Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio às manifestações publicadas na imprensa sobre as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito do Congresso Nacional e do Judiciário. (Como Líder)

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Repúdio às manifestações publicadas na imprensa sobre as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito do Congresso Nacional e do Judiciário. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2003 - Página 16251
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, REUNIÃO, LIDER, PARTIDO POLITICO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, DESRESPEITO, DEMOCRACIA, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, DECLARAÇÃO, IMPRENSA, PROCESSO, DIVIDA, JUSTIÇA SOCIAL, BRASIL.
  • CRITICA, ERRO, INJUSTIÇA, INTERPRETAÇÃO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, DIALOGO, DEMOCRACIA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assistimos ontem nos telejornais a uma manifestação supostamente atribuída ao Presidente da República, com imagens e fala de Sua Excelência. Essa manifestação foi interpretada nos jornais de hoje como um possível desentendimento institucional entre Sua Excelência o Presidente da República e o Congresso Nacional e o Poder Judiciário. Houve, em razão das interpretações, manifestações de alguns líderes partidários insatisfeitos, fazendo críticas à suposta afirmação do Presidente da República, manifestações que entendo legítimas, naturais de quem se sente incomodado por alguma razão.

Hoje tivemos a oportunidade, como líderes partidários, de nos reunir com o Senhor Presidente da República. Nessa reunião, Sua Excelência fez questão, do alto de sua grandeza de homem público e experiente, de um político à altura de seu tempo, de expressar um gesto de humildade, mesmo sem ter qualquer sentimento de culpa pelo ocorrido no dia de ontem. Sua Excelência quis fazer um esclarecimento, ofereceu uma mão democrática àqueles que se mostraram preocupados e insatisfeitos com as suas afirmações.

Entre outras coisas, disse o seguinte o Senhor Presidente da República em conversa com uma irmã, uma religiosa, que tinha vencido a sua etapa de formação em curso de aperfeiçoamento profissional no Senai:

E eu, Irmã, estou com a senhora quando diz: “A gente não pode nunca deixar de crescer”. Eu, a cada dia que passa, a cada dificuldade, me sinto o brasileiro mais otimista que este País já teve. Nada, podem ficar certos de que não tem chuva, não tem geada, não tem terremoto, não tem cara feia, não tem o Congresso, não tem o Poder Judiciário; só Deus será capaz de impedir que a gente faça este país ocupar o lugar de destaque que ele nunca deveria ter deixado de ocupar.

Em nenhum momento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senhor Presidente da República deixou dúvidas quanto ao fato de que estaria dirigindo suas afirmações às reformas previdenciária e tributária, que estão tramitando no Congresso Nacional. Sua Excelência falou de uma dívida social herdada que o Brasil carrega sobre os seus ombros, dívida social enorme à qual tem que dar resposta. Sua Excelência quis se referir à reforma do Estado brasileiro, à reforma para criar um novo Brasil. Um Brasil que nós estamos querendo construir é o que se apresenta como desafio ao Senhor Presidente da República.

Gostaria de fazer uma ponderação: diante de qualquer dúvida, devemos ter o bom hábito do esclarecimento detalhado para que não sejam cometidas injustiças de interpretação, para que críticas não sejam feitas à imprensa com conotações às vezes ofensivas e desnecessárias.

Lembro-me perfeitamente de um elogio público que recebi tempos atrás do Líder Arthur Virgílio pela maneira como reagi a uma denúncia grave que me chegou às mãos no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, na gestão do Ministro José Serra, da Saúde. Eu poderia ter ocupado a manchete de todos os jornais e de grandes revistas com essa denúncia que me chegou às mãos e que dizia respeito a uma possível grande contaminação nos hemocentros por erro de interpretação laboratorial, e as bolsas fracionadas teriam atingido em larga escala a sociedade brasileira. Tive o cuidado de procurar o Ministro da Saúde, com técnicos da área, e esclarecer a denúncia que me havia chegado às mãos. Buscou-se então o caminho da racionalidade, do equilíbrio, para investigar a denúncia, apurar rigorosamente o fato e dar a devida satisfação à sociedade brasileira. Considerando a gravidade, prontamente o Ministro da Saúde informou o fato ao Presidente da República, e o caminho da racionalidade e do bom-senso prevaleceu. Esse é o dever do agente público, esse é o dever do agente político.

Temos como guia a Constituição Federal, que estabelece:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O Presidente da República tem o dever, sim, de se impregnar de responsabilidade no cumprimento da Constituição Federal. Quando ele fala dessa dívida, que ninguém pode impedir o Brasil de ser outro Brasil a partir de agora, é porque ele carrega, com toda a sua integridade de homem público, com toda a sua biografia, com toda a sua história de construção de um país democrático e na luta pela redemocratização do Brasil, essa responsabilidade.

Se nós fizermos um paralelo na história, vamos observar que, no final do século XX, a revista Time - o Senador Hélio Costa a conhece muito bem - escolhia não o personagem americano do ano, mas o do século, tendo sido escolhido Franklin Roosevelt, visto que aquele homem recebeu o país depois do cracking da bolsa de Nova Iorque, mas encontrou um caminho único que dizia respeito ao avanço entre a relação trabalho e capital. E, apesar das enormes dificuldades de convivência política e democrática no Parlamento e nas instâncias do Judiciário, Franklin Roosevelt conseguiu fazer o país crescer, assumindo o diálogo como caminho para a obtenção de seus objetivos.

Após ter sido eleito, antes até de tomar posse, o Presidente da República, em um gesto de admirável e inesquecível humildade, em uma visita ao Parlamento brasileiro - ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados -, afirma que iria cansar o Parlamento com o diálogo. Em outra ocasião, quando do momento do envio das emendas constitucionais para a reforma do Estado no campo previdenciário e tributário, Sua Excelência abre mão da burocracia e vem pessoalmente ao Parlamento entregá-las, quando afirma com todas as letras: deste momento em diante, entregamos a autoridade e a voz ao Congresso Nacional, para que dêem destino às reformas que estou apresentando para o Brasil.

Esse gesto de democrata e de estadista não pode ser esquecido apenas por uma frase mal colocada. Faço, portanto, um apelo no sentido de evitarmos críticas injustas e o debate desnecessário, para que possa, assim, haver aqui uma política afirmativa. O Parlamento precisa mais do que nunca da política afirmativa. Temos líderes de Oposição fantásticos neste momento da vida do Congresso Nacional: Senador Arthur Virgílio, Senador José Agripino, outros Parlamentares, Senador Efraim Moraes. E todos assumimos uma responsabilidade enorme com os destinos deste País.

Portanto, o apelo que faço nesta hora é que economizemos no que é desnecessário e valorizemos aquilo que é fundamental na consolidação das relações democráticas e na defesa de um novo Brasil. Vale lembrar, Sr. Presidente, o que Roosevelt dizia: “A única coisa a temer é o próprio medo”. Esse é o grande exemplo.

O Presidente Lula, seguramente, em todos os dias, em suas atitudes, tem demonstrado que não há absolutamente nada a temer e que devemos acreditar no futuro do Brasil, na consolidação das instituições democráticas, na credibilidade e na autoridade que tem o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Estamos e estaremos abertos ao diálogo. Mas devemos respeitar a fantástica biografia do homem público e do grande estadista brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2003 - Página 16251