA PUBLICA, REPETIÇÃO, PLANO NACIONAL, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RETROCESSÃO, INEFICACIA, CONTROLE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SEMELHANÇA, GUERRA CIVIL.
  • DEFESA, UNIFICAÇÃO, POLICIA CIVIL, POLICIA MILITAR, CRITICA, INFERIORIDADE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CUSTEIO.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, CODIGO PENAL, CODIGO DE PROCESSO PENAL, COMBATE, IMPUNIDADE, REESTRUTURAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, COLABORAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, EXAME, PROPOSIÇÃO, BENEFICIO, SEGURANÇA PUBLICA.
  • IMPORTANCIA, UTILIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, PREVENÇÃO, CRIME, DROGA, APOIO, PROPOSTA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ESCOLA PUBLICA, TEMPO INTEGRAL, PROTEÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, AMPLIAÇÃO, FORMAÇÃO, ATENDIMENTO.
  • DEFESA, LEGALIDADE, JOGO DE AZAR, OBTENÇÃO, RECURSOS, FINANCIAMENTO, ESCOLA PUBLICA, TEMPO INTEGRAL, CRIAÇÃO, EMPREGO, CASSINO, AUMENTO, ARRECADAÇÃO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo” - Darcy Ribeiro.

O Brasil vai vencer o crime organizado quando tomar duas providências: redefinir o modelo de Segurança Pública e instituir a Escola em Tempo Integral. A primeira contempla uma ampla reforma legislativa e visa o fortalecimento da função estatal. A segunda constitui-se em elemento seguro de prevenção à criminalidade.

O Governo do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, atua de forma episódica nos assuntos de Segurança Pública. A cada caso de extremo clamor, são emitidos arroubos salvacionistas, mas, infelizmente, não houve a manifestação sistematizada por parte do Ministério da Justiça de um projeto consistente no setor. Tenho consciência de que a tarefa é árdua, envolve complexa engenharia jurídica e vai demandar o dispêndio de enorme capital político para diluir as imposições corporativas das instituições afins. Mas, seis meses após a posse do Presidente Lula, não há nada de novo no ar.

Falando francamente, o Sistema Único de Segurança Pública esboçado pelo Governo Lula é rigorosamente o “mesmo soldado em farda de gala”, ou seja, reproduz de forma piorada as diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Gostaria muito de me congratular com mais esta guinada do Partido dos Trabalhadores ao centro, mas, neste caso, a posição conservadora é mãe do retrocesso.

À época da formulação do Plano Nacional, eu era Secretário da Segurança Pública e Justiça de Goiás, participei ativamente dos trabalhos e pude registrar, reiteradas vezes, ao então Ministro da Justiça, José Gregori, e ao Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, General Alberto Cardoso, que estávamos colocando “remendo novo em vestido velho”. Insisti que a propugnada integração policial era um placebo e que era preciso avançar no sentido da constituição de uma Polícia Única.

A integração das Polícias pretendida pelo Ministério da Justiça possui pouca prática. É uma ilusão imaginar que as Polícias Civil e Militar vão purgar as suas diferenças por intermédio de Academias e Corregedorias unificadas. Na vida real, não basta assinar um decreto com o autorizo de comando único das corporações ao Secretário da Segurança Pública para que a liderança efetiva se consolide. E duvido muito, a se considerarem o traço estrutural e os vícios de comportamento de cada instituição, que haverá compartilhamento das informações de segurança apenas com intenções formais.

Na ocasião, argumentei que era imperioso o comparecimento da União no custeio do setor. Os Estados, sozinhos, são incapazes de financiar o socorro a um problema de escala internacional e que fere a soberania do País. No entanto, o Ministério da Justiça possui, neste ano, R$424 milhões, sendo que parte do recurso ainda está contingenciado para investir em segurança. Ora, Srªs e Srs. Senadores, isto é troco orçamentário.

Há uma compreensível impaciência da sociedade com a falta de reação do Estado brasileiro. Como muito bem asseverou aqui um Senador decano, o Brasil está no limiar de uma guerra civil. Eu estou falando que os narcotraficantes possuem condições objetivas de organizar milícias armadas neste País: possuem dinheiro, equipamento militar e pessoal facilmente recrutável. Além de a improvisação ser uma marca do Estado brasileiro, também a hipocrisia é imanente ao oficial. Será que a organização de comandos criminosos, o enfrentamento bélico das forças policiais, o domínio útil dos presídios e o extermínio de jornalistas e magistrados não são atos de beligerância?

A Reforma da Tranqüilidade Pública é inadiável, e esta Casa tem a responsabilidade de fazê-la; do contrário, o brasileiro vai, primeiro, reconhecer que somos espécie de “marido omisso”, depois, com justa razão, supor a nossa conivência com o crime organizado. A Reforma colima o objetivo de soerguer o Estado brasileiro para garantir a satisfação da pessoa de bem, e se propaga em três direções do processo legislativo: 1) definição de um novo modelo de estruturação policial a partir do conceito de unificação das corporações civis e militares; 2) reforma dos estatutos penais e processuais penais com vista ao endurecimento aos delitos de grande potencial ofensivo e aos crimes vinculados às atividades do crime organizado; 3) alteração do perfil constitucional das Forças Armadas com a finalidade de inseri-las na missão de Segurança Pública, especialmente no trato com o crime organizado.

O Congresso Nacional está examinando um pacote de 17 proposições, entre Proposta de Emenda Constitucional e Projetos de Lei, que aperta um pouco o nó do ordenamento penal frouxo em vigor. São matérias relevantes, como a chamada Lei do Crime Organizado, que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça desta Casa. Há o projeto de lei que trata dos crimes de corrupção ativa e passiva; a Lei de Lavagem de Dinheiro; a lei que institui o Fundo Nacional de Segurança Pública; a que dispõe sobre o Sistema Nacional Antidrogas, entre outras.

Srªs e Srs. Senadores, as iniciativas são muitas e demonstram a responsabilidade do Congresso Nacional com a elevação da taxa de eficiência do Estado na prestação do serviço de Segurança pública e de moralização deste País. As propostas confirmam que o Parlamento desde já chamou a si o dever de defender a sociedade honesta, amparar as vítimas, limpar as Polícias e enfrentar as organizações criminosas. Nos próximos dias 24 a 26, a Câmara dos Deputados promove a Semana da Segurança Pública, quando as maiores autoridades na matéria demonstrarão que tudo pode piorar bastante em matéria de tranqüilidade do cidadão.

Sr. Presidente, acredito que será de boa providência da Câmara dos Deputados e do Senado aproveitarem o momento e fazer, efetivamente, a Reforma da Tranqüilidade Pública. Esta Legislatura não pode olvidar de construir um estatuto jurídico capaz de dar sustentação ao Estado brasileiro para derrotar o crime organizado. O passivo social provocado pela insegurança e a violência é talvez mais asfixiante do que a carga tributária ou o déficit controverso da Previdência.

Não se iludam, Srªs e Srs. Senadores, o narcotráfico expande-se a uma velocidade e força que o Brasil não é capaz de resistir com a configuração dos instrumentos legais de repressão disponíveis. Mesmo porque, é muito importante que se diga, conforme sobejamente noticia a imprensa, é evidente o índice de contaminação das autoridades brasileiras com a modalidade criminosa.

Observem que a Segurança Pública é um serviço bastante oneroso e consagra uma atividade de controle permanente, principalmente quando não são praticadas medidas preventivas à propagação do crime e da violência. Durante o meu mandato de Procurador-Geral de Justiça e quando dirigi a Secretaria de Segurança Pública de Goiás pude, infelizmente, reconhecer que os policiais mais abnegados muitas vezes “enxugavam gelo”, uma vez que a força multiplicadora do delito era irresistível.

Não existe mecanismo de prevenção à atividade criminosa mais eficiente do que a educação. No Brasil, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, foi realizado o maior esforço de inserção escolar que se teve notícia na história deste País. Hoje o Ministério da Educação é comandado por um educador renomado e competente, o Ministro Cristovam Buarque, mas, conforme reconhece o ministro, é preciso avançar no sentido de instituir a Escola em Tempo Integral.

Quando se argumenta o modelo escolar logo se imagina a dupla jornada do ensino fundamental, mas a carga horária é apenas um detalhe. O paradigma de educação encerra a idéia da proteção integral da criança e do adolescente. Ao permanecer no ambiente escolar em dois turnos, receber educação formal, reforço escolar, alimentação, atividade esportiva, ofício religioso, desenvolvimento artístico e compreensão da informática, o aluno é preservado do ambiente deletério das ruas.

Um país como o Brasil, imerso desdouro do Terceiro Mundo, onde, conforme asseverava o antropólogo e ex-Senador Darcy Ribeiro, “não existe nenhum porco abandonado, mas milhares de crianças comendo lixo”, não pode prescindir de uma instituição escolar total. A ideologia da escola em tempo integral é de ministrar educação de alta resolutividade ao lado da preservação do aluno das tentações das drogas, do delito, do trabalho precoce, da violência familiar e da corrupção moral. A escola precisa ser um ente protetor por excelência e criar um ambiente no qual o aluno vai estar imune ao cotidiano contaminado e perverso das drogas. A idéia é retirar a criança e o adolescente das mãos do traficante e entregá-la às mãos do professor.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prescreve, de maneira tímida, a instituição da Escola em Tempo Integral. Na Câmara dos Deputados, três projetos de lei dispondo sobre a matéria tramitaram sem sucesso na legislatura passada e, no Senado, encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos projeto de lei que propõe destinar parte dos recursos do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza à Escola em Tempo Integral.

Desde 1925, o grande educador brasileiro Anísio Teixeira já defendia a criação do modelo educacional destinado à formação total do aluno. Em 1950, inclusive, na Bahia, conseguiu implantar o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, composto de quatro escolas-classe e uma escola-parque destinadas às classes populares e com a finalidade de “proporcionar ao aluno oportunidades para desenvolver a iniciativa, a autonomia, a cooperação, a responsabilidade e o respeito a si mesmo e aos outros”. Na concepção original de Brasília era previsto o projeto de Teixeira em todas as quadras, mas a iniciativa não foi adiante, como também não prosperaram os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), no Rio de Janeiro.

Certamente, os erros do passado podem muito nos ensinar a corrigir rumos. Percebo o firme propósito do Ministro da Educação em instituir a Escola em Tempo Integral e reconheço as dificuldades orçamentárias que impedem a sua implementação. De acordo com o Dr. Cristovam Buarque, são necessários dois bilhões de reais por ano para que se consiga contemplar toda a rede nacional de ensino fundamental até o ano de 2010. Infelizmente, o Brasil não pode esperar e precisa encontrar meios de financiamento capazes de encurtar o tempo.

Srªs e Srs. Senadores, acredito que uma maneira de obter os recursos suficientes para a instituição da Escola em Tempo Integral é a legalização de todas as modalidades de jogos de azar. Eu, particularmente, sou avesso a tal conduta, não me agrada o ambiente dos cassinos, mas tenho de reconhecer que uma tremenda hipocrisia domina o tratamento que se dá à matéria no Brasil.

Neste País a jogatina atua em escala industrial, com controle débil, alimenta a corrupção policial, a corrupção judiciária e a corrupção política, causando perdas incomensuráveis de receita tributária. Enquanto o cassino-empreendimento é formalmente proibido, na rede mundial de computadores, milhares de sites, operados a partir da Costa Rica oferecem toda modalidade de jogo virtual sem qualquer critério. No Brasil, atuam clandestinamente alguma coisa próxima de 500 mil máquinas caça-níqueis. É mais que nos Estados Unidos, onde existem 434 cassinos.

O Brasil pode legalizar e controlar a atividade por intermédio de uma legislação rígida e um órgão de gestão insuspeito, como ocorre no modelo americano, formado pelo Ministério Público, Receita Federal, Polícia Federal e empresários afins. Somente o segmento do cassino planeja investir no Brasil aproximadamente US$1,5 bilhão, gerar mais de uma centena de milhares de empregos e produzir uma receita fiscal capaz de praticamente financiar a Escola em Tempo Integral. Nos Estados Unidos, em 2001, de acordo com dados da Agência Estatal de Regulação dos Jogos, o recolhimento tributário do setor alcançou a cifra de US$3,6 bilhões. Naturalmente que o mercado brasileiro vai gerar receita bem mais tímida, mas, com certeza, capaz de financiar o desafio educacional deste País.

Não estou falando em nada de inusitado. O Brasil já utiliza o dinheiro do jogo legal para subsidiar o estudante universitário pobre e os atletas olímpicos brasileiros. De acordo com o balanço do ano passado da Caixa Econômica Federal, as loterias administradas pela União repassaram R$1,3 bilhão, fora a geração de R$386,4 milhões em Imposto de Renda e a transferência de R$940,7 milhões para a constituição do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Penitenciário, custeio da Seguridade Social, do Crédito Educativo, dos clubes de futebol, da Secretaria Nacional de Esportes e do Comitê Olímpico Nacional.

Srªs e Srs. Senadores, a Escola em Tempo Integral pode ser realizada, é o mecanismo mais eficiente para a prevenção da criminalidade e o custeio da instituição é legítimo. Este País poderá fazer um esforço civilizatório suficiente para que deixemos de ser uma nação lamuriante e subalterna.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2003 - Página 15862