Discurso durante a 85ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre editorial do jornal O Estado de S.Paulo intitulado "O erro de quem não pode errar".

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre editorial do jornal O Estado de S.Paulo intitulado "O erro de quem não pode errar".
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2003 - Página 16467
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), QUESTIONAMENTO, DEMORA, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

            REINCIDÊNCIAS INOPORTUNAS

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para bem interpretar o que ouço nos meus contatos com o povo, inclusive quando vou ao Amazonas, tenho externado desta tribuna a grande preocupação que hoje já se vai tornando crônica entre os brasileiros, resumida numa simples indagação: quando o Governo vai começar a transformar em realizações o que vive apregoando, inclusive num palavreado pouco recomendável.

Hoje, leio o editorial de O Estado de S.Paulo, em que é posto em xeque exatamente a inanição do atual Governo, ao assinalar: "O problema é que o tempo passa e o governo continua se exprimindo muito menos por gestos - atos concretos - do que pelos discursos praticamente diários de seu chefe. E esses discursos têm assumido um tom cada vez mais preocupante.”

Pela oportunidade dessa análise do jornal paulista, estou anexando a este pronunciamento o texto do referido editorial, para que passe a constar dos Anais do Senado Federal.

É o seguinte o teor do artigo:

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Quinta-feira, 26 de junho de 2003

O erro de quem não pode errar

Ao pedir pressa à sua equipe na liberação dos R$ 5,4 bilhões em créditos para pequenos agricultores e assentados, garantidos no Plano Safra para a Agricultura Familiar 2003-2004, o presidente Lula fez uma afirmação irretocável. "Credibilidade", ensinou, "a gente ganha com gesto e não com discurso." O problema é que o tempo passa e o governo continua se exprimindo muito menos por gestos - atos concretos - do que pelos discursos praticamente diários de seu chefe. E esses discursos têm assumido um tom cada vez mais preocupante.

Já causava desconforto a insistência obsessiva do presidente em proclamar que a sua escolaridade incompleta não o impediu de conhecer os problemas nacionais, chegar onde chegou e ser tratado com respeito e admiração pelos poderosos da Terra. Falando, por exemplo, das suas realizações, que entende serem excepcionais, em matéria de política externa, ele se vangloriou de ter conseguido, em seis meses, "aquilo que muitos estudaram a vida inteira e não conseguiram".

À parte o auto-elogio, a provocação pueril ao seu antecessor e os maus-tratos ao português, Lula transmite a mensagem infeliz de que o estudo pode não ser necessário. Decerto ele não pensa assim, mas se esquece de que milhões de brasileiros o tomam como um modelo a ser imitado.

Já incomodava também a desgastante repetição das metáforas usadas a fim de justificar a demora das mudanças prometidas: o tempo que leva para uma criança nascer ou para o agricultor colher o que plantou. É óbvio que, em qualquer governo, as coisas não acontecem da noite para o dia e meio ano é pouco para extrair resultados grandiosos da máquina administrativa. Mas, à medida que são reiteradas, as explicações de Lula mais se parecem com desculpas inconvincentes, tentativas de esconder com palavras o muito de incompetência que se percebe com nitidez em seu governo.

Inquietava ainda o presidente bater na tecla de que ele, à diferença de qualquer outro, não pode errar. O significado desse aspecto da retórica de Lula é um tanto obscuro. Ou está imbuído de um despropositado senso de infalibilidade ou quer transmitir a noção de que o mundo virá abaixo se tomar alguma decisão errada - o que, se já não aconteceu, inevitavelmente acontecerá - pelo fato de ser ele quem é. O que fica é a impressão de que o presidente abriga um sentimento entre a soberba e a megalomania.

Mas esses são pecados veniais perto da prepotência que emergiu com estrépito do seu exaltado pronunciamento de terça-feira na sede da Confederação Nacional da Indústria, em Brasília. "Não tem chuva, não tem geada, não tem terremoto, não tem cara feia, não tem um Congresso Nacional, não tem um Poder Judiciário - só Deus será capaz de impedir que a gente faça esse País ocupar o lugar de destaque que ele nunca deveria ter deixado de ocupar", decretou Lula.

É o messiânico "alguém vai ter que salvar este País" de uma semana atrás, quando da sua descalibrada reação às críticas do ex-presidente Fernando Henrique, revestido dessa vez de uma desconcertante roupagem autocrática.

Guardadas todas as proporções concebíveis, essas tonitruantes palavras lembram "o Estado sou eu" de Luiz XIV, aos 17 anos, diante do Parlamento francês. Vem muito pouco ao caso o contexto da fala presidencial - os protestos corporativos do Judiciário e as resistências de setores de sua própria base parlamentar à reforma da Previdência.

Hoje é isso, amanhã sabe-se lá o que poderá ser. O que conta é que, depois de tudo por que já passaram as instituições nacionais, o presidente da República - ainda mais um presidente que se orgulha de suas profundas convicções democráticas - deveria policiar sem descanso as próprias aflições políticas para que, ao externá-las, elas não tangenciem o autoritarismo.

Lula não gosta que o comparem a Fernando Henrique, mas conviria que fizesse um experimento mental, imaginando como reagiria se aquele tivesse dito em algum momento que "não tem um Congresso Nacional, não tem um Poder Judiciário..." capazes de bloquear os seus intentos. Se até agora não cometeu algum erro administrativo, a declaração prepotente de público é um enorme erro político, visto que se Deus, certamente, não cogita de impedir o seu êxito, Suas criaturas brasileiras que se esforçam para isso estão agradecendo a munição que lhes fornece.

Menos mal que, já ontem, o presidente tenha se penitenciado, pedindo desculpas e assegurando que não queria ofender os Poderes republicanos.

Cuide, agora, de não reincidir.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2003 - Página 16467