Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o episódio que resultou em óbitos em decorrência da ingestão do medicamento Celobar.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre o episódio que resultou em óbitos em decorrência da ingestão do medicamento Celobar.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2003 - Página 15894
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SAUDE, OCORRENCIA, CONTAMINAÇÃO, CIDADÃO, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, MEDICAMENTOS, TRATAMENTO, RADIOLOGIA, PROVOCAÇÃO, MORTE, EXPECTATIVA, INVESTIGAÇÃO, MATERIA.
  • ESCLARECIMENTOS, ERRO, LABORATORIO FARMACEUTICO, ADULTERAÇÃO, FABRICAÇÃO, MEDICAMENTOS, ACUSAÇÃO, NEGLIGENCIA, QUIMICO, RESPONSABILIDADE, LABORATORIO, LIBERAÇÃO, CONSUMO, PRODUTO FARMACEUTICO, REGISTRO, INCOMPETENCIA, FISCALIZAÇÃO.
  • REFERENCIA, INFORMAÇÕES, AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA (ANVISA), RESPONSABILIDADE, GOVERNO ESTADUAL, FISCALIZAÇÃO, LABORATORIO FARMACEUTICO, EXPECTATIVA, APURAÇÃO, PUNIÇÃO, CRIMINOSO, INDENIZAÇÃO, PARENTE, VITIMA, DEFESA, AUMENTO, CONTROLE, MEDICAMENTOS, SEGURANÇA, SAUDE PUBLICA.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Sem registro taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, até a semana passada, 23 pessoas haveriam falecido e 58 teriam sido intoxicadas em conseqüência da ingestão do medicamento para contraste radiológico Celobar originário de um lote contaminado. No Estado de Goiás, onde ocorreu a maior parte dos óbitos, pelo menos outras cem pessoas teriam passado mal e procurado cuidados médicos após a utilização do mesmo medicamento. O episódio, ainda não bem esclarecido, parece ter resultado de uma série de erros inadmissíveis e demonstra que muita coisa precisa ser mudada em nossa indústria farmacêutica e, principalmente, em nossa estrutura de fiscalização da produção e da comercialização de medicamentos.

Naturalmente, é preciso, até que as investigações cheguem a termo e até que tenham os processos judiciários transitado em julgado, que nos resguardemos de fazer acusações ou de tomar como fatos o que ainda são indícios, ou especulações. Com essa devida cautela, podemos traçar um roteiro básico daquilo que, pelo que divulgam os meios de comunicação, parece haver ocorrido.

Encontrando-se em dificuldades financeiras, o laboratório Enila Indústria Química e Farmacêutica haveria deixado de pagar ao laboratório alemão Sachtleben Chemie a última partida de sulfato de bário, recebida em março do ano passado. À falta do insumo para seu produto, teria buscado produzi-lo a partir do carbonato do mesmo metal, composto químico muito mais barato.

Cabe dizer que a fabricação do sulfato de bário a partir do carbonato é possível, mas não é qualquer laboratório que é capaz de fazê-lo com a necessária garantia de pureza do produto. De fato, somente quatro companhias no mundo, nenhuma das quais no Brasil, estariam habilitadas para tanto. Sem a pureza exigida pelas normas internacionais, o sulfato de bário retém quantidades perigosas do carbonato original. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), as amostras recolhidas do lote de Celobar, supostamente causador das mortes, conteriam 14 por cento de sais tóxicos de bário -- a maior parte na forma de carbonato --, fração muito superior à máxima permitida, de 0,001 por cento.

Carbonato de bário, que se emprega, segundo fontes da Vigilância Sanitária, em setores químicos industriais diversos, como na fabricação de raticida, mas jamais na indústria farmacêutica.

O diretor-presidente da Enila, Sr. Márcio d’Icarahy, afirmou que todo o produto da tentativa frustrada de produção do sulfato de bário teria sido descartado, e a contaminação teria ocorrido por negligência do químico responsável pelo laboratório, Sr. Antônio Carlos da Fonseca, por não haver lavado adequadamente os aparelhos após o experimento.

O laudo do controle de qualidade da própria empresa haveria reprovado o lote contaminado que, assim mesmo, teria, afinal, sido liberado para venda, e direcionado para oito Estados da Federação, mais o Distrito Federal. É dessa liberação que está sendo acusado o químico, Sr. Fonseca.

A Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que a fiscalização de laboratórios farmacêuticos é de responsabilidade das agências estaduais. Consta que a última inspeção por que passou o laboratório Enila teria ocorrido em janeiro de 2002, o que significaria que estava vencida no final de abril, quando o fatídico lote saiu da fábrica.

Assim, seja lá o que tenha ocorrido, quaisquer que sejam as outras responsabilidades apuráveis, o certo é que houve falha da fiscalização, que deixou de cumprir o seu regulamento. Já havia deixado de cumpri-lo, quando se permitiu que um laboratório farmacêutico adquirisse composto químico cuja manipulação lhe era vedada. É muita omissão, que ainda foi maior quando demorou pelo menos três dias - de 24 a 27 de maio - para agir, após a tomada de conhecimento dos primeiros indícios de que haveria algo errado com esse medicamento.

Na revista IstoÉ Dinheiro desta semana, podemos ler depoimento de autoridade da Anvisa no qual declara que o Governo quer tolerância zero para casos como esse do Celobar. Com efeito, é preciso apurar a fundo as responsabilidades de cada um dos técnicos do laboratório envolvido, bem como as de seus dirigentes.

O Código Penal, com toda a certeza, prevê as penas a serem aplicadas, conforme os crimes pelos quais forem condenados. As famílias das vítimas deverão ser indenizadas, caso, como tudo indica que ocorrerá, a empresa e seus responsáveis venham a ser condenados a compensar em pecúnia a perda que causaram dos entes queridos dessas pessoas.

Não que o dinheiro compense essas perdas, é claro, mas é o que a justiça pode fazer.

Sobretudo, porém, é preciso evitar absolutamente que episódios como esse se repitam, e essa prevenção somente será efetiva quando a fiscalização for permanente e eficaz. Penso que a principal lição a se retirar desta triste história reside precisamente nisto: é preciso fortalecer as agências de vigilância sanitária dos Estados, provendo-as de pessoal na quantidade e na qualidade necessárias para o exercício dessa função essencial, que é o cuidado da saúde pública quanto à segurança do uso de medicamentos.

O que não se pode é permitir, por leniência ou incapacidade fiscalizadora, que empresários movidos somente pela cobiça continuem a atuar em um setor diretamente ligado à vida e à saúde do povo, como é o da indústria farmacêutica.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2003 - Página 15894