Discurso durante a 87ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

O papel da representação política no nosso país.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • O papel da representação política no nosso país.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2003 - Página 16694
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • CONTINUAÇÃO, ANALISE, REPRESENTAÇÃO POLITICA, BRASIL, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, FUNÇÃO LEGISLATIVA, OMISSÃO, PODERES CONSTITUCIONAIS, SIMPLIFICAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO, LEGISLAÇÃO.
  • REGISTRO, DADOS, SUPERIORIDADE, LEGISLAÇÃO, INICIATIVA, EXECUTIVO, COMPLEXIDADE, OBSOLESCENCIA, EXCESSO, NORMA JURIDICA, PREJUIZO, EXERCICIO, DIREITOS, DEVERES, CIDADÃO.
  • LEVANTAMENTO, PROPOSTA, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, TENTATIVA, CONSOLIDAÇÃO, ORDEM JURIDICA, OMISSÃO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, COMISSÃO, CONGRESSO NACIONAL, IMPLEMENTAÇÃO, PROPOSTA, ORDENAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO LEGISLATIVA, BRASIL, PARTICIPAÇÃO, FACULDADE, DIREITO, PAIS.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Em dois pronunciamentos anteriores - que, por sinal, tive o privilégio e a honra de proferi-los em sessões presididas por V. Exª -, procurei abordar o papel da representação política em nosso País e, em seguida, o desempenho do Congresso na mais relevante de suas funções, ou seja, a elaboração legislativa. Pretendo concluir essa análise, referindo-me hoje ao ordenamento jurídico brasileiro e ao alheamento dos três Poderes, em relação ao desafio de racionalizar, simplificar, tornar acessível e consolidar a vasta, tumultuária e caótica legislação brasileira.

Há mais de 30 anos se deblatera contra o cipoal de leis que enreda o País, trava o desenvolvimento, inferniza a vida dos cidadãos, gera insegurança na ordem jurídica e torna insuportável o grau de conflitividade que a sociedade tem que enfrentar para fazer valer seus direitos. Recorro aos dados de que me utilizei no discurso anterior, como evidência incontestável de que o Poder Legislativo demitiu-se de sua mais relevante tarefa, a de legislar. Durante o regime militar, o Executivo foi autor de 72,6% das leis brasileiras. Restaurada a democracia, que já foi chamada de “democracia dos autocratas”, essa situação só se agravou. De 1989 a 2001, foram de sua iniciativa, ou seja do Poder Executivo, 77,21% das normas legais aprovadas no País. Enquanto teve o monopólio da elaboração legislativa, entre 1946 e 1963, o Congresso aprovou a média de 246 leis ao ano. Sob a atual Constituição, essa média baixou para 197. Contando-se as de origem nas duas Casas do Congresso e em suas Comissões, a produção mensal que era de 54 leis por ano, entre 1946 e 1963, baixou para praticamente um terço, ou seja, 17 normas a cada ano, a partir de 1988.

Assinalei em meu pronunciamento anterior que não julgava crucial a questão da iniciativa. Não mudei de opinião. Utilizo esses dados apenas para comprovar que, no cumprimento de sua principal função constitucional, o Congresso está em débito com o País. Suas decisões são sabidamente lentas ou excessivamente precárias e, como afirmou Farias Brito, o resultado são leis muitas delas “extemporâneas, extravagantes”, como ele as classificou, quando não são conflitivas, complexas e feitas para não serem cumpridas nem aplicadas.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me permite um aparte, Senador Geraldo Mesquita?

O SR. GERALDO MESQUITA JUNIOR (Bloco/PSB - AC) - Com o maior prazer, Senador Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Desculpe-me interromper um pronunciamento tão importante quanto o de V. Exª, logo no início. Mas me parece que a análise muito significativa que V. Exª fez, embora eu considere, e muita gente diga, que nem sempre muitas leis significam um bom trabalho do Congresso. A diminuição do número de leis que V. Exª apresenta pode ser analisada em comparação com o número de medidas provisórias aprovadas e que vêm aumentando desde a Constituição de 1988. De lá para cá, na verdade, quem tem legislado neste País é o Presidente da República. E nós somos meros auxiliares dele. E tem mais, as leis de iniciativa do Congresso Nacional são muito poucas como diz V. Exª. As leis de iniciativa do Presidente da República também são muito poucas. O que há são medidas provisórias, baixadas e repetidas pelo Presidente da República. Isso entulhou e modificou o sistema federativo brasileiro. Perdão, Senador.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC) - Senador Pedro Simon, neste e em qualquer outro assunto, é uma honra e um privilégio contar com a sua participação nos nossos pronunciamentos.

Continuo chamando a atenção para essas deficiências, porque, se antes concordei com o conselho de Tácito sobre o excesso de leis que causa a corrupção, invoco hoje o ensinamento de Sêneca, para quem “A lei deve ser breve, para que seja lembrada pelos inexperientes”.

Durante o regime militar, em que os tecnocratas se substituíram ao Congresso, justificavam-se aberrações como a apontada pelo Professor e ex-Ministro do TSE, Walter Costa Porto, na Lei nº 4.494, de 1964, reguladora da locação de prédios urbanos. Trata-se de uma norma de interesse geral de milhões de inquilinos, felizmente já revogada, na qual podia-se ler:

“Art. 38 - O fator K, referido no art. 25, é expresso pela fórmula:

K = _____C_____

 120 - D

cujos termos C e D foram definidos no mesmo art. 25”

Embora de iniciativa do Executivo, a lei passou por várias Comissões das duas Casas do Congresso e pelo crivo do plenário da Câmara e do Senado, tornando-se um exemplo clássico de como não se deve legislar. 

Restaurada a democracia, vícios como esses não foram superados, mas ao contrário agravados. Leio como exemplo a fórmula que os milhões de segurados da Previdência devem saber utilizar para conhecer qual o benefício de que desfrutarão na aposentadoria, o chamado “fator de ponderação”:

F = 1 -

Esse fator é resultado da expressão aritmética igual a 01 menos expectativa de sobrevida, dividido pela própria expectativa de sobrevida, mais o tempo de contribuição, resultado que deverá ser adicionado ao tempo de contribuição dividido pela expectativa de sobrevida mais o tempo de contribuição, resultado esse que, por sua vez deve ser multiplicado por A. A expectativa de sobrevida, por sua vez, nesta fórmula, é a diferença entre o tempo médio de vida do brasileiro, de 77 anos, e a idade na hora da aposentadoria; TC é o tempo de contribuição e A a alíquota de contribuição em número decimal, compreendendo a alíquota do empregado recolhida durante o período do cálculo de aposentadoria, mais a do empregador, de 20%.

Sr. Presidente, como se vê, nada mais simples, mais óbvio e mais acessível a todo e qualquer segurado do INSS, que tem de se esforçar para traduzir isso tudo e assegurar os seus benefícios.

Também não é preciso lembrar que essa parafernália de siglas teve, como sempre, apenas um objetivo: diminuir os proventos dos aposentados da Previdência Social.

Há exemplos ainda mais gritantes. Na seção I do Diário Oficial de sexta-feira, 29 de janeiro de 1999, pode-se ler o texto da Lei nº 9.783, datada da véspera, que “dispõe sobre a contribuição para o custeio da Previdência Social dos servidores públicos ativos e inativos e dos pensionistas dos três Poderes da União e dá outras providências”. O art. 1o fixa essa contribuição em 11% e o art. 6o prescreve: “As contribuições previstas nesta lei serão exigidas a partir de 1o de maio de 1999 e, até tal data, fica mantida a contribuição de que trata a Lei nº 9.630, de 23 de abril de 1998”. E a seguir diz o art. 8o - “Revoga-se a Lei nº 9.630, de 23 de abril de 1998”.

Por muitas razões, Sr. Presidente, poderíamos chamá-la de Lei de Kafka, pois só o imortal tcheco seria capaz de resolver o desafio de cobrar uma contribuição que deixou de existir, mesmo que a voracidade fiscal do Estado possa até explicá-lo.

Estou me referindo à qualidade e à racionalidade das leis. Vejamos a questão da quantidade, contra a qual advertiu Tácito, há mais de 2.000 anos. De setembro de 1946 a dezembro de 2002, as normas legais somavam 13.575 atos, aí incluídas leis delegadas, decretos-leis e as medidas provisórias convertidas em lei, até setembro de 2001. Trata-se de uma pequena parte do ordenamento jurídico do País, pois aí não estão computados os decretos do Executivo, os decretos legislativos e mais de um milhão de normas de hierarquia inferior que têm para os cidadãos efeitos vinculantes. A despeito disso, reclama-se sistemática e constantemente da falta de leis.

O problema não é especificamente brasileiro, e o exemplo dos Estados Unidos, por se tratar de um sistema presidencialista, talvez possa servir de padrão para comparações. Na década de 40, todos os regulamentos e atos normativos daquele país ocupavam cerca de 2.400 páginas do Federal Register, o diário oficial americano. Trinta nos depois, já eram mais de 20 mil páginas e no começo da década de 90, em torno de 60.000. Um crescimento, portanto, de 2.500%.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador, peço permissão para interrompê-lo para prorrogar a sessão por quinze minutos. V. Exª, com a sua sabedoria, utilizará cinco minutos; o Senador Jonas Pinheiro, cinco minutos, e, para terminar o primeiro período desta Legislatura com muito brilhantismo, o nosso Pedro Simon, por cinco minutos.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC) - Perfeitamente, Sr. Presidente.

A despeito dos números, os Estados Unidos, a primeira e a mais poderosa economia do mundo, provavelmente não levem a palma nessa matéria, se lembrarmos que o recorde mundial de publicações em formato tablóide, que pertencia à edição do The New York Times de 14 de setembro de 1987, constante do Guiness Book, foi quebrado pelo Diário Oficial da União de nosso País, em sua edição de 19 de dezembro de 1997. São nada menos de 2.112 páginas de atos oficiais. É preciso esclarecer que, em peso, o nosso Diário ainda ultrapassa em 140 gramas por exemplar o jornal nova-iorquino, antes recordista nessa matéria!

O aspecto da quantidade das leis se confronta com o de sua racionalidade. Ao Congresso Nacional não se pedem mais, e sim melhores leis. A despeito de as produzirmos sem cessar, em sua maioria, de duvidosa utilidade, somos com razão acusados ao mesmo tempo de morosidade e de inapetência na tarefa de elaboração legislativa. Não vou invocar o exemplo do Código Civil, que, mesmo transgredindo em sua tramitação os mandamentos constitucionais, já nasceu velho, obsoleto e, em muitos casos, ultrapassado. Sua própria conveniência foi posta em dúvida durante a discussão, ainda que se deva ressalvar o meritório esforço dos vários relatores nesta e na outra Casa do Congresso Nacional, aos quais rendo minhas homenagens. Prefiro utilizar a Lei nº 4.595/64, que criou o Banco Central e o previa como instituição dotada de autonomia e direção com mandato de seis anos. No ano seguinte, sem que a lei fosse alterada, os mandatos tornaram-se letra morta, e a autonomia é ainda hoje assunto em discussão. No Governo Geisel, os diretores tornaram-se demissíveis ad nutum, e, a partir de 1985, seus cargos transformaram-se em postos de alta rotatividade. A despeito de tudo, a lei segue em vigor, e o mercado financeiro continua a reclamar a atualização de seu texto.

            Que remédios caberia apontar, para corrigir esse cipoal de leis ininteligíveis para a maioria esmagadora dos brasileiros e em grande parte desnecessárias ao País, além de incentivo imemorial à corrupção? O antídoto sugerido, repetido, intermitentemente lembrado, mas nunca tentado, tem mais de três décadas. Trata-se do desafio de consolidar, racionalizar, simplificar e tornar accessível a todos o conjunto de atos que conformam o ordenamento jurídico nacional. Sua primeira tentativa se deve ao ex-Deputado Henrique Turner, de São Paulo, que, em pronunciamento de 16 de setembro de 1970, por ele denominado de “reforma legislativa para a reforma do Legislativo”, apresentou projeto de lei complementar dispondo sobre “o processo legislativo, as normas técnicas para numeração, alteração, redação e controle das leis”, além de prescrever sua consolidação sistemática. A proposta foi arquivada sob o pretexto de que a matéria não poderia ser objeto de lei complementar, por não estar prevista no texto constitucional então em vigor. Uma simples emenda supressiva da palavra “complementar” sanaria a alegada inconstitucionalidade. A Constituição de 88 acolheu a idéia quase vinte anos mais tarde, no parágrafo único do art. 59, só regulamentado após dez anos pela Lei Complementar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998. Lamentavelmente, algumas de suas mais relevantes disposições foram vetadas pelo Presidente da República. Em 2001, nova Lei Complementar, a de n° 107, alterou a anterior; e continuamos na mesma situação em que nos encontrávamos antes de uma nova constituição e das leis complementares. A última delas supriu uma lacuna fatal do texto anterior, ao determinar que “a apreciação dos projetos de consolidação pelo Poder Legislativo será feito na forma do Regimento Interno de cada uma de suas Casas, em procedimento simplificado, visando a dar celeridade aos trabalhos”.

            Depois da constituição, foram necessários mais de dez anos para que a Câmara tomasse a primeira iniciativa a respeito, ao aprovar a Resolução nº 33, de 28 de janeiro de 1999, acrescentando ao Regimento Interno mais um capítulo destinado à tramitação dos projetos de consolidação. Infelizmente, foram eles submetidos ao mesmo rito dos projetos de lei ordinária. O resultado prático desta medida foi continuarmos na mesma situação em que nos encontrávamos em 1970. Se a Câmara tomou pelo menos essa providência, até hoje inócua, o Senado manteve o que parece já ser um tradicional imobilismo. Nada encontrei na última edição do Regimento Interno e suponho não estar o assunto nem na agenda, nem no rol de preocupações desta Casa, o que é deplorável.

O Executivo tomou várias providências, por iniciativa do então subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil e atual Ministro do STF, Dr. Gilmar Mendes. Designou em cada ministério os responsáveis por propor as consolidações, segundo as respectivas atribuições legais e manteve proveitoso entendimento com o Prodasen, que desenvolveu o programa, permitindo indicar, ao mesmo tempo, não só o texto depois de consolidado, mas também os dispositivos que lhe deram origem, essencial para que se compare se houve ou não alteração de substância. A solução adotada não foi, a meu ver, a melhor nem a mais adequada, em face da enorme mobilidade que tem caracterizado a organização administrativa do Governo Federal, com sucessivas fusões, extinções e criação de órgãos, ao sabor das conveniências ocasionais de cada administração. Mais apropriado juridicamente e mais recomendável tecnicamente seria agrupar o ordenamento jurídico por áreas de interesse da sociedade e não do Estado. Reconheço, contudo, que essa é uma decisão difícil de adotar, em razão da acentuada estatolatria que infelizmente marca a cultura política do nosso País.

Ainda assim, Sr. Presidente, o Executivo caminhou mais que o Poder a que pertencemos. Duas propostas foram submetidas à Câmara, em 1999. A primeira, representada pelo Projeto de Lei nº 1.493 e, a segunda, pelo Projeto nº 1.494. Ao apagar das luzes do último Governo, mais dois projetos foram encaminhados àquela Casa do Congresso, os de n°s 7.078 e 7.475, ambos de 2002. Os dois primeiros interessam à burocracia do Estado e nada têm a ver com as preocupações dos cidadãos. Um consolida a legislação referente ao regime jurídico dos funcionários do serviço exterior e permitiria revogar 32 leis ordinárias. O segundo trata dos princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação, e revogaria mais 36 leis. Dos dois seguintes de 2002, um efetivamente diz respeito aos direitos dos trabalhadores, ao consolidar a legislação que disciplina os planos de benefícios e custeio da Previdência Social e sobre a organização da seguridade social - matéria hoje dispersa em 61 leis. O outro consolida a legislação do esporte, e dele resultaria, se aprovado, a revogação de apenas 03 leis. Todos dormem no berço esplêndido dos insondáveis descaminhos da Câmara.

Relativamente às propostas revocatórias de leis decaídas ou em desuso, estão pendentes de decisão da Câmara 10 outros projetos do Executivo. Dois enviados em 2000, 07 submetidos em 2001 e 01 em 2002. Por muito pouco que tenha feito o Executivo, foi mais, muito mais do que fez o Congresso, cuja contribuição é igual a zero. Como pretender, Sr. Presidente, que a opinião pública do nosso País tenha apreço, estima ou consideração pela instituição a que pertencemos? É chocante o contraste com que aqui são tratados, de um lado os interesses do Estado, do Governo e dos Parlamentares e, do outro, os que dizem respeito aos cidadãos e à maioria do povo brasileiro.

As críticas que faço são decorrência natural de nosso imobilismo e resultam de dados incontrastáveis, quando se analisa o papel do Congresso e sua contribuição ao desenvolvimento nacional, à estabilidade da ordem jurídica e à promoção e defesa dos interesses dos cidadãos. Ou nos aproximamos daqueles que temos o dever constitucional de representar, ou vamos continuar estimulando a descrença, a desconfiança e o desapreço pela instituição a que pertencemos. As conclusões não são minhas, apenas reflito o pensamento dos que se debruçam sobre nosso desempenho e dos que, ao longo dos anos, pertencendo ou não ao Parlamento, se preocuparam com seu destino e com seu papel na evolução histórica do país e na consolidação da democracia.

A Constituição e o Regimento dão às comissões técnicas das duas Casas do Congresso poder terminativo em relação a uma série de proposições. A consolidação e a revogação das leis que compõem o ordenamento jurídico do país deveriam estar obrigatoriamente entre elas. Afinal de contas, não se trata de inovar, alterar nem modificar decisões do Congresso ou decretos leis do Executivo. Na gestão do ex-Ministro e atual Deputado Ibraim Abi-Ackel no Ministério da Justiça, durante o Governo do General Figueiredo, em cumprimento ao Decreto nº 85.022, de 11 de agosto de 1980, foi constituída comissão especial para promover a compilação das leis, passo inicial para a sua consolidação. Em cinco anos foram publicadas, segundo é de meu conhecimento, 17 compilações. O esforço, como já se tornou praxe no Brasil, se perdeu e nem sequer teve continuidade. Estamos hoje nessa matéria como há exatamente 33 anos!

A consolidação só será exeqüível se voltarmos à idéia inicial do projeto Turner, mandando adotar duas classes distintas de atos legais do ordenamento jurídico brasileiro. A primeira relativa às leis de conteúdo normativo e de caráter geral, que devem ser numeradas seqüencialmente e anualmente consolidadas. A segunda referente às de efeitos concretos, de interesse restrito e de vigência temporária, que dispensam consolidação e prescindem de numeração seqüencial, já que podem ser identificadas pelo assunto de sua destinação, ou, em última análise, categorizadas em outra série, como já ocorre em outros países. Além dessas mudanças, devem ser convidados a participar desse esforço especialistas que supervisionem os projetos de consolidação antes de aprovados pelo Congresso e convocadas as faculdades de Direito existentes no país que disponham de recursos humanos e materiais adequados a esse monumental desafio.

No ano de 2002, foram aprovadas 236 leis pelo Congresso. Nada menos de 44,5% delas referem-se à matéria orçamentária, quase todas de abertura de créditos especiais. Quase 15% são de alteração, mudança e nova redação de leis existentes. Mais 14% dizem respeito à criação de cargos, remuneração, gratificações e decisões referentes a quadros de pessoal. Pouco menos, 13,5%, são matéria fiscal e tributária, enquanto 10,5% são homenagens. Apenas cinco, a ínfima proporção de 2%, dizem respeito ao interesse dos cidadãos. São elas: a que institui a Carteira Nacional de Saúde da Mulher (10.516), a que cria o Programa Bolsa-Renda nos municípios em estado de calamidade pública (10.458), a que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (10.436), a que estende a licença maternidade à mãe adotiva (10.421) e a que institui o Código Civil (10.406).

Não se pretende que o Congresso, como advertiu Prudente de Morais Neto, citado por Gilberto Freyre, seja fábrica “que deva recomendar-se pelo número de projetos que elabore ou pela rapidez com que as produza”. Ao contrário, concluía ele, “às vezes a maior virtude de um parlamento está precisamente no número de projetos que elimina ou que depura, que corrige ou que substituiu, depois de estudo tanto quanto possível minucioso dos assuntos”. O que se preconiza é que o Parlamento simplifique a vida dos cidadãos, e consista e consolide a legislação que produza e aprova, para que não mereça o julgamento que, em 1903, fez do Senado dos Estados Unidos, o capelão oficial daquela Casa. Indagado se rezava pelos senadores, respondeu. -“Não, eu olho para os senadores e rezo pelo país”.

Como integrante desta Casa, Sr. Presidente, não quero esse destino para o Parlamento do meu País.

Peço a gentileza de transcrever nos Anais da Casa a tabela anexa que dispenso relatar.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR GERALDO MESQUITA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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            ANEXO

TIPOLOGIA DAS LEIS SANCIONADAS EM 2002
ASSUNTOS QUANTIDADE %

Matéria orçamentária, créditos especiais

105 44,5

Alteração e nova redação de outras leis

35 14,9

Criação de cargos, salários e gratificações

34 14,4

Matéria fiscal e tributária

32 13,5

Homenagens, instituição de dias especiais, etc

25 10,6

Leis de interesse geral da população

5 2,1

TOTAL

236 100,0

Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2003 - Página 16694