Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a crise de identidade que vive o governo do Partido dos Trabalhadores.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a crise de identidade que vive o governo do Partido dos Trabalhadores.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2003 - Página 16207
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, EFETIVAÇÃO, PROPOSTA, PERIODO, CAMPANHA ELEITORAL, COMBATE, DESEMPREGO, PROMOÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, JUSTIÇA SOCIAL.
  • REGISTRO, CRISE, IDENTIDADE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MOTIVO, FALTA, APRESENTAÇÃO, ALTERNATIVA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, MANUTENÇÃO, MODELO POLITICO, GESTÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, CONTEUDO, EXCESSO, EXPECTATIVA, MELHORIA, SITUAÇÃO, BRASIL, REGISTRO, CONTRADIÇÃO, POSIÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, DEFINIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PLANEJAMENTO, POLITICA NACIONAL, EFETIVAÇÃO, PROJETO, BENEFICIO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, SEGURANÇA PUBLICA, DEFESA, REDUÇÃO, INCOERENCIA, DECLARAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DIFICULDADE, INTERPRETAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Bem-aventurado aquele que chegou à ignorância além da qual não pode continuar.

Umberto Eco.

Quando o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assumiu o comando do Brasil, pediu paciência, assegurou ousadia e jurou humildade. Avocou o testemunho de Deus e se assenhorou do tempo para oferecer à Nação o “País do Milênio”.

Justiça social aos humilhados, rigor punitivo às imoralidades gerais, pluralismo às minorias, segurança empreendedora a quem precisa produzir e dignidade universal em forma de terra, soberania, pão, crescimento sustentável e distribuição de renda. À conjugação do verbo mudar consignou uma das mais formidáveis mensagens de esperança, como se a História reservasse ao seu otimismo parcelas sagradas da predestinação.

O Brasil se encheu de entusiasmo para ouvir a voz do coração operário que se tornou Presidente. Depois soou engraçado o primeiro mandatário quebrar protocolos e subverter as liturgias do cargo. Em seguida, Lula decidiu governar o Brasil em solenidades e, dos seus pronunciamentos, passou-se a inferir que havia algo de non sense no ar, a começar pela quantidade. Um Presidente que fala três vezes ao dia foge ao razoável e cria sensação de erro essencial em relação ao Governo, principalmente se se considerar que o desempenho da economia é pífio, com desemprego recorde, deflação, juros exorbitantes, crescimento negativo e futuro incerto.

O PT finalmente governa o Brasil e devia estar feliz, no entanto, vive crise de identidade. Os próprios Ministros e o vice-Presidente se encarregam de dar publicidade às antipatias pós-nupciais da coalizão que assumiu o poder. Movido por intenções ambíguas, o Governo tem vergonha de admitir que não há o que se fazer além do “Brasil do Possível” de Fernando Henrique Cardoso, mas não apresenta alternativa de desenvolvimento. Em vez de emprestar padrões éticos aos costumes políticos, pratica o tacanho favoritismo de ontem para compor a base de sustentação, ao mesmo tempo em que acena o expurgo partidário para calar a própria dissidência e, principalmente, administra sob espasmos e improvisos.

O mesmo Lula que garantiu não tocar a obra sob o “arroubo voluntarista” está queimando o seu capital político em um falatório estabanado, às vezes, vulgar e de excessivo apelo à pessoa. Parece que, à falta de resultados palpáveis no conjunto do Governo, o servidor número um do País, como Sua Excelência próprio se diplomou, é encarregado de fazer diariamente o ganha-pão político de um establishment delirante. Patrono de um discurso monocórdio, que sevicia o óbvio para esposar a deselegância, o Presidente imagina solver os graves problemas nacionais, lançando mão do lugar-comum.

Srªs e Srs. Senadores, por obrigação institucional e dever de cidadania, sou leitor dileto dos pronunciamentos do Excelentíssimo Senhor Presidente e gostaria de assentar meus argumentos no que o “Luiz Inácio falou”. Ao cair do pano, vou demonstrar a esta Casa que a sabedoria popular, da qual se vale o primeiro mandatário, tem sido péssima conselheira, além de provocar inúmeros pretextos de mal-estar. Como minha palavra é breve, mencionarei discursos pontuais.

No dia 23 de janeiro de 2003, na posse do diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, entusiasmado com a grandeza da hidrelétrica, Lula afirmou que a América do Sul “exige” que o Brasil lidere o subcontinente, porque um País que construiu uma usina daquele porte não pode ser considerado do Terceiro Mundo. Lembrou que o seu mandato tem quatro anos e lançou a primeira de uma série de filosofadas de jogador de futebol: “o bom técnico não é aquele que começa ganhando, é aquele que termina ganhando, porque o que vale é o final do jogo”.

            No dia seguinte, no III Fórum Social Mundial, mencionou, em três oportunidades, a duração do seu mandato e mostrou os primeiros sinais do múnus sebastianista que emula as suas intenções políticas: “Posso cometer algum erro, mas (...) jamais negarei uma vírgula dos ideais que me fizeram chegar à Presidência da República”.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma. Fazendo soar a campainha.) - Prorrogo a sessão para que V. Exª conclua o seu pronunciamento e, também, seja aberto o livro.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Paternal, jurou que “nenhuma criança irá dormir sem um prato de comida e nenhuma criança acordará sem café da manhã”, muito embora o Programa Fome Zero, na ocasião, produzisse a primeira grande patuscada do seu governo no sertão do Piauí.

Catorze de fevereiro de 2003. Solenidade de assinatura de projetos de cooperação entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. Na vida real, o Ministro José Graziano sofria inúmeros desgastes por não saber o que fazer com o Fome Zero, mas o Presidente Lula declarou-se um sonhador vaidoso: “Possivelmente, o nosso projeto de combate à fome não seja o mais perfeito do mundo, mas duvido que no mundo tenha um mais perfeito que o nosso.”

Estamos em final de junho e a iniciativa continua nas boas intenções. O Ministério da Segurança Alimentar, conforme demonstrou o jornal Correio Braziliense do último domingo, não consegue definir o conceito de pobre para distribuir o benefício de R$50,00.

Talvez, se o Senhor Presidente tivesse sido mais bem aconselhado, não teria refletido de forma precipitada sobre as variáveis econômicas de um País como o Brasil. Em cerimônia na Confederação Nacional do Comércio, em 24 de fevereiro, o Presidente Lula garantiu que reduziria os juros, e, em um gesto messiânico, aduziu: “O País vai crescer porque eu levanto, cada dia, mais otimista com o Brasil”.

No dia seguinte, em outro ato público, reforçou a tese da predestinação ao afirmar que o “governo precisa olhar para o povo como se estivesse olhando para o seu próprio filho”. Faço minhas as palavras do Exmo. Sr. Vice-Presidente, José Alencar, para quem “o Brasil está se esvaindo com os juros”.

No dia 10 de março, o orçamento já estava há um mês contingenciado, com corte de R$14 bilhões, medida motivada por um erro primário da equipe econômica, que se esquecera de corrigir as despesas projetadas e, por esta razão, tiveram de mutilar os investimentos, inclusive na área social tão cara ao Governo do PT. Mas, na voz do Presidente da República, um Brasil surreal foi assim descrito durante solenidade na fábrica da Mercedes Benz: “Se comete o equívoco e o erro de se ficar discutindo que custa muito fazer reforma agrária”.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Demóstenes Torres, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Demóstenes Torres, estou ouvindo atentamente o pronunciamento de V. Exª. Em determinado momento, citou a assinatura de importante convênio feito no Estado do Piauí. Todo o Brasil sabe que Guariba foi escolhida como cidade símbolo desse programa. No fim de semana passado, estive na região e percebi que a frustração dos trabalhadores é enorme. Para corroborar com o que V. Exª diz, trago a informação de que, no Governo passado, o Município de Guaribas recebeu R$50 mil desses programas de ajuda social. Agora, com toda a divulgação que teve o Programa Fome Zero, o valor foi reduzido para R$25 mil. Não quero prejudicar o Presidente Lula nem desmerecer sua intenção, mas advertir, alertar, chamar a atenção da equipe de Governo para a burocracia que está tomando conta de suas ações, desviando a boa intenção do Senhor Presidente e não permitindo que o programa alcance, pelo menos, parte do sucesso que Sua Excelência imaginou que teria. Faço esse registro para que a Nação tome conhecimento de que Guariba depositou grande esperança no Programa Fome Zero e foi prejudicada. Pessoas de fora tentaram se mudar para a cidade na esperança de estar diante de um novo oásis, um novo paraíso, mas a realidade, até o momento, é frustrante. Espero que o Governo Federal examine a questão e corrija enquanto é tempo. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Senador Romeu Tuma) - Senador Demóstenes Torres, solicito a V. Exª que não conceda mais apartes, pois o tempo destinado ao seu pronunciamento deve terminar em cinco minutos.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Sr. Presidente, pretendo apenas terminar meu pronunciamento.

Senador Heráclito Fortes, agradeço a oportuna intervenção de V. Exª. Como noticia o jornal Correio Braziliense, o Governo petista ainda não conseguiu definir o que seja “pobre”. Então, o dinheiro está parado, mais de R$200 milhões, à espera da definição da conceituação para que comecem a distribuir os R$50. É isto que clamo: que haja agilização, determinação do Governo. Que o Governo efetivamente comece a governar.

O Governo Lula ainda não conseguiu assentar um só trabalhador sem terra. No Pontal do Paranapanema, o Sr. José Rainha pretende, até o final de julho, consolidar uma nova Canudos com 20 mil pessoas, para forjar situação imponderável, e nunca houve tantas invasões políticas de terras produtivas neste País.

Em outro momento, sem apontar alternativa alguma, confortou o País com mensagem de infalibilidade: “Quero que vocês deitem todo dia com a consciência tranqüila, que este amigo de vocês, este companheiro, nunca deixará de ser companheiro de vocês”.

No dia seguinte, o Presidente Lula proferiu dois pronunciamentos que espelham a indelicadeza a que me referi acima: no lançamento do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, afirmou que tamanho não era documento ao comentar a estatura da Doutora Ruth Vilela. Já em encontro com Prefeitos, o Presidente da República, ao comentar a importância dos Municípios no ambiente institucional do País, argumentou que é nas cidades que pode “encontrar um Vereador no boteco da esquina tomando uma e dando outra para o santo”.

Vamos ao dia 24 de março, data em que o Presidente Lula descobriu que a retórica tem o poder mágico de converter mazelas complexas em ação de graças, atitude que diverge na forma, mas que coaduna com os tempos em que este País era transformado por decreto. Na cerimônia de comemoração dos 50 anos da Volkswagen do Brasil, a Nação estava profundamente constrangida com o assassinato do Juiz-Corregedor do Espírito Santo, Alexandre Martins, e o Presidente Lula, em ato de demagogia cumulada com bravata, anunciou que iria “ganhar a guerra contra o crime organizado porque a grande maioria do povo brasileiro vive do seu suor”. Na última segunda-feira, o próprio Presidente do PT, José Genoíno, reconheceu que o Governo Lula fala demais para pouca ação quando o assunto é segurança pública. As razões do ex-Deputado são paroquianas. Nesses cinco meses, furtaram o carro do Ministro da Justiça, o próprio Genoíno escapou de um “seqüestro relâmpago” porque foi buscar uma escova de cabelo e, agora, ocorreu o lamentável latrocínio contra o segurança do filho do Presidente da República.

Ora, trata-se de mais uma banalidade, uma vez que os membros desta Casa, especialmente os integrantes da Subcomissão de Segurança Pública do Senado, estão desenvolvendo um esforço extraordinário de proposição de um novo estatuto jurídico para o endurecimento com o crime organizado e o narcotráfico, e a maior oposição encontrada situa-se justamente no Ministério da Justiça, e sua opção preferencial pelos direitos humanos dos bandidos.

Desde o dia em que o Presidente da República resolveu o problema da criminalidade no grito, sucessivas providências passaram a ter amparo gutural. Em 08 de abril, durante o lançamento do Programa de Regularização das Favelas, em São Paulo, o Presidente Lula vaticinou: “Se a gente não pode fazer tudo, temos de cuidar de quem está pior, ou seja, vamos acabar com as palafitas deste País”. Na sede da Confederação Nacional da Indústria decidiu alfabetizar vinte milhões de jovens e adultos. Uma revolução, de acordo com o primeiro-mandatário. Ora, em cinco meses o Governo Lula ainda não movimentou um centavo dos duzentos e setenta e três milhões de Reais previstos no orçamento para a erradicação do analfabetismo.

Que tal a sua projeção de que, em quatro anos, o Brasil vai receber mais turistas que a França e a Espanha? Ou o Ministério da Educação formar 10 mil doutores nas Regiões Norte e Nordeste? Nos improvisos presidenciais, colhi expressões que beiram ao pasmo por nada significar, embora as considere extremamente prejudiciais, uma vez que dão azo a interpretações distorcidas, um cipoal de empulhações que só a historiografia será capaz de decifrar. Observem que pérolas da obviedade e da indiscrição: “Na vida de um ser humano acontecem muitas coisas que normalmente ele não prevê que vai acontecer.” Ou “A dura realidade é que todos temos um pouco de louco dentro de nós.”

Ainda vou tratar da matéria com o devido respeito que merece o povo do Brasil, mas gostaria de mencionar que há algo de dissimulado nos propósitos do Governo Lula, quando o primeiro-mandatário afirmou que “as reformas não podem ser feitas sem significar mudanças.” Em relação ao projeto proposto de alteração do sistema tributário, faço minhas as preocupações do Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Celso Lafer Piva, para quem “o sistema tributário vai continuar sendo o freio e não o motor da economia.” E, em nome do Estado de Goiás, garanto que não emprestarei o meu mandato para referendar um arremedo da Reforma Tributária.

Sr. Presidente, para finalizar, este País não pode mais ser governado dos palanques e parlatórios nem regido por mensagens aparentemente filosóficas, mas pertinentes a informações derivadas do ouvir dizer, sem lastro no mundo real, despiciendas de fundamento teórico, e temerárias, à medida em que atendem à ética do Chacrinha: não explicam coisa alguma e confundem bastante, o que é impróprio a um governante que gerencia a grandeza e a diversidade do Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente, inclusive pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2003 - Página 16207