Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Pavimentação da BR-163. Conflito em terras indígenas no Pará.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Pavimentação da BR-163. Conflito em terras indígenas no Pará.
Aparteantes
Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2003 - Página 16537
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, NEGOCIAÇÃO, PAVIMENTAÇÃO, RODOVIA, LIGAÇÃO, MUNICIPIO, CUIABA (MT), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), SANTAREM (PA), ESTADO DO PARA (PA), EMPENHO, GOVERNO ESTADUAL, CONCLUSÃO, ASFALTAMENTO, EXPECTATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CUMPRIMENTO, COMPROMISSO, REALIZAÇÃO, OBRA PUBLICA.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, TELEJORNAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CONFLITO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO PARA (PA), REGISTRO, FECHAMENTO, FERROVIA, TRANSPORTE, MINERIO, FORMA, PROTESTO, TRIBO, DESCUMPRIMENTO, ACORDO, EMPRESA DE MINERAÇÃO.
  • LEITURA, MENSAGEM (MSG), PROCURADOR DA REPUBLICA, ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, REVOLTA, COMUNIDADE INDIGENA, RECONHECIMENTO, LEGITIMIDADE, REIVINDICAÇÃO, TRIBO, MANIFESTAÇÃO, APOIO, DEFESA, INDIO.
  • SOLICITAÇÃO, INTERVENÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CONFLITO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), COMUNIDADE INDIGENA, TENTATIVA, AGILIZAÇÃO, CUMPRIMENTO, ACORDO, EMPRESA DE MINERAÇÃO.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, gostaria de me reportar a dois assuntos. O primeiro deles diz respeito a um registro positivo que quero fazer sobre as negociações que estão sendo alinhavadas para a solução de um problema que atinge o povo paraense há décadas. Refiro-me à pavimentação da BR-163, que liga Cuiabá ao Município de Santarém, no Estado do Pará.

Essa rodovia estende-se, só no Estado do Pará, por mais de mil quilômetros, dos quais apenas pouco mais de cem são pavimentados. Foi realizada uma PPP - Parceria Público-Privada para pavimentar o trecho entre Mato Grosso e o Município de Itaituba, no Pará. Mas o Presidente Lula garantiu que essa pavimentação irá até o Município de Santarém. Na realidade, a maior parte dessa rodovia está dentro do meu Estado - são mais de setecentos quilômetros -, mas essa parceria conta principalmente com empresários de Mato Grosso e foi do Governador daquele Estado a iniciativa de procurar o Ministério dos Transportes para tal fim. Mas o Estado do Pará em seu todo, o Governador e toda a nossa Bancada, reivindicou ao Governo que essa pavimentação possa ser estendida até o Município de Santarém, onde há um porto importante não só para o Pará, mas para todo o Brasil. O Porto de Santarém fica muito mais próximo da Europa, do Porto de Roterdã, na Holanda, do que o Porto de Santos. Portanto, os produtos nacionais têm uma redução considerável - no caso da soja, é de US$38.00 por tonelada - se saírem pelo porto do Pará. Essa parceria envolve também empresários da Zona Franca de Manaus e todos os Governadores da Região Amazônica.

Anteontem, houve uma audiência pública do Ministro dos Transportes e do Ministro do Desenvolvimento Regional, Ministros Ciro Gomes e Anderson Adauto, com os Governadores do Pará, Simão Jatene, de Mato Grosso, Blairo Maggi, do Amazonas, do Amapá e de Roraima, Flamarion, ocasião em que foi iniciada a formatação para que esse trecho de Itaituba até o Município de Santarém, que tem pouco mais de 200 quilômetros, também seja pavimentado. O Governador do Pará, Simão Jatene, já se comprometeu com um terço dos recursos e já começamos as conversas, as negociações, com os setores empresariais para que eles também possam assumir um trecho, a exemplo da engenharia financeira que foi acordada para a pavimentação daquele outro trecho, que é muito maior, de mais de setecentos quilômetros, que vai até o Município de Itaituba.

Não só o Estado do Pará, mas todo o Brasil estará ganhando com essa solução para a BR-163, que chegará até o Município de Santarém, com a garantia do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Acompanhei o Presidente Lula na ocasião em que Sua Excelência participou da Caravana das Águas em 1994. Uma das vezes em que foi a Santarém, Senador Sibá, ao ser questionado se assumiria o compromisso de asfaltar a BR-163, o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva disse que não poderia se comprometer a realizar uma grande obra em cada lugar que chegasse; que seria uma irresponsabilidade, uma inconseqüência. Ele precisaria, primeiro, assumir o País, estudar as condições e estabelecer as prioridades. Sua Excelência teve uma atitude responsável, ao contrário do outro candidato que foi lá, fez promessas, ganhou a eleição, teve uma vitória estrondosa naquela região, mas não pavimentou um único quilômetro sequer em seu primeiro mandato. Prometeu de novo, no segundo mandato, e também não pavimentou nem um único quilômetro. Entretanto, o Presidente Lula o fará.

Quero registrar também que existe unidade na nossa Bancada. Todos os Senadores do meu Estado, Senadores Luiz Otávio, Duciomar Costa e eu, estamos unidos, assim como toda a Bancada de Deputadas e Deputados do Estado do Pará, suprapartidariamente, no objetivo de pavimentar a BR-163 até Santarém.

Esse era o registro positivo que gostaria de fazer neste momento de unificação não só do Governo Lula, mas também do Governo do Estado do Pará, que demonstra boa vontade e a disposição para tornar realidade essa obra. Graças a Deus, essa obra será feita na administração do Governo Lula.

O outro assunto que me traz à tribuna é aquele noticiado ontem, no Jornal Nacional, a um Procurador da República em uma situação de conflito existente na terra dos índios da nação Parakatêjê, no Pará. Há uma ferrovia, construída pela Companhia Vale do Rio Doce, que corta essas terras indígenas, e existe um contrato. Os índios, anteontem, interditaram um trecho dessa ferrovia, que passa por dentro da reserva Mãe Maria, no Município de Marabá, para protestar pelo atraso de dois meses no repasse que reivindicam, no valor de R$250 mil, referente à compensação pelo uso da terra dos índios Gavião, que fica a 35 km da sede do Município de Marabá. É por essa ferrovia que se leva o minério de serra dos Carajás, no Estado do Pará, para o porto de Itaqui, no Maranhão.

A Companhia Vale do Rio Doce negou, mas eu gostaria de ler para o Brasil inteiro a carta que recebi ontem, por e-mail, do Procurador da República Dr. Sidney Madruga:

No dia 24 do mês corrente, o signatário promoveu, nesta Procuradoria da República, um encontro com representantes da Companhia Vale do Rio Doce, Funai e índios da tribo Gavião, estes últimos revoltados com a protelação apresentada pela Companhia Vale do Rio Doce a respeito de várias questões envolvendo a comunidade, mormente a reforma, construção e ampliação de 30 casas na aldeia, objeto de compromisso, por escrito, da Companhia quase um ano atrás, em 13 de agosto de 2002.

A Companhia mostrou-se intransigente e preocupada apenas, como sempre, com números, no que resultou na decisão dos índios de promoverem a invasão da ferrovia que atravessa 35 km da sua aldeia indígena, como, de fato, o fizeram no dia de ontem.

A Vale do Rio Doce ingressou com uma Reintegração de Posse, obtendo liminar favorável, mas que não está, por óbvio, sendo possível de cumprir em face do reduzido número de policiais federais e da situação extremamente delicada.

São mais de 40 índios guerreiros, pintados para a “guerra”, mas que, por orientação do signatário, vem promovendo uma ocupação pacífica, sem quaisquer constrangimentos a terceiras pessoas.

Sabemos da ilegalidade da ocupação, mas deixamos claro para a Companhia e para os organismos policiais que não iremos tolerar qualquer tipo de confronto armado com os indígenas e, tampouco, iremos nos postar em desfavor da comunidade. Quanto a este último aspecto, ressalte-se que teve por legítimas as reivindicações dos indígenas (e não a ocupação), uma vez que a Companhia vem protelando as ações assumidas por escrito perante a própria comunidade e o Ministério Público Federal.

É de se observar o estado de penúria em que vive a comunidade que necessita dos recursos da Vale para sobreviver, o que pode ser confirmado pela Funai, que na aldeia sempre comparece.

A questão da moradia é calamitosa. Constitui-se na principal questão, a meu ver. São mais de 20 casas com mais de 30 anos de construção, destinadas a uma família, mas que abrigam, cada uma, mais de seis núcleos familiares [até por que, com 30 anos, com certeza, mais de uma geração e mais de um núcleo familiar passam a existir; então, imaginem uma casa onde, em vez de abrigar uma família, abriga seis núcleos familiares], com telhados a céu aberto, condições insalubres da pior espécie, tudo redundando em um alto índice de tuberculose na aldeia.

Para acabar com o impasse, resolvemos, de comum acordo com outros membros do Ministério Público Federal, fechar uma proposta de um ano para que toda obra fosse implementada a partir de 1º de julho. A Companhia Vale do Rio Doce não aceitou e fez uma contraproposta absurda de reforma e construção num prazo de três anos, no que foi imediatamente repelida (Tuberculose não espera três anos, data vênia).

Existe outra pendência quanto ao repasse mensal destinado também à comunidade. A Funai de Marabá e de Brasília tem se mostrado curtíssima e apoiado no que é necessário.

Espera-se que a Companhia Vale do Rio Doce apresente nova proposta, sem o que não haverá espaço sequer para novas negociações, segundo os próprios índios e também a nosso ver. 

A situação continua tensa, mas pacífica, e vem sendo acompanhada de perto por nós. Ponho-me à disposição para maiores esclarecimentos, inclusive pessoalmente, se for necessário.

Atenciosamente

Sidney Madruga

Procurador da República.

Agradeço ao Procurador e faço, perante o Congresso Nacional, um apelo à Companhia Vale do Rio Doce: se é verdade que a Companhia está apenas repassando recursos do contrato existente, ela não pode desconsiderar a ata da reunião de 13 de agosto de 2002, em que foi fechado o acordo. Nessa ata, há a assinatura não só da comunidade indígena, mas de um Procurador da República, que é uma instituição pública, que é o Ministério Público Federal. A Companhia Vale do Rio Doce não pode desconsiderar um documento que possui a assinatura de uma instituição pública e de uma comunidade indígena.

Apelo à direção da Vale, à sensibilidade dos seus dirigentes, para que resolva esse problema. A construção de vinte casas representa muito pouco para uma das maiores companhias mineradoras do mundo, como a Companhia Vale do Rio Doce!

O atendimento dessa reivindicação é justíssimo pois se trata daqueles por cujas terras, que são terras indígenas, passa o trem que permite tantos lucros, porque leva todo o minério do Estado do Pará para o porto do Maranhão.

O Sr. Sibá Machado (Bloco PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Já concederei o aparte, Senador.

A grande maioria dos projetos de exploração dos novos minérios que a Vale pretende realizar estão, hoje, no Estado do Pará, a maior província mineral do mundo.

Portanto, repito o apelo para que a Companhia Vale do Rio Doce resolva essa questão o mais rápido possível, em respeito àqueles que são os verdadeiros donos desta terra, dos quais nós descendemos, que são os indígenas e que, infelizmente, são muito desrespeitados no nosso País. Há muita gente que acredita que os índios estão sendo beneficiados porque têm terras. Ora, nós é que somos os invasores dessa terra, cujos donos são os indígenas.

Então, espero que a Companhia Vale do Rio Doce, por ser uma empresa que tanta propaganda faz da qualidade de seus trabalhos e de sua preocupação social, dê um exemplo de seu compromisso social resolvendo um problema, que é do tamanho de um alfinete em comparação ao tamanho da companhia e dos lucros que advêm da exploração dos nossos recursos minerais.

Ouço o aparte do Senador Sibá Machado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senadora Ana Júlia, observando o depoimento de V. Exª, eu gostaria de me solidarizar com a sua causa e, em seguida, fazer algumas sugestões: em primeiro lugar, um projeto da envergadura da Ferrovia Carajás e mais o empreendimento mineral, com a extração do minério de ferro e outros mais, certamente deve ter, no bojo do EIA-Rima, uma cláusula de atendimento aos impactos sociais. Digo isso porque, na construção da BR-364, que liga a cidade de Cuiabá, no Estado do Mato Grosso, até Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre, no momento do seu asfaltamento, foram destinados, como uma das cláusulas do projeto, cerca de 10% dos recursos da obra para as comunidades afetadas pela obra. Portanto, eu gostaria de sugerir a V. Exª que solicitasse o EIA-Rima do projeto Ferrovia dos Carajás para verificarmos se existe uma dessas cláusulas, que seria o repasse de recursos de um percentual do valor da obra para a comunidade atingida. Em segundo, temos assistido, ao longo da História do Brasil - e, mais ainda, de maneira vergonhosa, recentemente -, ao tratamento dado às comunidades indígenas. São tratados como se fossem um empecilho, o lixo do desenvolvimento econômico, principalmente da região amazônica. Fico imaginando: se ocorresse o oposto, se algum indígena, alguma comunidade ou mesmo se um único indivíduo quebrasse uma cerca e ocupasse uma fazenda, qual seria o resultado? Se pelo menos um indígena chegasse a ocupar o pátio do escritório da empresa Vale do Rio Doce ou de qualquer outra, qual seria o resultado? Eis que essa empresa, ou qualquer outra, se dá ao direito de fazer o que está fazendo: passa por cima dessas comunidades, toma as suas áreas, quebra as suas culturas e joga-lhes numa situação de extrema miséria, de total abandono, como lixo, como um dejeto da humanidade; e eis que não se pode fazer nada. Portanto, V. Exª está de parabéns pelo seu pronunciamento. Creio que devemos recorrer imediatamente ao Ministro Márcio Thomaz Bastos para que S. Exª obrigue essa empresa a cumprir imediatamente a sua função social. Muito obrigado. 

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador. Incluo o seu aparte ao meu pronunciamento. Acataremos a sugestão de V. Exª.

Infelizmente, até ontem, a direção da Vale do Rio Doce não estava admitindo negociar, estava simplesmente tentando criminalizar a ação dos índios Gavião, dizendo que a paralisação causava um prejuízo de R$1 milhão por dia. E ainda tentou responsabilizar a Funai, deixando que ela resolvesse o problema, porque a Vale do Rio Doce estava cumprindo todos os acordos e convênios firmados.

Quase que a Vale do Rio Doce chama o General Custer para, digamos assim, reprimir os selvagens, como costumam pensar. Infelizmente, para eles, os índios desafiam todo o seu poderio.

Portanto, faremos este apelo ao Ministro da Justiça, que intervenha nesse processo, porque a ata da reunião, feita entre a Companhia Vale do Rio Doce, a comunidade indígena e o Ministério Público Federal, tem a assinatura do Ministério Público Federal.

O que queremos e exigimos é que a Companhia Vale do Rio Doce respeite as instituições e as comunidades indígenas do nosso País, respeite o nosso povo e sente-se para negociar. Em vez de ter essa postura glacial, de não querer negociar e de apenas observar o seu prejuízo, que atenda as reivindicações com as quais se comprometeu há quase um ano e que representam, na verdade, um milionésimo, um grão de areia na montanha da sua praia de lucros.

É esse o apelo que fazemos tanto ao Ministério da Justiça quanto à direção da Companhia Vale do Rio Doce, para que, imediatamente, sente-se e negocie, pois, com certeza, a companhia vai dizer que se trata de uma empresa que tem responsabilidade social, porque, até então, ela está mostrando o oposto para o País inteiro.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2003 - Página 16537