Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio às palavras do Presidente da República em críticas aos poderes Legislativo e Judiciário. (Como Líder)

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Repúdio às palavras do Presidente da República em críticas aos poderes Legislativo e Judiciário. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2003 - Página 16268
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, RETRATAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DECLARAÇÃO, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL, JUDICIARIO, AUTORITARISMO, IMPOSIÇÃO, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, ATENÇÃO, EFEITO, DECLARAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, OFENSA, DEMOCRACIA.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após ouvirmos o brilhante discurso do Senador Arthur Virgílio, quero dizer que acabamos de tomar conhecimento, por intermédio do noticiário em tempo real da Internet, que o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, recuou das declarações ofensivas que ontem fez aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao afirmar que não teriam condições de barrar as reformas constitucionais que o Governo está propondo ao Congresso. Segundo disse ontem o Presidente da República a uma platéia de empresários reunidos na Confederação Nacional da Indústria, só Deus seria capaz de barrar as reformas. Disse mais: “não tem cara feia, não tem Congresso, não tem Judiciário que impeça as reformas”.

O Presidente diz, agora, que foi mal-interpretado. Não foi. Suas palavras, pela clareza e contundência de que se revestem, dispensam interpretações. São auto-explicativas. O que o Presidente pode alegar é que se expressou mal. A deficiência não é da platéia, mas do emissor. Freud explica. A Psicanálise fala em “ato falho” para designar um escorregão verbal, um pensamento que se verbaliza sem passar pelos canais de censura do emissor. O ato falho acaba sendo uma espécie de confissão indesejada, mas reveladora do que vai no íntimo de quem o pratica.

No caso do Presidente da República, não é a primeira vez que diz uma coisa e depois a desdiz, alegando ter sido mal-interpretado. Em uma missa comemorativa do Dia do Trabalho, em São Bernardo, há quase dois meses, o Presidente disse que o dólar não podia cair, que era preciso evitar que isso acontecesse, pois prejudicaria as exportações. O mercado, ato contínuo, passou a trabalhar com a idéia de intervenção no câmbio, o que gerou alvoroço e inquietação, quase uma pane no sistema financeiro, obrigando o Presidente a recuar pela primeira vez.

Um Presidente não pode falar impensadamente. Tem que medir suas palavras, pois elas são paradigmas para os governados. Não pode pensar em voz alta, nem falar por impulsos ou emoções.

As afirmações de ontem do Presidente Lula, de que apenas Deus pode barrar as reformas, agridem o sentimento democrático do povo brasileiro e ferem a Constituição Federal, que afirma a independência e a harmonia entre os Poderes da República. De quebra, ferem outra constituição, mais antiga e venerável, que há cerca de três milênios orienta a humanidade: Os Dez Mandamentos, que determinam, em seu art. 2º, não tomar o nome de Deus em vão. O Presidente, infelizmente, o fez. Como cristão e católico, só posso lamentar.

Contrastando com o ambiente de sobriedade e equilíbrio que o cercava na Confederação Nacional da Indústria, o Presidente afrontou simultaneamente os Poderes Legislativo e Judiciário - e, por extensão, o Estado Democrático de Direito.

A frase que proferiu se ajustaria perfeitamente na boca de personagens que a História recorda com pânico e abjeção. Hitler, Stalin ou Mussolini, por exemplo, a profeririam sem maiores constrangimentos. Nos regimes que comandaram, só mesmo Deus poderia valer os seus indigitados súditos.

Quando o recurso a Deus, no plano das relações políticas e institucionais de uma sociedade, é a única saída - e isso dito pelo próprio chefe do Governo -, alguma coisa está errada.

Antigamente, quando não se queria reconhecer o direito de alguém, dizia-se simplesmente: “Vá se queixar ao bispo”. Lula tornou mais complexo esse recurso. Em vez de bispo, manda agora os insatisfeitos queixarem-se a Deus. Haja autoritarismo!

Mas examinemos objetivamente as palavras de Sua Excelência para que não pairem dúvidas sobre seu conteúdo equivocado. Diz Sua Excelência que “só Deus pode barrar as reformas”.

Nos termos do Estado Democrático de Direito que, até prova em contrário, vige no Brasil, tanto o Congresso Nacional como o Poder Judiciário podem, sim, barrar as reformas. Basta que entendam que devam fazê-lo, que há lastro legal para tanto.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Efraim Morais, lamento informar que V. Exª já excedeu em 20% o tempo regimental.

O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB) - Vou concluir, Sr. Presidente.

O Congresso Nacional, que representa a Federação e a população do País, é soberano para aprovar ou rejeitar proposições do Poder Executivo - e as reformas tributária e previdenciária, em curso na Câmara, são exatamente isto: propostas do Poder Executivo.

É a maioria destas duas Casas legislativas quem decide o que fazer com as reformas. Deus, claro, é a fonte inspiradora de todos nós, mesmo dos que Nele não crêem, mas não pode ser responsabilizado pelo destino de propostas encaminhadas pelo poder secular, submetidas às leis dos homens.

O Estado Democrático de Direito, na sua sabedoria, ainda concede a outro Poder, o Judiciário, o direito de avaliar a decisão do Legislativo. Ainda que aprovadas no Congresso, as reformas, se infringirem algum dispositivo constitucional - hipótese remota, mas não impossível -, podem (e devem) ser barradas pelo Judiciário.

Tudo isso é elementar na cultura democrática. Espantoso é que o Presidente da República, mesmo sem estar em ambiente de comoção emocional ou sob pressão de vaias ou provocações, ignore esses preceitos, agrida a democracia e invoque, em vão, o nome de Deus. E, como se não bastasse, atribua a responsabilidade à perplexa platéia ouvinte, acusando-a de mal interpretá-lo.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2003 - Página 16268