Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Polêmica em torno das críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Repúdio às comparações feitas pelo Presidente Lula entre os salários do funcionalismo público e os salários dos trabalhadores da iniciativa privada para efeito dos benefícios da Previdência.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Polêmica em torno das críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Repúdio às comparações feitas pelo Presidente Lula entre os salários do funcionalismo público e os salários dos trabalhadores da iniciativa privada para efeito dos benefícios da Previdência.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2003 - Página 15883
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ERRO, OPOSIÇÃO, TRABALHADOR, SERVIÇO PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, PREJUIZO, DEBATE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, AUSENCIA, BENEFICIO, TRABALHADOR, BAIXA RENDA, PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, AUMENTO, IDADE, APOSENTADORIA, DESEQUILIBRIO, ESTRUTURAÇÃO, SERVIÇO PUBLICO, EFEITO, PERDA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, SUPERIORIDADE, SALARIO, CONTRADIÇÃO, ENCAMINHAMENTO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DEFINIÇÃO, VALOR, AUSENCIA, MOBILIZAÇÃO, PRESIDENTE, PODERES CONSTITUCIONAIS, UNIFICAÇÃO, LIMITAÇÃO, VENCIMENTOS, SERVIÇO PUBLICO.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, foi motivo de debate nesta Casa a polêmica entre as declarações dadas tanto pelo nosso Presidente Lula, como pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Eu até compreendo que o Presidente Lula tenha respondido com muito vigor à demagogia patrocinada pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, até porque autoridade, efetivamente, é o que S. Exª não tem para fazer crítica ao Governo Lula, especialmente no campo da política macroeconômica ou de desenvolvimento de políticas públicas, sociais.

Entretanto, o nosso Presidente, sem dúvida alguma, a maior liderança popular do País e da América Latina, no debate que fez ontem, enveredou por caminhos absolutamente impróprios, que não correspondem à verdade. Primeiro, porque Sua Excelência disse uma frase, da qual toda a imprensa hoje fala - embora seja inapropriado afirmar que o tenha feito com vigor moralista -, sobre os supersalários, mais uma vez, jogando os trabalhadores do setor público contra os do setor privado, quando compara um cortador de cana com um professor universitário.

Não existe nada de ruim nessa comparação. Como professora universitária, não me sinto nem um pouco desprestigiada ao ser comparada com os cortadores de cana, por dois motivos: inicialmente, porque a primeira agressão física covarde e truculenta que tive fora de casa ou o primeiro espancamento que sofri foi justamente por defender os cortadores de cana - pois minha mãe, também trabalhadora rural, analfabeta, ficou órfã com 14 anos de idade e criou os 11 irmãos no cabo da enxada. Mas o que existe de extremamente grave e demagógico na declaração do nosso querido companheiro Presidente é a disputa que estabelece para a opinião pública entre o cortador de cana e o professor universitário, portanto, o servidor público - o que me obriga a trazer, mais uma vez, a esta Casa o debate sobre a reforma da Previdência.

Sei que o nosso querido companheiro, Senador Paulo Paim, tem dado uma maravilhosa contribuição ao povo brasileiro, ao tratar, de forma qualificada, desse assunto, mas não poderia deixar de mencioná-lo novamente, já que membros do Governo insistem em fazer essa disputa entre os trabalhadores do setor privado e os do setor público. Primeiro, é importante que povo brasileiro saiba, que essa tal proposta de reforma da Previdência que está no Congresso Nacional não faz nada pelos pobres, nada! Ela não faz nada pelo trabalhador rural, pelo cortador de cana, pelo garçom, pelo catador de lixo. Ao contrário, preserva a maldita injustiça que é obrigar o filho da pobreza, trabalhador da iniciativa privada, que entra mais cedo no mercado de trabalho, é bóia-fria, sai mais cedo de casa e tem salários absolutamente desumanos, a trabalhar mais dez anos para não ter um corte de até 45% em sua aposentadoria.

Então, a verdade tem que ser estabelecida: essa proposta de reforma da Previdência pune o pobre, porque mantém a injustiça e atinge o setor público, justamente o que atende a pobreza. 

Na hora do parto, a mulher pobre, Senadora Íris de Araújo, não é como V. Exª, nem como eu, que temos acesso a um seguro-saúde, a um amigo médico no hospital; as filhas da pobreza têm como única alternativa o serviço de saúde pública. E o que essa proposta de reforma da Previdência está fazendo, na área de educação, saúde e segurança pública, para quem ganha pouco, para quem recebe R$300,00 no interior do Piauí, Senador Mão Santa, ou de Alagoas e São Paulo; para a professora que agüenta 50 meninos de manhã e à tarde; para quem está no pronto-socorro; para quem trabalha com segurança pública; para quem está desenvolvendo tarefas que são a única referência para os filhos da pobreza? O filho do pobre precisa de educação pública. Essa proposta de reforma da Previdência está promovendo a maior desestruturação do setor público nunca vista neste País. Mexer no setor público é fácil, é muito fácil, difícil é mexer em banqueiro!

E qual é a outra gravíssima declaração do Presidente? Afirmar que não admite que 40 milhões não tenham emprego formal e que alguém ganhe R$17.000,00. Só que quem legitimou o salário de R$17.000,00 foi o nosso Presidente! Foi o nosso Presidente que disse que R$17.000,00 é legítimo, é moral, quando encaminhou, no art. 10 da Proposta de Emenda Constitucional, que o maior salário é justamente o maior valor de remuneração atribuída ao Ministro do Supremo Tribunal Federal. Existia, inclusive, o debate nesta Casa. O Senador Paulo Paim, vários Senadores e Deputados diziam que o maior salário deveria ser o do Presidente, de R$8.000,00; mas foi o nosso Presidente da República que encaminhou uma Proposta de Emenda Constitucional dizendo que R$17.000,00 deveria ser o maior salário. Não foram os trabalhadores do setor público, não foram os servidores públicos, não foi o Congresso Nacional; pelo contrário, estaremos no Congresso Nacional fazendo um esforço gigantesco para retirar essas injustiças. O que não existe, infelizmente, neste País, é coragem política para definir o teto salarial como possibilita a Constituição. É preciso acabar com essa demagogia de supersalário, de ficar falando de supersalário. Tem que reunir o Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Presidente desta Casa e estabelecer o teto salarial. Por que não fazem isso? Juntem-se os três, porque cabe a S. Exªs, e não ao Congresso Nacional, discutir o teto salarial. É o desafio que deixo. Desafio que estabeleçam aquilo que possibilita a Constituição, que é definir o teto salarial.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Heloisa Helena, V. Exª me concede um aparte?

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Pois não, Senador Mão Santa, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Eu e o País todo estamos vibrando com a sua fala, pela coragem, e quero acrescentar a minha observação histórica: a mulher sempre teve mais coragem do que o homem. Senão, vejamos o maior drama da humanidade, que, nos parece, foi a crucificação de Cristo, quando todos os homens falharam: Anás, Caifás, Pilatos...

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - E as três Marias ficaram.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - As três Marias, e a Senadora Heloísa Helena revive isso, e é Cristo que está ensinando: “Comerás o pão com o suor do teu rosto”. Esse problema de salário é o mais importante a ser discutido, a maior vergonha e nódoa deste País é a injustiça. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”. É a injustiça salarial, é a concentração de renda. Neste Governo como no passado, cada vez os ricos estão mais ricos e os pobres, mais pobres. É uma matemática elementar, os países estão aí, a globalização, que não é só de vinho, de perfume, de Internet, mas de justiça. Nenhum país tem diferença tão grande entre o menor e o maior salário. Pede-se R$240,00 o que é uma vergonha! Isso não dá nem para rezar o Pai-Nosso - o melhor discurso de Cristo. Isso não dá para o pão de cada dia da família. A família tem que ter dignidade, tem que ter o lar, tem que ter saúde, educação e lazer. De todas as filosofias do nosso Presidente Lula a mais bela que eu ouvi, anos atrás, foi quando Sua Excelência disse que o trabalhador e o operário têm que ter dinheiro para, no final da semana, tomar uma cervejinha com sua mulher, com sua família. Esse dinheirinho, R$240,00 não vai dar nem para a cesta. O cálculo elementar da matemática Trajano, que até eu sei, sou médico e não sei muito, como o Antonio Palocci não sabe muita matemática, porque médico não se dedica muito a essa disciplina, mas o elementar nós sabemos. Por exemplo, 240 vezes 10 é igual a 2400; 240 vezes 100 é igual a 24.000 mil. Disponho de muitos contracheques em meu gabinete com valores de mais de R$30.000,00, não são só R$17.000,00. Foram fazendo artifícios para ganhar isso. Assim, este é um País em que a diferença entre o menor e o maior salário é de 150 vezes. Isso é um pecado. Está na hora de acabarmos com isso. Quero crer que essa sua palavra revive o maior Líder dos homens que diz: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”. E o brasileiro está com fome e a hora é essa de corrigir o salário e a previdência social, que é uma luta e uma conquista. Juscelino disse: a velhice é muito triste e ela desamparada é uma infelicidade enorme. Então, vamos defender os aposentados.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Mão Santa, até porque V. Exª e todos nós sabemos que quando um servidor público é “homenageado” com um super-salário ou com a possibilidade de não trabalhar, com certeza é porque tem um político vigarista por trás lhe dando sustentação. Não é o que acontece com a maioria dos servidores públicos deste País, tanto aqueles que desenvolvem tarefas que são exclusivas do aparelho do Estado, seja civil, seja militar, como aqueles que embora não desenvolvam tarefas exclusivas de um aparelho de Estado, porque o setor privado também as desenvolve, mas quando ele os faz, especialmente na área de saúde, educação e segurança pública, é a única alternativa para milhões de pobres e miseráveis deste País.

Portanto, Srª Presidente, eu não poderia deixar de registrar nos Anais do Senado: por favor, vamos fazer o debate da reforma da previdência como deve ser feito. Não vamos fazer essa disputa horrorosa, enfadonha, de jogar os trabalhadores do setor privado contra os trabalhadores do setor público, quando essa proposta de reforma da previdência não faz nada pelo pobre trabalhador do setor privado, e o que faz em relação ao setor público é desestruturar. Repito: a única alternativa na hora da dor, na hora da febre, na hora do sofrimento, na hora de possibilidade de acesso ao conhecimento para milhões de pobres deste País é o setor público. E mais uma vez quero deixar registrado: por favor, não façamos demagogia com essa história de super-salários, porque o salário de R$17.000,00 - vejam a gravidade - que ontem foi discursado pelo nosso Presidente, foi encaminhado por Sua Excelência na Proposta de Emenda Constitucional que está nesta Casa.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2003 - Página 15883