Discurso durante a 87ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogia sentença a favor de sócio minoritário de empresa falida, cujos bens corriam o risco de serem arrestados para pagamentos de dívidas trabalhistas da empresa.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO COMERCIAL.:
  • Elogia sentença a favor de sócio minoritário de empresa falida, cujos bens corriam o risco de serem arrestados para pagamentos de dívidas trabalhistas da empresa.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2003 - Página 16676
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO COMERCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA, JUSTIÇA DO TRABALHO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DOUTRINA, TRATAMENTO, PESSOA JURIDICA, MOTIVO, PARTICIPAÇÃO, ACIONISTA MINORITARIO, PAGAMENTO, DIVIDA, FALENCIA, EMPRESA.
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DECLARAÇÃO DE VOTO, JUIZ, IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE, SOCIO CONTROLADOR, ADMINISTRAÇÃO, EMPRESA, IRREGULARIDADE, COBRANÇA, ACIONISTA MINORITARIO.
  • DEFESA, ANALISE, MATERIA, AUTORIDADE, JUDICIARIO, CONTENÇÃO, PREJUIZO, MERCADO DE CAPITAIS, INVESTIMENTO, BRASIL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o tema que me traz hoje à tribuna diz respeito ao mercado de capitais do Brasil, que vem sendo objeto de um esforço por parte do Governo e de Senadores desta Casa, buscando seu desenvolvimento, com o fito de fazer, por meio desse valioso instrumento, crescer a poupança interna e o investimento em nossa economia. Por exemplo, o Governo anunciou recentemente a criação de um fundo de pequenos investidores que será financiado pelo BNDES.

Apresentei um projeto a esta Casa aproveitando os remanescentes daquele Fundo 157, fundos de incentivos fiscais que ficaram, praticamente, sem reclamantes, isto é, sem dono, e que estão hoje nos depósitos bancários, a fim de que eles sejam transformados em fundos de investimento para financiar aquisições de empresas no mercado primário. Há um projeto do Senador Antonio Carlos Magalhães Júnior também permitindo que percentual do FGTS seja aplicado no mercado primário.

Srª Presidente, há um esforço de criação, efetivamente, desse instrumento que está na origem do capitalismo, de toda economia capitalista, que é o mercado de capitais, o investimento em risco, em compra de ações de empresas para construir empreendimentos, para, enfim, realizar investimentos produtivos e que retornem sob a forma de dividendos, de remunerações.

Pois bem, Srª Presidente, tenho tido notícias de que a Justiça do Trabalho, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outros Estados, vem dando uma interpretação inteiramente distorcida da chamada doutrina da desconsideração da pessoa jurídica, que afetará profundamente e desastrosamente todo esse esforço de constituição do mercado de capitais do Brasil. E isso, Srª Presidente, além de constituir uma afronta ao direito do cidadão, do acionista comum de uma empresa, do acionista minoritário de uma empresa que pode ter seu patrimônio atingido por essa interpretação errada, injusta, inconstitucional e desastrada sob o ponto de vista da formação do mercado de capitais, da formação do interesse do cidadão em adquirir ações de empresas no mercado de capitais.

 

A citada teoria da desconsideração, que é oriunda do Direito anglo-americano, somente permite a responsabilidade dos sócios em caso de esses cometerem fraude comprovada como administradores da sociedade, usando-a ilicitamente como um instrumento para lesar os credores e aumentar os seus bens.

Isso é, a doutrina clássica permite que haja responsabilização de sócio, primeiramente, se forem sócios majoritários que tenham o comando da empresa; segundo, se também forem administradores e no exercício dessa função tiverem cometido fraudes lesivas aos interesses de credores da empresa. Somente nesse caso se poderia promover o apresamento de bens particulares desses sócios para cobrir as deficiências de patrimônio da empresa no cumprimento das dívidas junto aos credores, especialmente aos credores trabalhistas, que têm preferência pela lei.

Srª Presidente, essa é a interpretação correta, a interpretação de bom senso. Como se vai responsabilizar um sócio minoritário que não teve participação na gestão da empresa? Porque ela tem débitos e não tem patrimônio para saldá-los, toma-se o patrimônio dos sócios. O que é isso? Onde estamos? Essa é, entretanto, a interpretação que, abusivamente, vem sendo dada na Justiça do Trabalho, não somente nas Varas trabalhistas, como também nos Tribunais Regionais, com a complacência do Tribunal Superior do Trabalho, aplicando-se essa doutrina do apresamento dos bens dos sócios indiscriminadamente, a qualquer sócio minoritário, tenha ele 0,1% ou 0,01% do valor das ações; não importa. Se é sócio, mesmo minoritário, sem participação alguma na administração ou cometimento de fraude de sua parte, mesmo assim, ele tem de ser responsabilizado; então, tornem-se indisponíveis os seus bens, e faça-se o apresamento desses bens para cobrirem as dívidas. Onde vamos chegar, Srª. Presidente? Isso é absolutamente absurdo do ponto de vista jurídico. Não sou uma autoridade no assunto, mas tenho o mínimo de bom senso para perceber que isso afronta o direito fundamental, os direitos consagrados na Constituição e o bom senso, porque não tem sentido buscar recursos para satisfazer o cumprimento de crédito com o patrimônio de sócios minoritários que não têm qualquer relação.

Amanhã, qualquer desses brasileiros mais modestos que, por um fundo desses ou de recursos do FGTS, adquiram ações de uma empresa que venha a entrar em processo de falência e que não tenha recursos para cobrir os seus débitos trabalhistas, terão seus bens apresados; as ações e até o patrimônio desses sócios minoritários poderão ser postos em disponibilidade para fazer face a essa dívida. Esse é o absurdo dos absurdos, Srª Presidente! É preciso alertar essa Casa, que vem fazendo esforço, e as autoridades do País que procuram, por todos os meios, fazer crescer a poupança interna e os investimos internos para revitalizar a economia; é preciso alertar as autoridades maiores do Poder Judiciário e da Justiça Trabalhista - o Tribunal Superior do Trabalho - porque esse absurdo está sendo cometido.

Eu gostaria, Sr. Presidente, de fazer uma referência a um voto muito simples mas exemplar e luminoso neste assunto. Ele foi proferido pela juíza Maria Elizabeth Pinto Ferraz Luz, do Tribunal Regional do Trabalho, da Segunda Região de São Paulo, em um processo da 60ª Vara do Trabalho de São Paulo. Ele dizia respeito exatamente a este assunto. Diz S. Exª, no seu voto, que solicito seja transcrito na íntegra para que conste dos Anais desta Casa e sirva como uma palavra iluminadora de quem tem competência e saber jurídico, para que os demais juízes e advogados deste País que estão atendendo a esses casos tenham, enfim, um esclarecimento e um alerta para que essas sentenças distorcidas não voltem a ocorrer em nosso País. Eu não vou ler todo o voto, que é extenso, mas apenas um trecho em que S. Exª diz:

É certo que a incursão no patrimônio do sócio ou acionista controlador da sociedade anônima vem franqueada pelos artigos seguintes - e cita toda a legislação que permite esta decisão. Mas é bom realçar, diz a Drª Maria Elizabeth, que a medida não é autorizada de plano; isto é, há uma autorização para essa incursão no patrimônio dos sócios, mas não é uma medida autorizada de plano.

            Continua S. Exª dizendo:

Há que se verificar a inexistência de bens suficientes para a garantia da dívida e, ainda - ressalta ela muito bem - a ação dolosa ou culposa do acionista - do acionista, obviamente no exercício da gestão - violando a lei ou estatuto, de sorte a motivar prejuízos.

            Adiante, ela diz:

Não vindo demonstrada a condição de acionista controlador da executada (...) não pode o mesmo ser responsabilizado pessoalmente pelo crédito exeqüendo.

Srª Presidente, está mais que claro. A Drª Maria Elizabeth Pinto Ferraz Luz Fasanelli diz o que é do saber jurídico, mas também o que é óbvio para o cidadão comum, como qualquer um de nós que não seja das letras jurídicas e que não seja profissional do ramo jurídico. Salta aos olhos a interpretação correta que não prejudica, por ser correta, o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil, que, como eu disse ao iniciar a minha intervenção, é essencial para a arrancada do desenvolvimento nacional que estamos querendo, a fim de que se possa dar a possibilidade de vida digna a todos os brasileiros, especialmente com emprego, que é um direito fundamental para essa vida digna.

Interpretações distorcidas, Srª Presidente, ao que parece, não constituem uma interpretação de boa-fé. Como eu disse, a boa-fé se imbrica no senso comum, e este nos diz que esta não pode ser uma interpretação boa dos estatutos jurídicos trabalhistas do País.

De forma, Sr.ª Presidente, que eu queria chamar a atenção dos nobres colegas, especialmente das autoridades do Poder Judiciário, que, por essas razões, por exemplos dessa natureza, estão agora sob a cogitação da imposição de um controle externo, porque numa interpretação dessas não há a quem recorrer, porque nesse tipo de ação não há recurso ao Supremo Tribunal Federal. Então ela se esgota no Tribunal Superior do Trabalho, e não se sabe se a interpretação que está sendo disseminada nos tribunais regionais possivelmente venha a ter guarida no TST.

Então, é preciso chamar a atenção das autoridades maiores do sistema judiciário brasileiro, a fim de que não deixem prosperar e façam, o mais rapidamente possível, a revisão dos casos em que já houve sentenças nesse sentido, pondo em risco o patrimônio pessoal de sócios minoritários que não tiveram nenhuma interferência na administração da empresa, simplesmente porque a empresa não dispôs de recursos no seu patrimônio para cumprir as exigências de seus credores.

É, pois, importante este assunto, na medida em que, repito, mercado de capitais é instrumento essencial para o desenvolvimento da economia do País e pode ser profunda e negativamente atingido por interpretações distorcidas, erradas, dessa natureza.

Era o que eu tinha a dizer, Srª Presidente.

 

***********************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROBERTO SATURNINO EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

*************************************************************


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2003 - Página 16676