Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a prática da agricultura familiar.

Autor
Leonel Pavan (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SC)
Nome completo: Leonel Arcangelo Pavan
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Considerações sobre a prática da agricultura familiar.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2003 - Página 16787
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, PARCERIA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REFERENCIA, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR, RELEVANCIA, PARTICIPAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, LATIFUNDIO, CONCLUSÃO, SUPERIORIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, POLITICA, INCENTIVO, PROPRIEDADE FAMILIAR, PERIODO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONGRATULAÇÕES, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANUNCIO, PRIORIDADE, GOVERNO, REFORÇO, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), AUMENTO, VERBA, DESTINAÇÃO, MODELO, AGRICULTURA.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, CONHECIMENTO, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, AMBITO, FAMILIA, ADAPTAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, DIVERSIDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, PROBLEMA, PROPRIEDADE FAMILIAR, IMPORTANCIA, FACILITAÇÃO, ASSISTENCIA TECNICA, ACESSO, TECNOLOGIA, OFERECIMENTO, REQUISITOS, ARMAZENAGEM, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUÇÃO AGRICOLA.
  • SUGESTÃO, CONTEUDO, ENDEREÇO, INTERNET, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ACESSO, INTEGRALIDADE, INFORMAÇÕES, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR.

O SR. LEONEL PAVAN (PSDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente, gostaria de agradecer a presença, nesta Casa, de Anderson Luz dos Santos, o Vereador Batata, e da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Indaial, que vêm buscar recursos para o seu Município e para Santa Catarina.

Subo à tribuna hoje para falar sobre a agricultura familiar. Ontem, esse tema foi amplamente debatido por diversos Senadores que se pronunciaram. Hoje eu gostaria de expressar a minha preocupação sobre os projetos e sobre a solicitação de recursos por parte de agricultores de Santa Catarina.

A agricultura familiar é uma das forças que movem o nosso País, mesmo não sendo devidamente valorizada. Um importante estudo estatístico sobre o tema foi realizado no ano de 2000 por meio do projeto de cooperação técnica do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Esse estudo, baseando-se nos dados pesquisados pelo Censo Agropecuário do IBGE de 1995/1996, permitiu uma visão abrangente sobre a realidade diversificada da agricultura familiar em nosso País. Por meio dele, ficamos sabendo que, em 1996, dos cerca de 4.860.000 estabelecimentos rurais, a expressiva quantidade de 4.139.000 correspondia aos estabelecimentos familiares. Tínhamos, assim, 85,2% dos estabelecimentos indicados à agricultura familiar, enquanto em 11,4% deles se praticava a agricultura patronal. Uma pequena porcentagem correspondia a estabelecimento de entidades públicas de instituições religiosas e outras.

Em relação à área, entretanto, esses percentuais mostram-se muito distintos: temos 67,9% das terras com a agricultura patronal, enquanto 30,5% pertencem aos estabelecimentos familiares. Existe aí um percentual bem superior, mais da metade das terras agrícolas na mão de patrões, de grandes empresas, contra 30% pertencentes a propriedades dirigidas por famílias.

Vejamos, agora, Sr. Presidente, dados relativos à produção desses dois amplos segmentos da agricultura brasileira. O Valor Bruto da Produção (VBP) da agricultura patronal é, sem dúvida, bem maior do que o da agricultura familiar. Naquela safra de uma produção de aproximadamente R$47,8 bilhões, cerca de 61% foram de responsabilidade da agricultura patronal, enquanto 37,9% corresponderam à produção da agricultura familiar. Se levarmos em conta a área, no entanto, veremos que a produção da agricultura familiar, correspondente a 37,9% do valor bruto total, foi superior aos 30,5% das terras que lhe correspondem. Se considerarmos ainda, Sr. Presidente, que todo o financiamento concedido aos agricultores familiares, no período pesquisado, equivale a 25,3% do crédito rural total - quando sua produção ficou mais de 12 pontos percentuais acima -, concluiremos que a agricultura familiar mostra uma produção proporcionalmente muito maior que a agricultura patronal, tanto em relação à área do conjunto em estabelecimento quanto em relação ao crédito concedido.

Não bastasse a maior produção, Srªs e Srs. Senadores, vemos que a agricultura familiar gera um número de postos de trabalho expressivamente superior à agricultura patronal. Mesmo contando com cerca de 30% da área total, os estabelecimentos familiares são responsáveis por 76,9% do pessoal ocupado no meio rural brasileiro, o que equivalia, em 1936, a 13.780 mil pessoas.

Esse rápido olhar sobre a situação da agricultura familiar brasileira, Sr. Presidente, já nos permite chegar a algumas conclusões. Vimos que, no período da pesquisa, a agricultura familiar era a mais produtiva e, ao mesmo tempo, a que contava com menos apoio em crédito rural. Vimos que ela ocupa o maior número de pessoas no meio rural, seja em termos absolutos, seja, muito expressivamente, quando comparada com a área que ocupa.

Concluímos que foi importante a política empreendida nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, de promover, de modo ordeiro e pacífico, uma reforma agrária que assentou mais famílias do que já se havia assentado em toda a história brasileira. Embora faltem, freqüentemente, condições favoráveis à produção nas novas propriedades, sabemos que esse é o caminho correto, devendo ser incrementado e aperfeiçoado.

Ressaltemos, ainda, a importância da criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que foi anunciado, acertadamente, pelo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva como uma de suas prioridades.

É preciso, no entanto, Sr. Presidente, fazer bem mais, pois o potencial da agricultura familiar brasileira é muitíssimo maior do que a sua atual participação na economia brasileira, que já é expressiva. Para que o Governo possa estimular a capacidade de crescimento da agricultura familiar de modo consistente e sistemático, é necessário conhecer a sua realidade, que varia enormemente de acordo com a região e com outros fatores, apresentando grande diversidade de condições de produção e de rentabilidade.

Antes de tudo, é bem diferenciado o grau de participação da agricultura familiar em cada região do Brasil. Quanto ao número de estabelecimentos, ela se mostra fortemente predominante em todas as regiões, indo dos 66,8% dos estabelecimentos no Centro-Oeste aos 90,5% na região Sul. Quanto à área, a agricultura familiar mostra-se mais presente no Nordeste, com 43,5%, e, no Sul, com 44% da área, e sendo bem menor a do Centro-Oeste, com 12,6%.

Nas regiões Norte e Sul, o valor bruto da produção pela agricultura familiar é superior à metade de toda a produção agropecuária, com os índices respectivos de 58,3% e 57,1%. Em todas as regiões do Brasil, a produção familiar é superior ao crédito rural por ela recebido em relação aos respectivos totais.

Além da grande variação regional, os agricultores familiares apresentam condições muito diversas no que se refere às condições de produção, como área de cultivo, tecnologia e capacidade de investimento. Um estudo elaborado pelo Projeto de Cooperação Técnica Incra/FAO divide o conjunto dos agricultores familiares brasileiros em quatro grupos, de acordo com a renda total auferida em um cálculo que leva em conta o valor da diária média estadual, chegando a quatro tipos de agricultores com características bem diferenciadas.

Teríamos no tipo A, de maior renda, 8,4% dos estabelecimentos de agricultura familiar; 20,4% e 16, 9% nas faixas intermediárias B e C; e 39,4% dos estabelecimentos no tipo D, de menor renda.

Desse alto percentual na faixa de renda, que perfaz mais de 1,9 milhão de estabelecimentos, mais da metade se encontra na região Nordeste.

Conclui-se, entretanto, pelo cruzamento com outros dados, que cerca de 16% desse número não seria constituído por agricultores pobres, mas por agricultores familiares capitalizados ou em processo de capitalização que estavam realizando novos investimentos ou apresentaram frustrações de safra ou de comercialização, no ano de levantamento das informações.

Enquanto os tipos C e D respondem por apenas 3,6% e 4,1%, respectivamente, do valor da produção, o tipo A, de maior renda e menor contingente de estabelecimentos, produz 19,2% do total. As regiões Sul, com 41%, e Sudeste, com 21%, são responsáveis por 62% dos agricultores familiares do tipo A no Brasil.

O estudo prossegue mostrando, sempre em relação às cinco regiões e aos quatro tipos de agricultores, dados relativos à área dos estabelecimentos, à condição do agricultor e do pessoal ocupado, à assistência técnica, tecnologia e associativismo, aos produtos explorados, ao grau de especialização e ao nível de investimento, entre vários outros.

Remeto às pessoas interessadas o site do Incra na Internet, onde poderão ter acesso ao referido levantamento estatístico em sua totalidade.

Sr. Presidente, o que salta aos olhos, mesmo em um exame mais superficial dos dados relativos à agricultura familiar no Brasil, pode ser resumido em duas noções: grande potencialidade e grande diversidade.

Mesmo que constatemos as condições duras e adversas que cabem a boa parte dos agricultores familiares, predominantemente no Nordeste, mas, em algum grau, em todas as regiões do País, sabemos que sua situação é, via de regra, melhor do que a dos excluídos e marginalizados das grandes cidades. Diversos estudos indicam que o custo de gerar um emprego na agricultura familiar é pelo menos quatro vezes menor que o de qualquer outra alternativa. Por outro lado, mesmo em propriedades pequenas e desprovidas de recursos de várias ordens, uma ordem efetiva de crédito e de assistência técnica pode e deve melhorar as condições de produção, fazendo com que essa possa ir além da mera subsistência.

De outra parte, podemos atestar a pujança e o dinamismo de uma expressiva parcela dos agricultores familiares do Brasil. Esses agricultores, Sr. Presidente, geram riquezas e empregos de modo o mais significativo, ainda mais se levada em conta a menor disponibilidade de terras e de crédito a seu favor, quando comparada a dos agricultores patronais.

Tenho a satisfação de observar que os agricultores familiares do Estado de Santa Catarina estão entre os que mais têm contribuído para o crescimento não só da produção, mas também da produtividade rural brasileira. Lá contamos com uma tradição já antiga de agricultura familiar, lado a lado com o empenho determinado pela modernização tecnológica e pelo dinamismo das atividades rurais.

Sr. Presidente, sabemos todos, de um modo geral, quais são as necessidades dos produtores rurais no Brasil. Os agricultores familiares, como todos os demais, necessitam de crédito em condições compatíveis com sua condição de produtor, necessitam de assistência técnica, acesso à tecnologia, à energia, facilidades para armazenagem e para comercialização dos seus produtos. Condições favoráveis ao associativismo constituem um item que diz respeito particularmente aos pequenos e médios produtores, entre os quais se destacam os que praticam a agricultura de caráter familiar.

Há um rol de medidas necessárias, Srªs e Srs. Senadores, as quais já são conhecidas e discutidas há algum tempo, embora no seu detalhamento possam surgir novidades e inovações. Sabemos ainda que, sob os mais diversos pontos de vista, a agricultura familiar deve ser priorizada, tanto por razões de ordem econômica, como de ordem social e ambiental.

Particularmente neste momento em que se procura combater e até mesmo extinguir a realidade da fome no Brasil, a agricultura familiar não pode ser preterida, já que ela produz, de acordo com a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF), cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.

O que falta verdadeiramente é partir para a prática, é transformar em prioridade efetiva de governo o fortalecimento da agricultura familiar brasileira. As iniciativas tomadas no Governo Fernando Henrique Cardoso foram importantes, mas é necessário e inadiável que sejam ampliadas, intensificadas.

Nesse sentido, consideramos louvável a ação do Governo Lula de destinar R$5,4 bilhões para a agricultura familiar no Plano Safra 2003/2004, lançado no último dia 24 de junho. Esse valor fica, entretanto, na média do que vem sendo destinado à agricultura familiar nas últimas safras. O fato realmente grave e inaceitável é que as exigências burocráticas fazem com que só 60% desse montante seja efetivamente transformado em empréstimo.

Contamos com que o Governo Federal, associado aos governos estaduais e municipais, mostre uma verdadeira e indiscutível vontade de fortalecer a agricultura familiar brasileira, não se restringindo às declarações de intenção e a medidas que, por desconhecimento das reais condições de nossos agricultores, não têm as conseqüências desejadas.

É inquestionável, Sr. Presidente, que o País e a população brasileira muito vão ganhar quando nossa agricultura familiar puder desenvolver, com o apoio imprescindível, todo o seu potencial.

Assim, em que pese o lançamento pelo Governo Federal, no último dia 24 de junho, do Plano Safra para a Agricultura Familiar 2003/2004, ainda entendo que são necessárias medidas adicionais para fomentar e desburocratizar o Pronaf, como o fim das exigências e garantias para se ter acesso ao crédito, a correção da defasagem dos valores dos tetos de renda bruta anual e dos limites de crédito e a assistência técnica falha, entre outros problemas. Cabe lembrar que, para ter acesso ao crédito, os agricultores devem obedecer a alguns requisitos, de acordo com o grupo em que se enquadram, e devem seguir uma lista de exigências a serem cumpridas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, além da burocracia que leva a morosidade na liberação dos recursos e muitas exigências por parte dos bancos como aval, o penhor de safra, garantias reais como equipamentos e até a hipoteca de imóveis, alegando segurança, também entendemos que os tetos de renda e os limites de crédito, tanto para custeio da lavoura quanto para investimentos em bens duráveis são baixos e devem ser atualizados, uma vez que não são corrigidos há pelos menos três anos.

Vamos continuar apostando na agricultura familiar para transformar o Brasil no verdadeiro celeiro do mundo.

Fiz este pronunciamento para cumprimentar o Presidente Lula por esses empréstimos por meio do Pronaf, mas também para alertar o Governo Federal que a agricultura familiar não pode ficar nos meros empréstimos de R$400,00 ou R$600,00 por família. Precisamos, além disso, de outras atividades e outros investimentos para fortalecer esse importante segmento da economia brasileira gerador de empregos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2003 - Página 16787