Discurso durante a 82ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defende a implantação de políticas voltadas para os jovens como forma de evitar a delinquência.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Defende a implantação de políticas voltadas para os jovens como forma de evitar a delinquência.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2003 - Página 15999
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, JUVENTUDE, BRASIL, AUMENTO, MORTE, ADOLESCENTE, VITIMA, VIOLENCIA, EXCLUSÃO, SOCIEDADE, DIFICULDADE, INSERÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, AUSENCIA, EXPECTATIVA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • DEFESA, URGENCIA, ELABORAÇÃO, POLITICA, DESTINAÇÃO, JUVENTUDE, ESPECIFICAÇÃO, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, RETORNO, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, QUALIFICAÇÃO, PROFISSÃO, FACILITAÇÃO, ACESSO, MERCADO DE TRABALHO, IMPEDIMENTO, DELINQUENCIA JUVENIL, CONTRIBUIÇÃO, PROGRESSO, PAIS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um dado da realidade brasileira capaz de tirar o sono de qualquer um de nós, até dos mais otimistas em relação ao futuro da Nação. Pasmem, caros Colegas, 24% dos jovens brasileiros de 18 a 25 anos de idade não acreditam que a sua vida possa melhorar. Quando falamos nisso parece pouca coisa, parece que a importância é mínima, mas não é, Sr. Presidente, pois na porção jovem de um país estão os homens de amanhã, o futuro quadro de trabalhadores, os governantes, os líderes, os empreendedores. Como podemos ficar tranqüilos diante do desalento dos nossos jovens perante o futuro?

Ora, quem não acredita que pode conseguir uma vida melhor fica paralisado, desanimado, desmotivado e nada fará para sair desse marasmo.

Sempre defendi a necessidade de uma política nacional para a juventude brasileira, uma política articulada e ampla, com ações coordenadas nas esferas federal, estadual e municipal, contando com a parceria de empresas, sindicatos e entidades não-governamentais. Uma política que englobe programas de educação, cultura, saúde, lazer, renda, qualificação profissional. Uma política que seja capaz de evitar a entrada de milhões de crianças e jovens na delinqüência, no submundo das drogas e do crime, não apenas como agente, mas principalmente como vítimas da violência.

Afinal, a violência está centrada no universo juvenil. Está comprovado em pesquisas que houve um crescimento acelerado, nos últimos 10 anos, das mortes por violência na faixa dos 15 aos 24 anos de idade.

Paro aqui para contar uma triste história. Ontem, fui a Teresópolis e levei um empregado de minha casa. V. Exªs precisavam ouvir o diálogo dele comigo. Ele me dizia que, com o emprego na minha casa, mantinha quatro pessoas em Bezerros, Pernambuco. Apenas ele trabalha. Não há emprego para o irmão de 14 anos, nem para a irmã de 17, apesar de, ocasionalmente, ela fazer algum biscate limpando a casa de alguém. O pai é doente, e a mãe cuida dele. Todos vivem do salário do rapaz: R$400,00. E ele dá graças a Deus, pois trabalhava em Bezerros numa fábrica de sapatos, que foi assaltada. V. Exªs prestem atenção: em Bezerros, pequena cidade do interior de Pernambuco, uma fábrica foi assaltada! O dono da fábrica determinou que ele e o primo passassem a dormir na fábrica e lhes forneceu espingardas. Certa noite, a fábrica foi assaltada novamente. O primo levou um tiro e morreu. Então o dono resolveu fechar a fábrica. Ele perdeu o emprego e chegou a passar fome. Resolveu sair do Nordeste, deixando a família.

Ele não me contava sua história com revolta, mas como se fosse algo normal, natural. É como a população brasileira e os jovens vêem hoje o Brasil. É natural, é normal, anarquizou. Não há mais jeito, não há futuro, não há esperança. Por essa razão, estão todos paralisados, esperando não se sabe o quê. Cabe à nossa geração, cabe a nós que estamos no comando, modificar a situação, mas falamos, falamos, falamos, e tudo continua do mesmo jeito. É difícil aceitar que esse seja um diálogo normal. É difícil constatarmos que a violência não é só contra os que têm algum patrimônio. Não! É também contra um infeliz que tem um emprego, que faz meia dúzia de sapatos, numa cidade do interior de Pernambuco. A violência está generalizada e a descrença também. Temos de lutar contra isso. Não é possível que, nas capitais, a média de assassinatos nessa faixa etária esteja em torno de 43%. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, essa estatística sobe para 50%, ou seja, metade das mortes de jovens é provocada por assassinato.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil concentra a metade da população jovem da América Latina e 80% dos jovens do Cone Sul. O Brasil é o quinto maior país do mundo com a maior porcentagem de jovens em seu contingente populacional. Com esse imenso potencial, quando devíamos estar, com fé, construindo um país, está havendo todo esse marasmo e esse desalento. E se não qualificarmos esse contingente, não seremos mesmo um país do futuro; pelo contrário, seremos um país sem futuro.

O Brasil pode imprimir em seu projeto de nação aquelas que são as marcas próprias da juventude: o anseio pelo novo, o ímpeto pela mudança, a coragem para empreender e o destemor de ousar. Não é o que fazemos. Havia 400 mil processos na Procuradoria-Geral da Fazenda cobrando de empresas que foram multadas. Em menos de três anos, os processos chegaram a quatro milhões. Isso significa 50 mil processos por mês entregues à Justiça Federal, que não tem condições de cobrar, porque já está cheia de processos, que levam de 10 a 20 anos para serem cobrados. Temos quase um PIB para receber. E todos sabemos - pergunte ao contínuo do Senado - que não vamos receber, porque as multas, as taxas são gigantescas. Sabemos até que, quanto mais aumentam os impostos, menos se arrecada. Só quem não sabe disso é o Governo, que sempre cobra mais e cada vez mais dos mesmos, que não podem gritar, os assalariados, porque o desconto já sai na folha de pagamento. O restante forma esse contingente de quatro milhões de processos parados somente na Procuradoria-Geral do Ministério da Fazenda.

Se nossos dirigentes tivessem tido mais cedo a clarividência e o descortino necessários para encarar os jovens como segmento estratégico do próprio desenvolvimento nacional, poderíamos estar, hoje, desfrutando dos resultados de uma política para a juventude em franco andamento.

Infelizmente, o Brasil é um País de baixa institucionalização e tradição no tratamento de assuntos ligados à juventude, a despeito de sua dimensão econômica no plano internacional, de sua relevância regional e da grande percentagem de jovens em seu contingente populacional. Não temos investido nesse segmento.

Infelizmente - lamento ter de novamente empregar esse triste advérbio - o retrato do Brasil que os indicadores sociais insistem em nos exibir não é dos mais favoráveis.

A persistente deterioração da distribuição de renda e o empobrecimento contínuo da população pressionam fortemente a situação de nossas crianças, adolescentes e jovens.

Aproximadamente metade da nossa população infanto-juvenil vive em famílias cuja renda não ultrapassa meio salário mínimo. Enquanto isso, a televisão mostra todas as belezas da sociedade de consumo. E aí vem a revolta. Não tem emprego, a família ganha meio salário mínimo, mas a televisão mostra um mundo paradisíaco a que ele precisa ter acesso. Não nos surpreende, nesse contexto, que cerca de 17% da população de 10 a 14 anos esteja trabalhando. Esses jovens estão trabalhando, Sr. Presidente, quando deveriam estar na escola, se qualificando e se preparando para uma vida melhor.

Mas como poderiam estar nos bancos escolares, se suas famílias sofrem brutalmente os efeitos da miséria? São famílias que estão na margem inferior da satisfação das necessidades básicas para uma sobrevivência digna.

Compõem essas crianças uma triste classe obreira, que trabalham transportando carvão, fazendo tijolo, corda, trabalhando até na roça. E trabalham apenas para sobreviver no presente, porque não estão construindo seu futuro.

Se ampliarmos o estrato etário para a população de 10 a 17 anos, veremos que cerca de 7 milhões, nessa faixa etária, participam da força de trabalho. Poderíamos pensar que essas crianças estão na zona rural, auxiliando a família em atividades agrícolas, como ocorre em outros países.

Ledo engano, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Vamos encontrar 60% delas trabalhando em atividades não-agrícolas, desprotegidos e indefesos num sistema laboral que lhes nega a devida proteção social. E, aí, de novo, nós não ousamos. Ao invés de facilitarmos, nós criamos dificuldades na legislação, que termina sendo contra o próprio jovem.

Não se pense que, ao alcançarem a maioridade, estarão em melhor situação! O desemprego estará logo ali à frente. Nem mesmo as sociedades mais desenvolvidas do Planeta estão conseguindo fugir desse cruel flagelo. No Brasil, essa situação tem se agravado.

A verdade é que o fenômeno da globalização e da abertura de mercados fragilizou o ser humano num dos pontos mais essenciais de sua perspectiva de vida: roubou-lhe a esperança de vir a ter dias melhores.

Ameaçado de perder, a qualquer momento, seu posto de trabalho, ou já lançado à amargura do desemprego, como pode o ser humano sonhar com um futuro melhor para si e para a sua família? Sonha quem tem a barriga cheia; sonha quem tem o mínimo para viver. Quem está com fome não sonha, pensa fixamente na comida, no dia-a-dia, no prato de feijão. É preciso que nós, que fazemos essa geração, tomemos medidas.

O aumento da exclusão dos jovens brasileiros, diante de um quadro resultante da grave crise econômica e social enfrentada pelo País nos anos 80 e no início da década de 90, desemboca hoje no crescimento de comportamentos anti-sociais, como a delinqüência, o tráfico de entorpecentes, a formação de gangues e a prostituição infantil de meninas e meninos. Passem pelas estradas nordestinas.É de dar dó. Aqui na Capital, passem à noite nas imediações do Hotel Nacional e vejam quantos menores se prostituindo, porque não têm acesso a uma vida melhor. Não há também autoridades para coibir o comércio. Pelo contrário, o que vemos é a autoridade fazer de conta que não está vendo. Isso faz com que esse contingente de jovens, que é o futuro, o Brasil de amanhã, esteja nessa amargura e nessa descrença.

Se não investirmos com urgência em programas específicos para a população de 15 a 24 anos, teremos, a curtíssimo prazo, os problemas relacionados ao jovens se agigantando em proporções insuportáveis.

Mas nunca é tarde para cuidarmos do tema. É por isso que volto a falar deste assunto nesta Casa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há horas em que fico deprimido e até, por que não dizer, invejoso, quando vejo Taiwan, hoje com 22 milhões de habitantes. Fugindo da guerra, de Mao Tse-Tung, esse povo invadiu uma área que não tinha qualquer civilização e formou um país que já ganhou e aplicou na Ásia US$900 bilhões e tem no bolso, para aplicar em outros investimentos, US$120 bilhões. Por que, em cinqüenta anos, eles conseguiram formar uma nação que afronta até a China, que respeita o desenvolvimento deles? E por que nós, que já estamos com 500 anos, dez vezes mais tempo, até hoje falamos -- é um blablablá --, mas as soluções não aparecem?

Hoje, o Senador José Jorge falou sobre a transposição do rio São Francisco, mas desde o Império se fala dessa transposição, que nunca veio. Falta vontade política. Somos um País do deixa para depois e estamos apagando um incêndio de ontem. Nunca estamos preocupados com o amanhã, com o planejamento. Enquanto isso, perdemos.

Na semana, jantava com o Embaixador da Suíça, que me dizia os números do seu país. Dava-me tristeza de ver que sete milhões de pessoas são capazes de produzir e ter investimentos muito superiores que o nosso País, de 175 milhões. Será que eles são superiores a nós? É claro que não. O que nos falta é a organização, a determinação e a vergonha, que não estamos tendo para fazer com que as coisas sejam cumpridas.

A nossa juventude está largada. Hoje, o que mais existe em toda quadrilha são os matadores de dezesseis anos, que podem votar, mas não podem ser punidos. E ai de quem colocar a mão neles! Imediatamente aparece alguém dos direitos civis dizendo que em menor de idade não pode. Mas há deles - vi na televisão um dia desses e duvido que alguém aqui não tenha visto - que já mataram vinte pessoas. Outro dizia na televisão, Sr. Presidente: “Eu gosto de matar como gosto de comer feijão, carne e arroz e, quando sair daqui, tenho uma lista de dez para matar”.

E nós não tomamos atitude. Pelo contrário, aparecem nas revistas de circulação nacional, às vezes, duas páginas para um bandido que já matou 100. Não damos os exemplos de quem persevera e trabalha. Os exemplos mostrados são dos bandidos, dos ladrões, daqueles que pelo crime tiveram notoriedade. Não consigo entender e só lamento.

É claro que não precisaríamos reinventar a roda, começar do zero. Existem disposições e recomendações de vários documentos de organismos internacionais pertinentes ao assunto.

Os Estados Unidos se transformaram em grande nação quando levaram a sério a educação. O Japão, que era uma nação feudal, transformou-se em potência quando levou a sério o ensino. Mas, lamentavelmente, no nosso País é muito blablablá, muita conversa e pouca ação.

Lembro, a propósito, o Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além, exposto na Declaração de Lisboa sobre Políticas e Programas de Juventude de 1998, ou no Plano de Ação de Braga, dos quais o Brasil é signatário, falam sobre o assunto com muita pertinência.

Relaciono, à guisa de ilustração, alguns dos objetivos que, a meu ver, deveriam ter sido considerados.

Garantir e incentivar a participação ativa dos jovens em todas as esferas da sociedade, dando prioridade à criação de canais de comunicação com jovens, para lhes dar voz ativa, inclusive nos processos de decisão a eles afetos.

V. Exas já viram como está a televisão brasileira? Já prestaram atenção na novela que é exibida as 20 horas, à qual todos os jovens estão assistindo, não há uma pessoa com juízo nem séria. Há uma mulher que não é apaixonada, é tresloucada. Parece que a cada dia se imagina o que pode chocar mais a sociedade. Aquilo é exemplo para as nossas jovens. Parece que não há ninguém sério no País, que a bagunça é a norma.

Promover a educação do jovem em todos seus aspectos, nomeadamente a educação formal e a não formal, para facilitar sua integração no mercado de trabalho.

Muitas pessoas querem que o filho seja doutor, trata-se do complexo de atavismo da velha escola de Coimbra, da qual se deveria ter o anel. Hoje, um bom bombeiro hidráulico ganha mais do que um médico. Hoje, um engenheiro, numa carreira federal, ganha pouco mais de R$2.000,00, o que até a pessoa que vende cocada na esquina ganha. Muitas vezes, a educação profissionalizante tem grande valia, não deveríamos deixar de observar isso.

Garantir aos jovens de ambos os sexos a igualdade de acesso e a continuidade de uma educação básica de boa qualidade, à qual se acresce o acesso aos ensinos secundário e superior.

Garantir a igualdade de oportunidade aos jovens de ambos os sexos ao trabalho remunerado, assim como a proteção contra a discriminação de toda ordem, nomeadamente a referente ao pagamento de salários.

Conceber e implementar uma política de emprego para jovens, investindo-se na capacidade empresarial de os jovens criarem as suas próprias empresas e negócios.

Há ainda a questão do primeiro emprego, em que o Governo diz que irá investir.

Para encerrar, Sr. Presidente, fico preocupado, principalmente com o uso das drogas. Há poucos dias estive na Universidade de Standford, para representar o Brasil no Encontro dos Twenty - falei sobre isso aqui no Plenário. De lá, passei por uma cidade onde morei por um ano, Santa Bárbara. À noite fui procurar um restaurante. Eram 22h e estavam todos fechados. A única rua onde havia algo aberto era onde ficava a juventude. Fui até lá e só encontrei aberta uma pizzaria, e não se vendia mais cerveja a partir das 22h. Jovens, menores de 21 anos não podem comprar cigarros ou cervejas.

No Brasil, compram o que querem e onde querem. Os Estados Unidos conseguem ser a primeira potência mundial, mas a disciplina para o jovem é dura. Aqui, não. Temos os bailes funk, os “trenzinhos”. Ouvi, dias atrás, uma entrevista e fiquei horrorizado. Uma garota de 12 anos dizia ter engravidado no “trenzinho”. Indagada sobre quem seria o pai, ela respondeu que não sabia porque não conhecia quem estava atrás dela.

Isso é um descalabro. As autoridades têm que tratar a juventude com mais rigor. Quem quer progredir tem de se submeter a determinadas normas. No Brasil, vivemos uma época em que não impomos normas à nossa juventude. Mas, o que é ainda pior, também não temos uma política para cuidar do seu futuro. Daí, essa quantidade enorme de jovens que não acreditam que a vida vai melhorar. E esse é o futuro do País.

Eu lastimo e insistirei, a toda hora que possa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na tese de que ou nós encetamos uma política séria para a nossa juventude ou não teremos futuro no nosso País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2003 - Página 15999