Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcrição de discurso pronunciado por S.Exa. no Senado da República Mexicana durante a realização de seminário internacional sobre os direitos políticos das mulheres na América. Desvio de recursos da Previdência Social para outros órgãos.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Transcrição de discurso pronunciado por S.Exa. no Senado da República Mexicana durante a realização de seminário internacional sobre os direitos políticos das mulheres na América. Desvio de recursos da Previdência Social para outros órgãos.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 21/06/2003 - Página 15931
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONFERENCIA INTERNACIONAL, DIREITOS POLITICOS, MULHER, AMERICA, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO, CRIAÇÃO, MEDIDAS COERCITIVAS, GARANTIA, IGUALDADE, SEXO.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, ORADOR, CONFERENCIA INTERNACIONAL, DIREITOS POLITICOS, MULHER.
  • APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, CONFERENCIA INTERNACIONAL, CRIAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, PROTEÇÃO, MULHER, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, IGUALDADE, SEXO, ALTERAÇÃO, PENA, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, ESTABELECIMENTO, COTA.
  • LEITURA, DADOS, Diário Oficial da União (DOU), COMPROVAÇÃO, DESVIO, VERBA, PREVIDENCIA SOCIAL, DESTINAÇÃO, DIVERSIDADE, ORGÃOS, GOVERNO.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente desta sessão, Senador Paulo Paim, falaremos esta manhã sobre dois assuntos: primeiro, faremos um breve relato da nossa estada, nos dias 10 e 11, no México, onde participamos do seminário internacional “Os Direitos Políticos das Mulheres na América”, promovido pelo Senado daquele país. Participaram do evento, além dos Senadores mexicanos, Senadores da República Dominicana, da Argentina, Chile, Costa Rica, Uruguai, Colômbia, Peru, Guatemala, Senegal e Brasil, que foi por nós representado.

Participamos de um dos painéis que tratava da questão dos Parlamentos, “O Entorno Desafiante para as Mulheres nos Parlamentos”. Dessa mesa, participaram conosco as Deputadas Federais Epsy Campbell, da Costa Rica, e Beatriz Paredes, do México, que, aliás, já foi Presidente do Parlatino.

Não vou ler o discurso que lá fizemos, porque é razoavelmente longo, e o tempo não permitiria, mas pedimos seu registro, na íntegra, nos Anais do Senado da República do nosso País.

Além de pronunciarmos esse discurso, tivemos várias participações em outros painéis por meio de questionamentos e de discussões.

Antes de fazer uma síntese desse encontro, farei algumas colocações muito breves, porque a grande discussão, como sempre num encontro de mulheres, é a busca, por todas as formas, da eliminação da discriminação contra a mulher, seja no trabalho, seja na família, seja na política, enfim, em todos os setores da sociedade.

Vamos começar fazendo não um histórico, mas uma síntese muito rápida sobre o assunto.

Sr. Presidente Paulo Paim, pergunto a V. Exª, que luta tanto contra a discriminação em vários setores, mas especificamente contra a discriminação contra o negro, contra a discriminação contra as minorias, se mulher e negro neste País são minorias. Com certeza, não. Foi dito na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e vem sendo reafirmado em outras instâncias, que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que todas as pessoas podem e devem exigir o respeito a esses direitos em suas vidas.

Os diferentes tratados internacionais de direitos humanos, firmados depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirmam que os direitos das mulheres são direitos humanos. Fez-se necessária a criação de tratados internacionais - isso foi bastante discutido no México - para se dizer, Senadora Iris, que os direitos das mulheres são direitos humanos! É incrível, mas se fez necessário. Com isso se está dizendo que todos os direitos humanos fundamentais, como o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, são também direitos das mulheres, e que todos os direitos conquistados para os homens devem valer da mesma maneira para todas as mulheres.

Reconhece-se ainda que, para que esses direitos se tornem realidade na vida das mulheres, os governos devem adotar medidas concretas de promoção da igualdade entre mulheres e homens. Esta foi uma das grandes discussões no Seminário Internacional das Américas: que os governos devem fazer valer a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Algumas decisões foram tomadas nesse sentido.

Foi lembrado também lá que a discriminação é uma forma de tirar das mulheres a possibilidade de viver em condições iguais, dificultando seu acesso às oportunidades na vida política, econômica, social e cultural, e que isso tem empobrecido as mulheres, diminuído o seu acesso à saúde, à educação e às oportunidades de emprego.

É reconhecido, ainda, que a contribuição da mulher ao bem-estar da família, seu trabalho no lar e os cuidados na educação dos filhos não são valorizados como deveriam, impedindo tanto o seu desenvolvimento como pessoa quanto o de toda a sociedade.

Chamamos à atenção também para o fato de que as responsabilidades na casa e na família devem ser compartilhadas igualmente entre mulheres e homens, que o direito ao emprego e ao salário também deve ser igual e que, para alcançar a igualdade, é preciso mudar a forma como as pessoas pensam e se comportam em relação ao que mulheres e homens devem fazer em suas vidas em sociedade e na família. Isso porque, infelizmente, em todos os setores da sociedade sempre tem existido alguma forma de discriminar a mulher, de tratá-la de forma diferenciada. Isso vai desde a discriminação mais séria a pequenos comentários e piadas que são feitas no sentido de que a mulher é um ser inferior que tem que ser tratado como tal. E isso foi bastante discutido.

Infelizmente, o tempo não nos permite trabalhar todas as idéias que por lá foram discutidas nesses dois dias de intensos debates - debates que começavam às nove horas da manhã e terminavam às dez horas da noite, inclusive, num dia, sem parada sequer para o almoço. As constatações foram de que continua muito difícil o acesso das mulheres aos parlamentos e, principalmente, para chegarmos a lideranças, tanto no Poder Executivo - governadoras, chefes de Estado ou de governo - como em outras instâncias do poder.

Essas questões foram todas muito discutidas entre as mulheres que lá estavam representando seus países. Estamos buscando alternativas para alcançarmos esses cargos, para podermos exigir, realmente, participação em todos os cargos de poder político em nossos países, por mais que isso, muitas vezes, não seja compartilhado, infelizmente, pelos companheiros homens.

Acredito que, se conquistarmos a igualdade, principalmente no poder político, Senadora Iris, Senador Paim, as outras mudanças advirão com mais agilidade, com mais presteza.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Permite-me um aparte, Senadora Serys?

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Concedo-lhe o aparte, Senador Paulo Paim.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Serys, serei muito breve. Fiz questão, neste momento em que V. Exª está na tribuna, de ceder o espaço na presidência da sessão à Senadora Iris de Araújo. Ambas fazem um excelente trabalho aqui em defesa daqueles que são, de uma forma ou de outra, discriminados, sejam deficientes, idosos, negros e, no caso específico, mulheres. Por isto essa minha homenagem: uma, brilhantemente na tribuna; a outra, muito brilhante, como sempre, neste momento presidindo a sessão desta manhã. Quero apenas dizer que o seu pronunciamento vem ao encontro do que foi revelado pelo último censo feito pelo IBGE: mais uma vez se comprova que, no caso específico da mulher, há discriminação. Na mesma função e muitas vezes - não dá para negar - com mais capacidade, mais preparada, a mulher ganha praticamente a metade do salário do homem. O pronunciamento de V. Exª vem mais uma vez como denúncia e também como alerta - se apenas se faz a denúncia, fica a denúncia pela denúncia, mas V. Exª vem com propostas, com encaminhamentos. Por isso fiz questão de, neste momento, do plenário do Senado da República, fazer esse aparte ao brilhante pronunciamento da Senadora. Em relação ao espaço ocupado pelas mulheres no poder, é inegável que o número de mulheres na vida pública está muito aquém daquilo que gostaríamos. Não vou entrar, no momento, na questão específica do negro, mas vou fazer um pronunciamento em seguida em que vou falar do ensino profissional. Nesse segmento, mais do que nunca, temos que valorizar também as mulheres e todos aqueles que são discriminados nas escolas públicas. Esperamos que, com a proposta do Ministro Cristovam Buarque, seja possível a um maior número de pessoas fazer esses cursos. Parabéns a V. Exª.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Obrigada, Senador Paim, pelo seu aparte, perfeito.

De fato, ganhamos a metade dos salários que ganham os homens no desempenho de funções semelhantes, como disse V. Exª baseado nos dados do IBGE. Aliás, também disponho desses dados, mas como não vim para falar sobre eles, não os tenho em mão. Mesmo sem citar números, porém, está comprovado que a mulher, para ocupar o mesmo cargo que o homem, tem que ser muito, muito mais competente, tem que estar muito mais preparada para conseguir a equiparação no trabalho com os companheiros homens.

Sabemos também que isso não é só fruto e produto da vontade dos companheiros homens. Claro que não. Acredito que a mudança só virá e só conseguiremos avançar com a participação efetiva dos homens de mentalidade progressista, aberta, que reconhecem que somos seres absolutamente iguais em termos de direitos; só o movimento de mulheres - esta realmente é uma constatação - não conseguirá modificar a atual situação.

Não vou me estender muito, Srª Presidente, pois o tempo urge. Vou falar rapidamente apenas sobre as soluções que ainda serão tomadas, constantes de um documento que distribuiremos posteriormente a todas as Srªs e Srs. Senadores. Uma delas se refere à necessidade da criação de um organismo internacional de proteção às mulheres. Alguns podem dizer que queremos ser tratadas diferentemente dos homens. Mas, se somos discriminadas, precisamos buscar mecanismos que nos levem a avançar e assim conseguirmos os mesmos direitos. Foi preciso uma declaração, dentro da Declaração dos Direitos Humanos, para que nós, mulheres, tivéssemos os mesmos direitos que os homens. Isso mesmo, para que fôssemos consideradas seres humanos! Nesse sentido, saiu então a proposta da criação desse organismo internacional de proteção às mulheres.

Outro ponto levantado e também interessante em relação à questão da igualdade diz respeito às legislações existentes, no sentido de que devem ser mais discutidas e aprofundadas, inclusive com mudanças em relação à pena em caso de discriminação contra a mulher. Aliás, precisamos de leis punitivas, severas, para qualquer tipo de discriminação. São estarrecedores os exemplos de que tomamos conhecimento dos países que estavam presentes. Assim, que seja considerado um agravante o crime acontecido contra a mulher.

Outra questão interessante, Srª Presidente, Senadora Iris de Araújo, é a lei de quotas. No Brasil, estão assegurados às mulheres 30% das vagas para candidatos. Infelizmente, no entanto, esses 30% não se refletem na prática: na Câmara dos Deputados, temos apenas 8,8% de mulheres; no Senado Federal, se a Ministra Marina Silva estivesse aqui, teríamos 10% ou 12%, mas, sem ela, temos menos que isso. Na Costa Rica, o único dos países presentes onde a lei de quotas é de 50%, há uma participação das mulheres de 37%. Nesse sentido, saiu de lá também a decisão de que os países presentes vão buscar, daqui para frente, uma participação de 50% na lei de quotas.

Alguns dirão que por decreto não vai funcionar, como não está funcionando com os 30%. Não está funcionando em parte, porque já houve um tempo, e não vai muito longe, em que não havia nenhuma Senadora. Hoje, já somos nove ou dez. A lei auxilia, mas ainda precisamos lutar para conseguir o que queremos.

Um outro colocado diz respeito à existência do Parlamento de Mulheres no México. Não pretendemos a criação de mais um parlamento. Estamos, sim, elaborando um projeto no sentido de que haja um encontro anual de todas as mulheres de todos os parlamentos e partidos com representação na sociedade civil organizada, que se reuniriam para discutir todas as questões concernentes à mulher que estivessem acontecendo em todos os países. Seria um grande debate, que envolveria mulheres, a sociedade organizada e homens, com certeza, porque precisamos da participação de um número bem mais significativo de homens nesses encontros para que juntos, homens e mulheres, possamos avançar nessa questão.

Antes de encerrar, no entanto, Srª Presidente, gostaria de apresentar alguns dados sobre a tão falada reforma da previdência. Discute-se muito a questão do déficit da Previdência. Tenho aqui um documento que mostra que a Previdência não é deficitária, Senador Paulo Paim. E, se existe algum déficit, é responsabilidade dos desvios existentes com os recursos recolhidos pela previdência.

Os dados que vou ler foram colhidos no Diário Oficial da União. Entre novembro e dezembro de 2002, saíram do caixa da Seguridade Social quase R$6 bilhões para finalidades que não são da Previdência Social. Ou seja, recursos arrecadados para a Previdência e desviados para outras finalidades, para financiar outros órgãos do Governo.

Vou citar alguns exemplos:

Decreto de 8 de novembro de 2002 (sem número), publicado no DOU de 11 de novembro de 2002, em seu art. 1º, abre ao Orçamento da Seguridade Social, em favor dos Ministérios da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Planejamento, etc., crédito de R$74 milhões.

Lei nº 10.541, de 7 de novembro de 2002, em seu art. 1º, abre o crédito de R$3,2 bilhões ao Orçamento da Seguridade Social, em favor de diversos órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo.

Decreto nº 4.476, de 21 de novembro de 2002, abre ao Orçamento da Seguridade Social, em favor de transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, crédito suplementar no valor de R$80 milhões.

Lei nº 10.572, de 25 de novembro de 2002, publicada no Diário Oficial da União de 26 de novembro de 2002, abre o Orçamento da Seguridade Social, em favor do Ministério dos Transportes, crédito suplementar no valor de R$677 milhões.

Lei nº 10.586, de 4 de dezembro de 2002, abre ao Orçamento da Seguridade Social, em favor do Ministério de Minas e Energia e do Ministério das Comunicações, crédito no valor de R$68 milhões.

Alguns estão sob a forma de decreto, o que é muito pior.

Decreto (sem número) de 09 de dezembro de 2002, abre ao Orçamento da Seguridade Social, em favor do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério da Justiça e do Ministério da Defesa, crédito de R$56 milhões.

Lei nº 10.594, de 09 de dezembro de 2002, abre ao Orçamento da Seguridade Social, em favor dos Ministérios da Educação, da Cultura e do Esporte e Turismo, crédito de R$43 milhões.

Lei nº 10.629, de 26 de dezembro de 2002, abre ao Orçamento da Seguridade Social, em favor dos Ministérios da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Integração Nacional, etc., crédito no valor de R$250 milhões.

Essa lista mostra que em apenas um mês foram desviados para outros fins que não de saúde, assistência e aposentadorias, que são a finalidade da Previdência Social, quase R$6 bilhões.

Eu voltarei a esse assunto

            Desculpe-me, Srª Presidente, por ter ultrapassado um pouco do meu tempo, mas me distraí com tantos dados.

            Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO PRONUNCIADO PELA

SRª SENADORA SERYS SLHESSARENKO NO SENADO DA REPÚBLICA MEXICANA EM 11-6-2003.

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A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - (Saudações aos presentes, conforme protocolo.)

            Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite que foi feito ao Senado brasileiro para tomar parte neste seminário internacional. É uma honra poder contribuir, em nome do Senado Federal, com uma visão brasileira sobre tema que ganhou nova dimensão no contexto político de meu País.

Não há dúvida de que a crescente presença feminina nos parlamentos, sobretudo nos parlamentos latino-americanos, é um excelente sinal. Ela indica novas perspectivas de avanço no campo dos direitos civis, políticos e sociais - áreas em que tradicionalmente o homem exerceu primazia sobre as mulheres.

Esse quadro de desigualdade começou a ser modificado, no mundo moderno, com o ideário que acompanhou as revoluções americana e francesa. O direito de se buscar a felicidade, um dos fundamentos da nova democracia norte-americana, era, a princípio, extensível a todos os seres humanos, independentemente do gênero. E, na França, os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade acenavam com a promessa de uma sociedade livre de preconceitos e de privilégios.

Contudo, mesmo nessas sociedades mais avançadas, a mulher não conseguiu usufruir, de imediato, a mudança de paradigma que as revoluções prometiam. A mesma Revolução Francesa que declara a soberania da vontade popular distingue, em 1791, cidadãos “ativos” - com direito de legislar, de votar e de serem votados - de cidadãos “passivos”, cujos direitos restringiam-se à proteção legal da pessoa, da propriedade e da liberdade. Jamais passou pela cabeça dos líderes revolucionários conceder cidadania ativa às mulheres.

Com efeito, só muito tempo depois, e à custa de muita luta, as mulheres puderam desfrutar plenamente dos direitos legados por esses movimentos sociais. As francesas, por exemplo, só conquistaram o direito de voto no ano de 1944.

As resistências enfrentadas pelas mulheres européias e norte-americanas agravaram-se ainda mais nos países latino-americanos. A lição de igualdade de direitos entre homens e mulheres é relativizada, na América Latina, em função de nosso quadro histórico de exclusão social, concentração de renda e autoritarismo político.

O Brasil, infelizmente, não fugiu à regra. Uma breve análise da situação da mulher brasileira ao longo da história nos dará a exata noção da evolução da luta pelo exercício dos direitos de cidadania em meu País.

No Brasil Imperial, o papel social da mulher era unicamente o de cuidar da casa e dos filhos. Nos demais aspectos da vida em sociedade, a submissão da mulher ao homem era total. Nesse período, as mulheres não tinham sequer o direito a uma educação formal, e só tiveram permissão para freqüentar instituições de ensino no ano de 1827.

O acesso à educação, contudo, não significou mudança na mentalidade da época. O sentido da educação feminina ainda era o de perpetuar a condição submissa e coadjuvante da mulher. Por muito tempo, o que se ensinava às jovens estudantes tinha o único objetivo de formar filhas obedientes, esposas fiéis e mães exemplares.

O mercado de trabalho, por sua vez, era praticamente impermeável à presença feminina. O modelo tradicional de família - que perdurou até bem recentemente - atribuía à mulher a função de cuidar dos filhos e das tarefas domésticas. Nas classes menos privilegiadas, contudo, a baixa renda do homem era complementada, via de regra, pelos frutos do trabalho feminino. O trabalho, para essas mulheres, não era um direito, mas sim uma imposição econômica, fruto das necessidades de sobrevivência. Essa situação se agravava pelo fato de inexistirem os direitos trabalhistas, hoje comuns, mas impensáveis no período em questão.

A esfera política no Brasil de fins do século XIX era reduto masculino. A participação feminina na vida política nacional existia, mas de forma incipiente e pontual. Nos últimos anos do Império, por exemplo, ligas abolicionistas compostas por mulheres atuaram de forma significativa no processo que culminou na abolição da escravidão. Por essa época, surgiu também, no Brasil, imprensa feita por mulheres, e não somente para mulheres, como ocorria em outros países da região.

Jornais tais como o “Sexo Feminino”, editado em Minas Gerais, em 1873, e “O Domingo”, feito no Rio de Janeiro nos idos de 1874, demonstram os anseios femininos no sentido de participarem, de modo ativo, na vida política nacional.

Esses anseios se refletiram nos debates da Assembléia Constituinte de 1891, incumbida de elaborar a primeira constituição republicana brasileira. Os parlamentares, homens, em sua totalidade, chegaram a contemplar a possibilidade do voto feminino, que acabou negado.

O começo do século XX presenciou o fortalecimento do movimento feminista no Brasil. Foram as feministas as responsáveis pela inserção definitiva da questão do voto feminino nos debates políticos nacionais.

Nesse período, uma mulher se destacou por seu espírito de liderança e pela sua dedicação à causa feminista. Esta mulher é Bertha Lutz. Em uma época em que raras mulheres eram aceitas no serviço público, Bertha Lutz já exercia funções importantes no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 1919. No mesmo ano, representou o Brasil no Conselho Feminino Internacional da Organização Internacional do Trabalho - OIT. Sua incansável luta em prol dos direitos da mulher se traduziu, entre outras realizações, na fundação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1922.

Os esforços de Bertha Lutz e de várias outras lideranças femininas culminaram, em 1932, na instituição do voto feminino no Brasil, mediante a promulgação do Código Eleitoral.

Neste ano, as eleições revestiam-se de especial importância, uma vez que os parlamentares eleitos estariam incumbidos da elaboração da nova Constituição brasileira. A extensão dos direitos políticos às mulheres ensejou o surgimento das primeiras candidaturas femininas ao Congresso Nacional e às Assembléias dos Estados federados. A própria Bertha Lutz candidatou-se a deputada federal pelo Estado do Rio de Janeiro.

Essa evolução da legislação nacional foi coroada com a eleição, pela primeira vez na história brasileira, de uma mulher para integrar o Parlamento do País: Carlota Pereira de Queiroz, que se elegeu deputada federal por São Paulo. Bertha Lutz elegeu-se primeira suplente pelo Rio de Janeiro. Também se elegeram várias deputadas estaduais, distribuídas em diversos Estados brasileiros, tais como: Lili Lages, em Alagoas, Maria Luiza Bittencourt, na Bahia, e Alayde Borba, em São Paulo.

A eleição dessas mulheres, em número tão significativo, demonstra que a materialização jurídica do direito de voto se fez acompanhar da pronta resposta da sociedade brasileira. As eleições de 1932 provaram que a sociedade brasileira estava pronta e madura, não apenas para aceitar o voto e a candidatura das mulheres, mas também para elegê-las suas representantes no Parlamento.

Desse período em diante, descontados os períodos de exceção autoritária do Poder Executivo, a participação da mulher no Poder Público vem aumentando sensivelmente. De duas deputadas em 1932, a representação feminina na Câmara dos Deputados saltou para 26 em 1987, em um período que se caracteriza pela consolidação definitiva da democracia no Brasil. Hoje, contamos com 45 companheiras, número nunca antes alcançado em nossa história. Em 71 anos de presença feminina no Parlamento brasileiro, a representação saltou de 0,4% para 8,8% do total de cadeiras na Câmara dos Deputados.

No Senado Federal brasileiro, as perspectivas são ainda mais alvissareiras. É verdade que o início da jornada feminina no Senado foi tardio. Somente em 1979 uma mulher ascendeu ao cargo de Senadora, ainda assim na condição de suplente. A Senhora Eunice Michiles teve a honra de abrir o caminho para Marluce Pinto e Júnia Marise, as primeiras Senadoras eleitas como titulares para o exercício do cargo, em 1990.

Apesar do atraso em relação à Câmara, a bancada feminina no Senado é, hoje, proporcionalmente maior que a de nossa Casa irmã. Somos 10 Senadoras, o que, em um universo de 81 parlamentares, representa 12,3% do total de cadeiras.

Aliás, é lícito afirmar que o Senado Federal brasileiro tem passado por transformação inédita em sua história. Não me refiro apenas à presença das mulheres no Plenário e nas Comissões, algo impensável na cabeça de alguns políticos até há poucas décadas atrás. O perfil político da Casa tem sofrido profundas alterações, pois o Senado tem acolhido mulheres emblemáticas na luta pelos direitos da cidadania, mulheres com sólida trajetória política de esquerda.

Esse é o caso, por exemplo, de Benedita da Silva, ex-empregada doméstica, ex-Senadora, ex-Governadora e hoje Ministra de Estado. Negra, nascida em uma favela do Rio de Janeiro, mas plenamente consciente acerca de sua capacidade inata de fazer política, Benedita é hoje expoente nacional na luta contras as discriminações de gênero e social.

Marina Silva, Senadora licenciada, Ministra de Estado e autoridade mundial na defesa do meio ambiente, é outro exemplo pungente de fé e de superação pessoal. Nascida na Amazônia, em uma família de dez irmãos, e analfabeta até os 16 anos de idade, Marina é, hoje, paradigma nacional quando se trata de defender os excluídos e de buscar o desenvolvimento auto-sustentado da Amazônia.

A extraordinária tendência de renovação que observamos no Parlamento Federal se repete nas outras esferas de governo e também nos outros Poderes da República. No Poder Executivo Federal, para ficarmos apenas nos cargos de primeiro escalão, três Ministérios e uma Secretaria de Estado são encabeçados por mulheres. O atual Governo do Estado do Rio de Janeiro está nas mãos de uma mulher, assim como a prefeitura de São Paulo, a maior cidade da América do Sul e segunda maior da América Latina, atrás apenas desta Cidade do México, que tão calorosamente nos recebeu a todos neste Seminário.

Recentemente, outro grande feito foi atingido quando da nomeação da Ministra Ellen Gracie Northfleet para compor o Supremo Tribunal Federal. Foi a primeira vez em que uma mulher tomou posse na mais elevada Corte Judiciária do Brasil.

Definitivamente inserida na vida pública brasileira, a parcela feminina da população nunca foi tão bem representada na história do Brasil. Questões de interesse das mulheres, historicamente negligenciadas, passaram a ser debatidas com a devida legitimidade.

Temos o exemplo da questão do acesso e da proteção da mulher no mercado de trabalho. Hoje, no Brasil, cerca de 40% dos postos de trabalho são ocupados por mulheres. Das novas vagas que surgem a cada ano, 70% acabam sendo preenchidas pelas mulheres. As brasileiras já somos 38% do total de médicos, 36% dos advogados, juízes e promotores e mais da metade dos arquitetos do País.

Contudo, ainda há muito a conquistar. Ainda que os avanços tenham sido notáveis, ainda persistem discrepâncias na remuneração entre homens e mulheres. O acúmulo das funções de dona-de-casa e de profissional inserida no mercado de trabalho continua a ser uma realidade na maioria dos lares brasileiros.

Um, em cada quatro domicílios brasileiros, é sustentado por mulheres. Mais da metade desses domicílios é gerido por mulheres que têm, no máximo, 4 anos de educação formal. São milhões de mulheres que, em condições precárias e indignamente remuneradas, dão conta de si, de suas casas, de seus familiares e de suas responsabilidades profissionais.

Esses são apenas alguns dos gravíssimos problemas que envolvem os direitos sociais das mulheres no Brasil. Tais distorções terão de ser enfrentadas e corrigidas por meio do diálogo e da composição política. Nesse sentido, o Parlamento assume papel crucial, como testemunha e protagonista do direito em formação.

Para que o Parlamento seja intérprete fidedigno dos anseios populares, porém, há que ser superada a questão da sub-representação feminina, fenômeno que ocorre também nos outros Poderes. Hoje em dia, mais de 50% do eleitorado no Brasil é composto de mulheres; no entanto, pouco mais de 10% dos cargos eletivos são ocupados por elas.

Para o exercício da cidadania plena das mulheres, é preciso ter voz ativa nos Parlamentos de nossos Países. O Parlamento, espaço do diálogo racional e da ponderação, é, sem dúvida, um meio desafiante para as mulheres. Ora, tais atividades eram vistas como incompatíveis com o sexo feminino, o chamado “sexo frágil”, tido - na visão preconceituosa de muitos - como vulnerável, sentimental e dependente do homem.

Entretanto, o aumento da presença feminina nos Parlamentos demonstra justamente o contrário das teses defendidas pelos preconceituosos.

Os Parlamentos de ontem, compostos em sua esmagadora maioria por homens brancos, ricos e de direita, são hoje instigados pela presença de mulheres jovens, negras, pobres e de esquerda.

Ouso dizer, companheiras aqui presentes, que, se por um lado, o Parlamento é um meio desafiante para as mulheres, por outro, as mulheres representam um desafio ainda maior para os Parlamentos. As Casas Políticas que hoje nos recebem se vêem na obrigação de repensar seu próprio papel como instituição, se vêem na obrigação de repensar seu próprio conceito de representatividade popular.

É preciso termos a consciência de que vivemos um ponto de inflexão na trajetória política das mulheres. Estou convencida de que corrigir os preconceitos e as desigualdades de gênero é condição necessária para podermos falar em uma real experiência democrática e cidadã.

Nossa luta é, pois, inadiável e essencial na construção de um mundo mais justo e digno.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA SERYS SLHESSARENKO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Porta errada

Dinheiro da Previdência financiou órgãos do governo

Érica Paula Barcha Correia*

I - Introdução

Muitas são as afirmações a respeito do déficit orçamentário da Previdência Social. Sucessivamente, os governos alegam que o sistema não tem recursos para o pagamento de todas as suas aposentadorias e pensões, apontando-se como solução para o problema um leque de alternativas, dentre as quais a criação de novas taxas para as empresas e a contribuição do inativo, de modo a ampliar a fonte de custeio do sistema.

Entretanto, a leitura dos Diários Oficiais da União contradiz, efetivamente, tais afirmações que, infelizmente, nunca chegam ao conhecimento da sociedade. O que pretendemos aqui demonstrar, representa uma parcela muito pequena de uma prática reiterada ao longo do governo anterior e que, esperamos, não se repita no governo atual: referimo-nos às vultosas quantias retiradas do caixa da Seguridade Social (integrada pelo tripé Previdência - Assistência Social e Saúde) e destinadas ao financiamento de obras e despesas com pessoal e materiais dos mais diversos órgãos da Administração Pública Federal.

A Assembléia Constituinte, com o objetivo de coibir o histórico desvio de recursos destinados à Previdência Social (como a construção das usinas atômicas de Angra I e II, a construção de Brasília e da ponte Rio-Niterói dentre outras) (1), para outros segmentos da Administração Pública Federal, inovou, na promulgação da Carta Magna de 1988, ao assegurar orçamento próprio para a Seguridade Social. Assim, a partir daí, a Seguridade Social passa a contar com caixa próprio e proteção jurídica contra a utilização de seus recursos para outros fins.

Nestes termos, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 167, vedou a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de outras áreas, como também vedou a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes.

Em outras palavras, a C.F./88 proibiu a utilização de recursos da Seguridade Social para outros fins, salvo se houver, nesse caso, autorização do Congresso Nacional e, ainda assim, desde que não sejam utilizados recursos provenientes das contribuições sociais efetuadas pelas empresas sobre a folha de salários e pelos empregados (já que há proibição expressa neste sentido pelo artigo 167, inciso XI da C.F.).

Entretanto, não obstante a proteção jurídica dispensada ao caixa da Seguridade Social, passamos a demonstrar, algumas das publicações no Diário Oficial da União que, somadas, remontam no total de R$ 5.070.203.446,00,00 (cinco bilhões, setenta milhões, duzentos e três mil e quatrocentos e quarenta e seis reais).

Cabe ressaltar que os valores retirados da Seguridade Social referem-se, tão somente, ao período de novembro a dezembro de 2002.

São eles:

1 - DECRETO DE 08 DE NOVEMBRO DE 2002 (SEM NÚMERO), PUBLICADO NO DOU - SEÇÃO, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2002

EM SEU ART. 1º, ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DOS MINISTÉRIOS DA FAZENDA, DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR, DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO DE TRANSFERÊNCIAS A ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS, CRÉDITO DE 74.386.185,00 (setenta e quatro milhões, trezentos e oitenta e seis mil, cento e oitenta e cinco reais).

2 - LEI Nº 10.541, DE 07 DE NOVEMBRO DE 2002

EM SEU ART.1º, ABRE O CRÉDITO DE R$ 3.201.123.539,00 (três bilhões, duzentos e um milhões, cento e vinte e três mil, quinhentos e trinta e nove reais) AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DE DIVERSOS ÓRGÃOS DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO.

3- DECRETO 21 DE NOVEMBRO DE 2002 (SEM NÚMERO)

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL O CRÉDITO DE R$ 257.711.716,00 (duzentos e cinqüenta e sete mil, setecentos e onze reais e setecentos e dezesseis reais) EM FAVOR DE DIVERSOS ÓRGÃOS DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO.

4- DECRETO Nº 4.476, DE 21 DE NOVEMBRO DE 2002

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DE TRANSFERÊNCIAS A ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS, CRÉDITO SUPLEMENTAR NO VALOR DE R$ 80.919.141,00 (oitenta milhões, novecentos e dezenove mil, cento e quarenta e um reais).

5 - LEI Nº 10.572, DE 25 DE NOVEMBRO DE 2002, PUBLICADO NO DOU - SEÇÃO 1, Nº 228, DE 26 DE NOVEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL , EM FAVOR DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, CRÉDITO SUPLEMENTAR NO VALOR DE R$ 677.683.990,00 (seiscentos e setenta e sete milhões, seiscentos e oitenta e três mil, novecentos e noventa reais).

6 - LEI Nº 10.576, DE 25 DE NOVEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DOS MINISTÉRIOS DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE NO VALOR DE R$ 142.091.424,00 (cento e quarenta e dois milhões, noventa e um mil, quatrocentos e vinte e quatro reais).

7- DECRETO (SEM NÚMERO ) DE 2 DE DEZEMBRO DE 2002 - PUBLICADO NO DOU - SEÇÃO 1, Nº 233, P. 8, DE 03 DE DEZEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DE SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, CRÉDITO NO VALOR DE R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

8- LEI Nº 10.586, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002 - PUBLICADA NO DOU - SEÇÃO 1, P. 12, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DE SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DO MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA E DO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, CRÉDITO SUPLEMENTAR NO VALOR DE R$ 68.123.121,00 (sessenta e oito milhões, cento e vinte e três mil, cento e vinte e um reais).

9 - LEI Nº 10.590, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002 - PUBLICADA NO DOU - SEÇÃO 1 - P. 17, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CRÉDITO ESPECIAL NO VALOR DE R$ 240.988,00 (duzentos e quarenta mil, novecentos e oitenta e oito reais).

10 - LEI Nº 10.591, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2002 - PUBLICADA NO DOU - SEÇÃO 1 - P. 18, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, CRÉDITO SUPLEMENTAR NO VALOR DE R$ 197.811.440,00 (cento e noventa e sete milhões, oitocentos e onze mil, quatrocentos e quarenta reais).

11 - DECRETO (SEM NÚMERO) DE 09 DE DEZEMBRO DE 2002 - PUBLICADO NO DOU - SEÇÃO 1, Nº 238, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DO MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO DA DEFESA, CRÉDITO DE 56.277.263,00 (cinqüenta e seis milhões, duzentos e setenta e sete mil, duzentos e sessenta e três reais).

12 - LEI Nº 10.594, DE 09 DE DEZEMBRO DE 2002 - PUBLICADA NO DOU - SEÇÃO 1, P. 1, Nº 239, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2002

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DOS MINISTÉRIOS DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO ESPORTE E TURISMO, CRÉDITO DE 43.762.093,00 (quarenta e três milhões, setecentos e sessenta e dois mil e noventa e três reais).

13 - LEI Nº 10.629, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2002 - PUBLICADA NO DOU - SEÇÃO 1, P.2, Nº 250, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2002.

ABRE AO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, EM FAVOR DOS MINISTÉRIOS DA FAZENDA, DO DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR, DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, DA INTEGRAÇÃO NACIONAL E TRANSFERÊNCIAS A ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS, NO VALOR DE 250.072.546,00 (duzentos e cinqüenta milhões, setenta e dois mil, quinhentos e quarenta e seis reais).

Portanto, somente no período mencionado, o valor total retirado do caixa da Seguridade Social resulta no total de R$ 5.070.203.446,00,00 (cinco bilhões, setenta milhões, duzentos e três mil e quatrocentos e quarenta e seis reais).

Com relação às publicações transcritas passamos às seguintes considerações:

1. Os valores retirados do orçamento da Seguridade Social descritos nos números 1,3,7 e 11 foram autorizados por meio de Decreto, sem número, em flagrante desrespeito ao comando constitucional inscrito no art. 167, V que veda "a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes". Vale destacar que o decreto, segundo a doutrina, é mero ato administrativo(2) e não resulta da deliberação do Congresso Nacional.

2. A C.F., em seu art. 167, inc. XI, proíbe "a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, incisos I, a, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201."

Em linhas gerais, o texto constitucional veda a utilização de recursos da Seguridade Social provenientes das contribuições dos empregadores sobre a folha de salários e dos trabalhadores e demais segurados da previdência social para outros fins que não sejam aqueles referentes ao pagamento de benefícios do Regime Geral.

Diante do quadro apresentado perguntamos: A Previdência Social é realmente deficitária??? A Previdência Social tem algum mecanismo de controle que permita, em seu caixa, distinguir a receita dos recursos decorrentes das contribuições sociais de que trata o art. 195, incisos I, a, e II da C.F. das demais, arrecadadas sob outra rubrica?

I.1 - DO REPASSE À SEGURIDADE SOCIAL DOS VALORES ARRECADADOS PELA RECEITA FEDERAL

Determina a Lei nº 8.212/91, em seu art. 19, que as contribuições das empresas, incidentes sobre o faturamento e o lucro, bem como as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos serão mensalmente repassadas pelo Tesouro Nacional à Seguridade Social para a execução de seu orçamento.

Nos termos do art. 14, § 1º, inc. I, e, da Lei nº 10.524, de 25/07/02, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2003, o Poder Executivo deverá divulgar na internet, ao menos, até o 20º dia de cada mês, relatório da arrecadação mensal das receitas federais administradas ou acompanhadas pela Receita Federal, bem como aquelas administradas pelo INSS.

Desse modo, colocamos a seguintes questões:

- o Governo atual tem, efetivamente, controle sobre arrecadação efetuada pela Receita Federal das contribuições destinadas à Seguridade Social?

- o montante arrecadado é repassado aos cofres da Seguridade Social?

- em que veículo de comunicação estão disponibilizadas tais informações? (3)

I.2 - A EMENDA CONSTITUCIONAL N. 27/00

Por meio da E.C.27/00, permitiu-se a desvinculação de 20%, no período de 2000 a 2003, da arrecadação de impostos e contribuições sociais da União, de órgão, de fundo ou de despesa. A partir da Emenda, "legitima-se" toda retirada de recursos do orçamento de Seguridade Social, desde que observados os dispositivos constitucionais mencionados (arts. 167, incisos V e XI).

Portanto, a par das considerações tecidas (fundamentadas e demonstradas), podemos concluir que a Previdência Social NÃO É DEFICITÁRIA. Caso contrário, não haveria recursos sendo 'desvinculados' de seu orçamento para outras áreas da administração pública federal.

II - ANÁLISE JURÍDICA DE ALGUNS PONTOS DA REFORMA PROPOSTA PELO GOVERNO

II.1 -A INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PARA APOSENTADOS E PENSIONISTAS

Sabemos que doutrinariamente a aposentadoria equivale ao descanso remunerado para aquele que laborou uma vida inteira e já não mais dispõe energia e saúde para prosseguir no trabalho.

A própria C.F., em seu art. 6., assegura como direito social de seus súditos a saúde e a previdência social.

Com base no velho e reiterado argumento de que há necessidade de serem criadas mais outras formas de financiamento da Seguridade Social, em face de seu déficit, o governo Lula deseja, agora, taxar as aposentadorias e pensões do Regime Geral.

Para que assim proceda, será necessário que se emende, mais uma vez, o texto constitucional, pois, reza seu art. 194, inc. IV que o Poder Público organizará a Seguridade Social pautada na irredutibilidade do valor dos benefícios e dispõe o art. 195, inc. II, que não incidirá contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da previdência social.

A respeito da possibilidade de emenda à Constituição Federal, entendemos que, neste caso, por se tratar de diminuição de direitos sociais garantidos pela própria C.F., assegurados ao cidadão pela manifestação de vontade do Poder Constituinte Originário, não há como se legitimar essa emenda.

Quanto à taxação do servidor inativo, reza o texto constitucional, em seu art. 40, que contribuirá para o regime próprio o servidor titular de cargo efetivo. Cabe ressaltar que o servidor inativo não exerce cargo e, portanto, não pode participar da relação de custeio; quanto ao pensionista, este sequer participou da relação jurídica como servidor público.

Portanto, cada vez mais presenciamos o que bem denominou Canotilho de "desconstitucionalização de matérias" pela qual os governantes, em nome da economia, diminuem e suprimem direitos sociais constitucionalmente assegurados.(4)

II.2 - A UNIFICAÇÃO DO REGIME PRÓPRIO COM O REGIME GERAL

Historicamente, as primeiras aposentadorias no setor público de que temos notícia surgiram em Roma e eram concedidas aos veteranos do exército. (5)

Atualmente, os trabalhadores vinculados à administração pública federal por meio do regime estatutário têm direito à aposentadoria com proventos integrais e, salvo as permissões autorizadas pela Constituição Federal, não podem exercem outra atividade remunerada. Com relação aos juízes, promotores, procuradores, há autorização para exercer, apenas, um cargo de professor.

Tais servidores não têm direito ao FGTS e, no tocante ao regime de previdência, contribuem com 11% (onze por cento) sobre o total de seus vencimentos, não havendo, portanto, teto para a contribuição.

Com relação ao trabalhador da iniciativa privada, desde que os horários sejam compatíveis, poderá ele exercer quantas atividades remuneradas quiser, ou puder, com direito ao FGTS e recolhendo para o regime geral de previdência social até o limite de 11% sobre a quantia de R$1.561,56, ou seja, há um limite para o recolhimento (o chamado teto).

Apenas para exemplificar, um funcionário público que perceba R$ 8.000,00 recolherá para o chamado PPS, a importância de R$ 880,00, ao passo que um executivo da iniciativa privada, que perceba o mesmo valor como remuneração, recolherá para o INSS o valor de R$ 171,77 (11% de R$ 1.561,56). Cabe ressaltar que se esse mesmo executivo exercer mais uma, ou duas, atividades remuneradas, continuará recolhendo esse mesmo valor, pois, de acordo com o sistema atual ele já recolhe pelo teto em uma de suas atividades.

Portanto, dentro do quadro apresentado, não há como justificar a unificação dos dois regimes de trabalho. A reforma que se pretende não pode ser apreciada apenas sob a ótica do regime de previdência, deixando para trás as peculiaridades e limitações inerentes ao ocupante de cargo público.

Por outro lado, sob a ótica do financiamento dos dois sistemas, é sabido que a geração atual financia os benefícios da geração passada, e que a geração futura beneficiará a atual no momento oportuno.

Pois bem, promovida a unificação dos regimes e passando o funcionário público a contribuir de forma equivalente ao trabalhador da iniciativa privada, não se estaria comprometendo o financiamento entre as gerações? Quem irá financiar os benefícios dos atuais aposentados e pensionistas do setor público?

Apenas para ilustrar, atualmente, os países europeus se deparam com essa interrupção no sistema de financiamento entre as gerações em razão da baixa taxa de natalidade de suas populações.

Também não podemos olvidar a questão do direito adquirido, que não pode ser suprimido em prol do fator econômico. Se os sistemas, público e privado, são hoje problemáticos, são conseqüências da má gestão financeira e da falta planejamento atuarial. (6)

Vale ressaltar, outrossim, no que tange ao regime do servidor público federal, que a União não cumpre com seus compromissos de carregar para o chamado PSS (plano de seguridade do servidor) a sua parte no custeio do regime. Assim como o empregador é responsável pelo recolhimento de sua cota patronal para o custeio do regime geral de previdência social, a União tem a sua responsabilidade no custeio do regime de seus servidores públicos. Portanto, cabe levar ao conhecimento da sociedade o motivo pelo qual se alega que tal regime é deficitário.

CONCLUSÃO:

Falta à grande parte dos políticos brasileiros a cultura da democracia: um Estado só é soberano e sério se seguir fielmente os ditames de sua Constituição Federal. O problema do Sistema de Seguridade Social Brasileiro se concentra na falta de planejamento (cujo erro se revela na Lei nº 8.212/91, denominada Plano de Custeio, que traz em seu bojo normas lançadas sem qualquer planejamento atuarial) e em gestões mal sucedidas.

Fossem observados os dispositivos tendentes à proteção orçamentária da Seguridade Social e tivéssemos realmente um plano de custeio, conseqüentemente teríamos um sistema bem gerido e sem déficit.

Esperamos que o governo atual retome o discurso de campanha e preserve direitos sociais duramente conquistados ao longo de décadas, não os desconstitucionalizando em nome da "economia nacional".

Destarte, finalizamos com as seguintes questões: se o atual sistema de previdência social é deficitário, como justificar a destinação de seus recursos para outras áreas da Administração Pública Federal?

Não fossem tais empréstimos, não teria a Previdência recursos para cumprir, de forma digna, com todas as suas obrigações para com os seus segurados? Haveria necessidade de ampliar a base de tributação de empresas e instituir na cobrança para os aposentados e pensionistas? A implantação de novos postos de trabalho formal, prometida pelo atual presidente não aumentará o número de novos contribuintes para o sistema?

Será que o Governo atual tem o conhecimento desta prática (que, aliás, foi refutada pelo Presidente Lula em seus discursos de campanha)?

Destarte, a questão não pode ser resumida a um problema econômico, devendo ser analisada com seriedade, com cautela e amplamente debatida por estudiosos do direito.

Notas de rodapé

1- conforme artigo de Adélia Maria Marelin, intitulado As contas da previdência. Revista de Previdência Social, São Paulo, ano XXIII, n.223, p.598-599, junho 99.

2- Como bem definiu Hely Lopes Meirelles os decretos "são atos administrativos da competência exclusiva dos chefes do Executivo (...)". "Como ato administrativo, o decreto está sempre em situação inferior à da lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar." In Direito administrativo brasileiro. São Paulo, Malheiros Ed., 1992. p. 161/162.

3- Cf. disposto no art. 14 da mencionada Lei nº 10.524, de 25/07/02, a aprovação e a execução da lei orçamentária de 2003 serão efetuadas de modo a evidenciar a transparência da gestão fiscal e observância do princípio da publicidade, permitindo amplo acesso da sociedade a todas essas informações.

4- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Ed. Coimbra, 1994.p.470.

5- Conforme La seguridad social em una sociedad cambiante. Madrid: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1992.p. 19-20. (Colecion de seguridad social).

6- Confira-se a análise dessa questão em nossa tese de doutoramento intitulada Aspectos da reforma da aposentadoria no setor público. 2001. 214 f. Faculdade de Direito, PUC São Paulo, São Paulo.

Érica Paula Barcha Correia é mestre e doutora em Direito Previdenciário pela PUC-SP, professora de graduação e pós-graduação em Direito, co-autora da obra Curso de Direito da Seguridade Social, publicado pela Ed. Saraiva.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/06/2003 - Página 15931