Discurso durante a 82ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a qualidade da produção do Legislativo.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Preocupação com a qualidade da produção do Legislativo.
Publicação
Republicação no DSF de 04/07/2003 - Página 17078
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, AUTORIA, JOSE MURILO DE CARVALHO, HISTORIADOR, ORIGEM, LIVRO, ORGANIZAÇÃO, LUIZ WERNECK VIANA, PROFESSOR, PESQUISADOR, ANALISE, POSIÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, QUALIDADE, TRABALHO, LEGISLATIVO.
  • COMENTARIO, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, PAIS, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, INSUFICIENCIA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POSTERIORIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, DEMOCRACIA, INCAPACIDADE, ELABORAÇÃO, LEIS, ATENDIMENTO, REIVINDICAÇÃO, GARANTIA, DIREITOS, SOCIEDADE, ALEGAÇÕES, CONGRESSO NACIONAL, DEFESA, INTERESSE PARTICULAR.

DISCURSO PRONUNCIADO PELO SR. SENADOR GERALDO MESQUITA JÚNIOR, NA SESSÃO NÃO DELIBERATIVA DE 23-6-2003 (DSF 24-6-2003), QUE SE REPUBLICA PARA DELE CONSTEM AS TABELAS 1-A, 1-B, 1-C E OS GRÁFICOS 1-A, 1-B E 1-C.

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O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meu último pronunciamento, abordei o papel da representação política em nosso país, lamentando não termos tirado das urnas as úteis e proveitosas lições proporcionadas pelos eleitores, nos últimos 50 conturbados anos de nossa história política. O fato de termos ignorado, reiteradas e sucessivas manifestações dos cidadãos, tem afetado não só a popularidade, mas também a credibilidade de nosso desempenho, como indicam reiteradas pesquisas e sondagens de opinião.

Prova disso é o julgamento emitido no final do ano passado por um dos mais lúcidos analistas de nossa realidade, o historiador José Murilo de Carvalho que sintetiza, com razoável fidelidade, o que boa parte dos intelectuais brasileiros pensam a nosso respeito. São suas palavras: “Dezessete anos após o final da ditadura, persiste no país sensação generalizada de frustração ou, pelo menos, de desconforto, diante dos poucos frutos sociais gerados pela introdução da democracia política. A insatisfação refere-se sobretudo ao funcionamento da representação política exercida via Poder Legislativo, instituição acusada de vassalagem diante do Poder Executivo e de práticas clientelísticas”.

Afirmações como essa que podem soar aos nossos ouvidos como sentenças condenatórias injustas, nada mais são que o resultado de como boa parte da opinião pública nos vê, nos julga e avalia nossa atuação. As evidências empíricas das manifestações eleitorais a esse respeito parecem-me incontestáveis e podem ser medidas pelo comportamento de milhões de eleitores brasileiros, como procurei mostrar alguns dias atrás.

Nossa postura ante as críticas não pode, sem grave prejuízo para o poder a que pertencemos, ser a mesma do panglossiano distanciamento, adotado ante os sucessivos veredictos das urnas aqui já referidos. O juízo emitido pelo historiador José Murilo de Carvalho encontra-se em A democracia e os três poderes no Brasil, trabalho organizado pelo prof. Luiz Werneck Viana, professor titular, pesquisador do IUPERJ e coordenador do Instituto virtual que leva o mesmo título do livro. Trata-se de obra coletiva publicada pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais e pelo IUPERJ, com a colaboração da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro. Nela podem ser encontradas pesquisas e análises que honram a cultura e a capacidade crítica dos cientistas sociais brasileiros, além de serem extremamente úteis às instituições políticas do país.

No texto que mais de perto nos diz respeito, “A Produção Legislativa do Congresso -- Entre a Paróquia e a Nação”, os autores, Octavio Amorim Neto e Fabiano Santos, começam escrevendo: “O Congresso é uma instituição impopular. Severamente criticado pela imprensa, é extremamente malvisto também pela população em geral, como atestam as pesquisas de opinião”. Ressalvam, porém, que “a desconfiança que paira sobre o Congresso, contudo, não nasceu sob a Nova República, com sua política de distribuição de emissoras de rádio e freqüentes escândalos de corrupção. A visão negativa a respeito do Poder Legislativo já era evidente no final do período democrático de 1946-1964”. Em relação a este tópico, parece-me que a afirmação não encontra respaldo nos resultados eleitorais desse período. A pergunta que mais deveria nos interessar, porém, vem em seguida, feita pelos próprios autores: “Afinal de contas, o que fez o Congresso para que sua imagem chegasse a um nível tão baixo? Isto tem a ver com a má figura dos políticos em geral ou com o que faz o Legislativo em particular?” E eles mesmos indagam: “Mas o que faz o Legislativo em particular?” “Esta é uma questão crucial, para a qual há várias respostas”, dizem os autores. Algumas delas estão no ensaio e as conclusões a que chegam, nem sempre coincidem com as de outros analistas que os precederam na produção da variada bibliografia dedicada ao Congresso nos últimos anos.

Resumidamente, eles começam sua análise valendo-se de dado a meu ver não muito relevante, o da origem ou autoria da produção legislativa, no período pré e pós 64, enfoque já abordado por outros autores. Mostram que, de 1945 a 1964, a média da iniciativa parlamentar na produção legislativa foi de 57%1, em contraste com o período de 1989 e 1998, em que apenas 14% das leis aprovadas foram de autoria de parlamentares ou de comissões do Congresso2. Refiro-me à relevância relativa desse aspecto de nosso trabalho, na medida em que a mudança dependeu menos de nossa vontade do que do modelo institucional adotado depois do regime militar, agravado durante a transição democrática, com a Constituição de 1988. Tão grave quanto seria a recepção do instituto legal do decreto-lei pelo novo texto constitucional, foi a sua substituição por outro já em decadência até mesmo em sua origem, o das medidas provisórias.

Além de ser uma tendência bastante generalizada em boa parte dos modelos políticos contemporâneos, o desafio do Legislativo não se centra na origem ou autoria, mas na utilidade e na eficácia das leis. Este, sim, a meu ver, o debate substantivo, a questão crucial que deveria ser sujeito de nossas preocupações e objeto de nossa permanente avaliação. Em qualquer dos muitos dicionários de citações que proliferam no mundo, o verbete “lei” está tão presente quanto a palavra “justiça”. Na realidade brasileira, no entanto, os dois conceitos nunca andaram tão distantes. Talvez por isso sejam tão antigas, freqüentes, persistentes, reiteradas e contundentes as observações da maior parte de nossos analistas, quanto à ingênua persistência em nossa cultura, da crença de ter a lei o condão de mudar a realidade. O Brasil, Sr. Presidente, tem sido, em todos esses anos, como o Purgatório de Dante, onde “As leis existem, mas não quem as execute”. A corrupção não grassa no país pela quantidade de leis. Mas temos que convir que a quantidade, a variedade e a inutilidade de algumas delas ajudam a corrupção”. Afinal, quantas delas não criam dificuldades, para vender facilidades?

O mal, Sr. Presidente, há muito está identificado. Mesmo não concordando com todas as observações do pensador cearense Farias Brito, quem ousaria contestar a objurgatória com que, em seu Panfleto, de 1916, nos acusava de sermos “país de impostores, odientos e cínicos, algumas vezes perversos; país de exploradores políticos; país de falsos legisladores - eis o que somos. Também as leis se fabricam aqui com a mesma facilidade com que se fabrica manteiga ou sabão”.

Acusando como males a instabilidade e a incerteza jurídicas, Farias Brito ainda sentenciava: “É por isso que as leis em nosso país se fazem e desfazem com tanta facilidade. Tudo se reforma, tudo se modifica a todo momento e cada governo que vem quer ter, em todos os ramos da administração, um sistema todo novo de leis”. E acrescentou: “Aqui os governos (...) acreditam dar uma idéia muito alta da justiça, multiplicando as leis. É assim que temos leis aos milhares, muitas extemporâneas, extravagantes, ridículas, quase todas falsas, importadas do estrangeiro, sem nenhuma ligação com o nosso meio, sem nenhuma relação com os hábitos tradicionais e as tendências próprias da Nação”. Penso, Sr. Presidente, no que diria hoje o filósofo cearense, deparando-se com uma Constituição que, antes de completar 15 anos de vigência, já foi vitimada por 45 emendas, um caso sem paralelo no mundo!

Mas não foi só Farias Brito. Bem antes dele, Joaquim Nabuco já tinha criticado o que ele mesmo chamou de “política silogística” com que ironizou os “legisladores que, entre nós, fazem do grave problema da organização política do Brasil, uma pura arte da construção no vácuo”. “A base, escreveu ele, são as teses, e não os fatos; o material, idéias e não os homens; a situação, o mundo, e não o país; os habitantes, as gerações futuras e não as atuais”. Tratando do que chamou de “Tecnologia das reformas”, Oliveira Viana, mesmo com o seu pensamento ultraconservador, não pode deixar de ter razão quando criticou o apego com que os governos que se sucedem no país, apelam sempre às reformas, como se, partindo do Estado, elas fossem capazes de mudar a estrutura, o comportamento e até os valores da sociedade. Não sei o que ele pensaria da reforma trabalhista feita no governo passado, ao se acrescentar à tradicional designação de Ministério do Trabalho, a palavra emprego, iniciativa cujo único resultado foi o de aumentar o desemprego...

Ninguém ousará acusar de conservadorismo, como acabo de fazer com Oliveira Viana, nem de radicalismo, como muitos fizeram com Farias Brito, essa outra grande expressão do pensamento e da ação política que foi Nabuco. E qual o seu julgamento sobre nossa representação política? Sempre vale a pena ouvi-lo: “O sistema representativo é, assim, um enxerto de formas parlamentares num governo patriarcal e senadores e deputados só tomam a sério o papel que lhes cabe nesta paródia da democracia, pelas vantagens que auferem. Suprima-se o subsídio, forcem-nos a não se servirem de sua posição para fins pessoais e de família - e nenhum homem que tenha o que fazer se prestará a perder seu tempo com tais skiamaxiai*, em combates com sombras, para tomar uma comparação de Cícero”. Artur Ramos, Sr. Presidente, não foi menos irônico quando acusou o parlamento de ser “um viveiro de portentosa verbiagem”, onde muito se fala e pouco se faz.

Mas o que têm tantas críticas a ver com o descrédito da representação política do país? Porque tantos milhões de brasileiros, a cada eleição, têm deixado de exercer o direito de voto, quando se trata de escolher os mandatários que devem representá-los na Câmara? Não vou deter-me na prática já costumeira de demitir-se de seus deveres a que se tem se entregado o Congresso nos últimos anos, pois essa questão será objeto de intervenção que desde já reservo para o futuro. O que me pergunto é, em que medida o nosso desempenho na função precípua de legislar tem afetado a legitimidade, a credibilidade e por conseqüência a popularidade do Legislativo entre nós? Uma das respostas plausíveis, na qual nunca nos detivemos, pode ser encontrada no exame não da quantidade, mas da qualidade, da utilidade e da serventia das leis que aqui aprovamos. Servem elas à sociedade e ao cidadão? Atendem suas expectativas? Melhoram a vida de todos? Ampliam os direitos individuais? Garantem os direitos sociais dos brasileiros, promovem por acaso sua prosperidade econômica?

Perdoem-me V. Exas. a crueza do veredicto que não é só meu, mas de muitos outros cidadãos. O problema é que temos legislado de costas para a população, exatamente como a maioria dos que dirigem os destinos do país têm governado de costas para a sociedade, e tal como os tribunais que dirimem nossas querelas jurídicas têm prolatado suas sentenças de costas para os cidadãos. Somos devotos do Estado, dos que o governam e do poder que eles detêm. Estamos sempre atentos e somos pressurosos com a tutela de seus interesses. Acudimos e suprimos suas necessidades, por mais funestas que possam ser para a maioria dos brasileiros. Somos fiéis servidores do Estado e dele nos servimos para a promoção de nossos próprios interesses.

Sras. e Srs Senadores, votemos todas as leis que nos peçam, façamos todas as reformas que nos proponham, aprovemos todos os projetos que nos sejam submetidos, destinemos todos os recursos de que carece o Estado. Mas tenhamos a mesma postura, na proteção e na promoção dos direitos, das prerrogativas e das faculdades de todos os cidadãos. Se olharmos para trás, corremos o risco de ter o mesmo destino da mulher de Lot. Todos os planos econômicos sem exceção, grande parte das reformas, e não poucas das leis por nós aprovadas, provocaram conflitos, abarrotam ainda hoje os tribunais de reclamações e promovem enxurradas de ações que os cidadãos são obrigados a ajuizar na defesa de direitos que lhes negamos, dos muitos que lhes retiramos e de tantos que lhes prometemos, nunca lhes demos e sempre lhes sonegamos.

A cada nova Constituição, criamos mais tribunais, instituímos novos juizados, multiplicamos o número de varas cada vez mais especializadas. E nada disso resolve o problema da justiça em nosso país. Acusamos o Judiciário, criticamos os juizes, mas as leis que poderiam modernizar a justiça, acelerar seus procedimentos, simplificar sua atuação, tornar esse poder mais ágil e eficiente, dormem nos desvãos e nas gavetas do Congresso. A crise, Sr. Presidente, não está neste ou naquele Poder do Estado. Nós todos que os integramos é que somos a crise. Nós a promovemos, nós a toleramos, nós a alimentamos, não a combatemos e nem sequer fazemos por onde atenuá-la.

Quem ousará exigir que qualquer cidadão brasileiro, por mais culto que seja, por mais erudito, por mais educado, por mais especializado, cumpra o preceito da lei de introdução ao Código Civil, segundo o qual ninguém pode alegar ignorância da lei para deixar de cumpri-la? Essa pletora de leis, decretos, regulamentos, regimentos, circulares, portarias e tudo mais que a imaginação criadora da burocracia é capaz de inventar, em sua quase totalidade não serve à sociedade, mas tem a virtude de atormentar o cidadão. Perdermos a conta de quantas delas votamos reduzindo direitos dos cidadãos. Cultivamos a estatolatria, e quase sempre esquecemos a cidadania. Quando não blasonamos, jactamo-nos de nossa democracia. Mas quase nunca lembramos que até meados da década de 50 ainda éramos a democracia das minorias, pois o eleitorado ainda era constituído por uma quantidade de votos menor do que aquela parcela da população que desse direito estava excluída. Também não podemos esquecer que só universalizamos o voto em 1986, há menos de duas décadas, portanto, quando a emenda constitucional n° 25, de 15 de maio de 1985, restaurou o voto dos analfabetos que a República extinguiu.

Um só exemplo seria, a meu ver, suficiente para provar o quanto temos sido incapazes de tornar efetivos os direitos mais elementares dos brasileiros. Joaquim Nabuco conta, na monumental biografia do pai que tanto ilustrou esta Casa, ser uma das frustrações da vida pública de Nabuco de Araújo, o tempo que levavam suas propostas para se concretizar. E apontava o exemplo da Portaria baixada por ele como ministro da Justiça, proibindo provisoriamente a abertura de novos seminários. Provisória permaneceu, até o fim do Império. Hoje, as medidas que interessam ao cidadão e à sociedade, não levam trinta, nem quarenta, mas cinqüenta e até mais de cem anos, sem que sejam cumpridas ou materializadas. Não me refiro só às leis, tomadas em seu sentido formal, mas também às prescrições constitucionais. E, para tanto, lembro o preceito estipulando a gratuidade do casamento civil, instituído por decreto do governo provisório republicano e acolhido como § 4o do art. 72 que contêm a declaração de direitos na Constituição de 1891. Trata-se de dispositivo constante de todos os textos constitucionais brasileiros, inclusive o atual, com exceção apenas da carta fascista de 37. Entre 1996 e 1997, nada menos de quatro leis foram aprovadas, sem lograr o que exige a Constituição. Há poucas semanas aprovamos aqui, de autoria do senador Pedro Simon, proposta de emenda constitucional que tenta vencer as resistências dos cartórios para cumprirem o que determina, desde 1988, a Constituição.

Um Estado que não se mostra capaz de garantir gratuitamente a seus cidadãos duas simples declarações, o registro de nascimento e a certidão de óbito e que privatizou a instituição do registro civil que a República tornou oficial e de natureza pública, seguramente vive há mais de cem anos de costas para a Nação! Mas esta não é a única nem a melhor evidência do pecado de que somos todos culpados. A prova incontestável de que governamos, legislamos e julgamos de costas para o povo e a sociedade, encontra-se na forma e nos recursos como todos os governos promovem e protegem seus próprios interesses, defendem os da sociedade e protegem o dos cidadãos. Para garantir os seus próprios interesses, a União dispõe de mais de 6.000 advogados. Para representar e defender os da sociedade, o Ministério Público Federal conta com apenas 10% desse total, 600 procuradores. E para assegurar os direitos da maior parte de todos os brasileiros, aqueles que a nada têm acesso, a Defensoria Pública Federal tem menos de 2% dos que defendem o Estado, 110 membros, em todo o país! No meu Estado, Sr. Presidente há apenas uma Defensora em atuação, atualmente pleiteando remoção.

Esgota-se o meu tempo, e vejo-me forçado a concluir, mas não a desistir. Por isso, pretendo voltar ao assunto, abordando outra demonstração evidente da diferença que separa a tutela dos interesses do Estado e dos cidadãos, representada pela inércia do Congresso em adotar medidas que coloquem ao alcance dos brasileiros os instrumentos qualificados para a defesa de seus direitos, garantias e prerrogativas.

Antes, porém, mais uma vez invoco o ultra-conservador Oliveira Viana que tanto criticou o idealismo das nossas Constituições e que tão corrosivamente, mas com tanta razão, condenou nossa alienação: “A impressão que me dão esses construtores de Constituições é a de uma congregação de logiciens, que raciocinam sobre expressões técnicas do Direito Público como matemáticos sobre sinais algébricos. Com estas expressões genéricas - vazias de conteúdo objetivo e jogando com elas à maneira das letras, siglas e chaves dos calculistas - eles armam equações a uma, a duas, a várias incógnitas e concluem in abstracto - como os matemáticos ao desenvolverem uma série funcional ou ao exponenciarem uma equação. O que lhes importa é unicamente a norma legal, na sua exclusiva formulação verbal, na abstração do seu conteúdo; a norma legal, ontologicamente considerada; o texto da lei, em suma, na sua pura expressão gramatical e com a sua mens legis hermeneuticamente determinada, de acordo com as regras clássicas. Só isto e nada mais. Pode-se dizer que têm uma mentalidade kelseniana, sem terem lido Kelsen”.

Os Poderes do Estado no Brasil padecem desse mal, Sr. Presidente. Têm conseguido, quase todos, sem exceção, ser mais conservadores que o ultra conservador Oliveira Viana. Nós inclusive. É por isso que assim nos julgam os intelectuais e em última análise, os brasileiros, abandonados à sua própria sorte, órfãos porque não encontram quem proteja e promova seus direitos com a mesma eficiência com que fazem em causa própria os que os governam, aqueles que essa figura ilustre e exemplar de intelectual e cidadão, recentemente falecido, Raimundo Faoro chamou, com tanta propriedade de “os donos do poder” no Brasil.

 


1 Cf. PESSANHA, Charles. (1997). Relações Entre os Poderes Executivo e Legislativo no Brasil: 1964-1994. Tese de doutorado, USP, SP.


2 Cf. FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando (1999). Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora.


* Palavra grega que significa “Luta simbólica”



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/2003 - Página 17078