Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação, na Câmara dos Deputados, de projeto que concede anistia post mortem a João Cândido e aos demais participantes da Revolta da Chibata. Expectativa quanto aos reflexos da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em favor de ações afirmativas que considerem a dimensão racial.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Defesa da aprovação, na Câmara dos Deputados, de projeto que concede anistia post mortem a João Cândido e aos demais participantes da Revolta da Chibata. Expectativa quanto aos reflexos da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em favor de ações afirmativas que considerem a dimensão racial.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2003 - Página 16328
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, ATUAÇÃO, JOÃO CANDIDO, VULTO HISTORICO, LIDER, REVOLTA, REIVINDICAÇÃO, DIGNIDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, MARINHEIRO.
  • SOLICITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, URGENCIA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, SENADO, ANISTIA, LIDER, MEMBROS, MOVIMENTO TRABALHISTA, BENEFICIO, VALORIZAÇÃO, NEGRO, TRABALHADOR, MEMORIA NACIONAL.
  • SAUDAÇÃO, DECISÃO, JUDICIARIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APROVAÇÃO, CONSTITUCIONALIDADE, DEFINIÇÃO, COTA, ADMISSÃO, UNIVERSIDADE, FORMA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, PROVIDENCIA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, DEBATE, SOCIEDADE, GOVERNO, CIENTISTA, BENEFICIO, DEMOCRACIA.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há 123 anos nascia em Encruzilhada do Sul, então distrito de Rio Pardo, João Cândido, o grande líder da Revolta da Chibata, como ficou conhecida a revolta dos marinheiros de 1910.

O episódio permanece marginal em nossa historiografia oficial, conta-se nos dedos da mão os autores que se dedicaram ao tema.

O Brasil do início do século havia modernizado sua frota naval com os mais avançados couraçados, cruzadores, submarinos. Mas o tratamento que a Marinha dispensava aos seus marinheiros não diferia daquele dispensado aos escravos nos engenhos e nas lavouras de café.

A chibata era o instrumento com que se castigavam os marinheiros, em sua maioria negros. Era comum, então, penas de 250 chibatadas, para punir infrações disciplinares. Contra esse tratamento desumano, insurgiu-se João Cândido, líder da revolta dos marinheiros.

João Cândido e seus companheiros, que acreditaram numa anistia votada inclusive no Congresso Nacional, foram duramente castigados, muitos deles brutalmente assassinados.

Lutaram pela dignidade de suas vidas humanas e foram vítimas de uma feroz perseguição. Nossa História ainda não lhes fez justiça, porque ainda não conseguimos pensar a História sem nos submetermos às representações distorcidas de nossas elites.

Em agosto do ano passado, esta Casa aprovou um projeto da Senadora Marina da Silva concedendo anistia post mortem a João Cândido e aos demais participantes do movimento.

O projeto está na Câmara dos Deputados, na Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa. Já procurei o Presidente da Comissão, o Deputado Luís Eduardo Greenhalg, para solicitar sua atenção para este importante projeto, que repara uma das maiores injustiças de nossa história.

Sr. Presidente, fomos procurados por moradores de Encruzilhada do Sul, terra natal de João Cândido, e onde há um expressivo movimento em favor de sua anistia, para que me empenhasse pelo resgate da memória daqueles que lutaram por um Brasil mais digno.

Faço aqui este registro, na data de nascimento de João Cândido, para ver se os legisladores contemporâneos recuperam a anistia que foi votada no Congresso Nacional e depois desrespeitada pelas forças da repressão mais brutal.

“Depois que saí da cadeia ainda tentei trabalhar no mar, mas fui sempre muito perseguido, até na Marinha Mercante”. Estas são palavras de João Cândido, o Almirante Negro, em 1968, em depoimento que prestou ao Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro.

Precisamos pôr um fim a essa perseguição, anistiando, depois da morte, esse grande herói brasileiro.

Não poderíamos deixar de manifestar nossa alegria pela decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, ontem, em favor da constitucionalidade das ações afirmativas.

Cinco dos nove juízes manifestaram-se favoráveis a uma política de admissão às universidades que leve em conta a dimensão racial.

Nós sabemos que as ações afirmativas no Brasil devem atender às peculiaridades de nossa formação social. Mas não podemos negar o impacto que essa decisão da Suprema Corte terá para além das fronteiras norte-americanas, com reflexos positivos inclusive na conjuntura brasileira.

Como disse o historiador gaúcho Décio Freitas, “temos pressa em copiar o que há de ruim nos EUA, mas resistimos a copiar o que eles têm de bom”.

As ações afirmativas também estão sendo contestadas no Brasil. Há uma ação de inconstitucionalidade esperando julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Enquanto se aguarda a decisão do Supremo, as universidades brasileiras vêm exercendo sua autonomia e definindo critérios para beneficiar estudantes afro-brasileiros e indígenas.

Duas importantes universidades públicas, a Universidade Federal da Bahia e a Universidade de Brasília, exercendo o princípio constitucional da autonomia, já adotaram o sistema de cotas.

A Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, deverá apreciar o tema na próxima reunião do seu conselho universitário.

São universidades que estão procurando construir um corpo diversificado de alunos, por entender que isto é o melhor para um país que costuma enaltecer sua pluralidade, mas cria barreiras para o exercício pleno de direitos de cidadania aos não-brancos.

A discussão de cotas no Brasil rompeu a barreira de silêncio que imobilizava a quase todos. A discussão de cotas que ganhou o país rompeu o silêncio e a cumplicidade que davam sustentação às desigualdades raciais.

Estamos falando e estamos procurando resolver, superar os obstáculos, achar o caminho. Há inquietação positiva no movimento social e nas universidades.

Hoje recebi a visita da Drª Renata Malta Vilas-Boas, que acaba de publicar o livro Ações afirmativas e o princípio da igualdade, pela editora América Jurídica.

É o resultado da pesquisa que realizou para a obtenção do título de Mestre em Direito Público, na Faculdade de Direito de Recife. A autora faz uma abordagem histórica do conceito de ação afirmativa e demonstra como a evolução do pensamento humano sobre o conceito de igualdade alcança o princípio da isonomia.

A Drª Renata não só justifica as ações afirmativas como uma resposta para a efetivação do princípio da igualdade, como demonstra que as discriminações positivas têm ampla base constitucional.

É um trabalho mais que oportuno, que demonstra como um debate que tem origem no movimento social vai enriquecendo a pesquisa acadêmica. Onde havia silêncio há hoje elaboração de conhecimento necessário ao fortalecimento de nosso processo democrático.

Finalmente, gostaria também de cumprimentar o Prefeito de Porto Alegre, Sr. João Verle, que atendendo reivindicação do Movimento Negro gaúcho, encaminhou ontem projeto de lei à Câmara Municipal, determinando uma reserva de 10% das vagas oferecidas em concursos públicos municipais para afro-descendentes.

Temos o privilégio de viver este momento, no qual a sociedade brasileira acorda para resgatar sua dívida com aqueles que contribuíram decisivamente para a formação de nosso País.

Axé!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2003 - Página 16328