Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Empobrecimento da classe média brasileira. (como Lider)

Autor
Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Empobrecimento da classe média brasileira. (como Lider)
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2003 - Página 16805
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, CLASSE MEDIA, BRASIL, INEFICACIA, ATUAÇÃO, GOVERNO, IMPEDIMENTO, REDUÇÃO, QUALIDADE DE VIDA, PODER AQUISITIVO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPORTANCIA, CLASSE MEDIA, ECONOMIA, BRASIL, VITIMA, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, POSSIBILIDADE, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, MELHORIA, SITUAÇÃO, CLASSE MEDIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, DEDUÇÃO, IMPOSTO DE RENDA, GASTOS PESSOAIS, EDUCAÇÃO, SAUDE.

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, exaltada como a base dos valores da sociedade moderna, sinalizadora da estabilidade das instituições democráticas, pela sua dimensão e importância, e núcleo maior da formação de opiniões e idéias em qualquer grupo social, a classe média não só está se proletarizando e se aviltando, como é hoje depositária da frustração de sonhos e de esperanças de boa parte da população brasileira.

Não há - e é importante fazer esta constatação - estabilidade das instituições democráticas, respeito à cidadania e desenvolvimento social equilibrado sem uma classe média forte. Talvez seja esse o principal segredo da sociedade norte-americana.

Há algumas décadas, o sonho de qualquer família da classe média brasileira, na busca de ascensão e reconhecimento social, era ver seus filhos escolherem carreiras que lhes dessem segurança, prestígio e boa remuneração. Durante o regime militar, a ampliação do papel do Estado e a modernização da economia favoreceram tremendamente o acesso de técnicos a postos de relevância bem remunerados na estrutura do governo e fora dele. A classe meda viveu seu auge com a explosão de oportunidades e remunerações que não ficavam a dever às remunerações das nações desenvolvidas.

Por outro lado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, programas governamentais dito populares, como os de habitação, favoreceram muito mais a classe média do que o proletariado. O final da década de sessenta e seus anos dourados - dos setenta - permitiram à classe média brasileira acesso a bens materiais e culturais que lhes garantiam uma vida condigna e confortável. Com a crise da economia e do Estado, nos anos oitenta, com a falência do Sistema Financeiro de Habitação e com o rebaixamento dos salários no setor público, a classe média perdeu, sem dúvida, muito do poder de compra e passou a viver um amplo processo de aviltamento.

Nenhuma outra parcela da população foi tão afetada quanto a classe média, a camada social que se espreme entre os poucos que têm muito e a maioria que tem muito pouco, quase nada. Para ela, a perda chegou a mais de 30% do rendimento familiar nos últimos cinco anos. A classe média perdeu, sem dúvida nenhuma, referências. Foi afastada para a periferia das cidades. Tirou o filho da escola particular e passou a curtir a angústia de um orçamento cada dia mais estreito. O número de alunos em escolas particulares foi reduzido em 15%, desde 1997.

Marcada por um certo ressentimento diante de aposentadorias que se corroeram, do rigor do fisco, do acesso mais difícil a bens culturais e de um salário que humilha, a classe média, hoje, busca uma saída. A única alternativa viável tem sido aberta para aqueles que têm um potencial empreendedor e hoje se arriscam a abrir o seu próprio negócio. A renda média dos brasileiros vem baixando progressivamente. Caiu 14,7% do ano passado para cá.

            De acordo com recente reportagem da revista Veja, embora represente 23% dos brasileiros, a classe média compra metade dos remédios vendidos em farmácia, 55% do volume comercializado nos supermercados e adquire 90% dos aparelhos de televisão comercializados no País. A venda de veículos, segundo Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, caiu 21% nos últimos seis anos. Esse mesmo movimento está acontecendo, por exemplo, com os planos de saúde. Entre 1999 e 2003, o número de usuários dos planos de saúde caiu de 41 milhões para 35 milhões de pessoas. É claro que isso afetou as empresas, que trataram de demitir.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por que algumas idéias não poderiam ser objeto de discussão, por parte do Governo, para suavizar a sua situação? Por que o imposto de renda da classe média não poderia acolher, como dedução, gastos com serviços domésticos, desde que trabalhadores domésticos tivessem regularizada a sua situação previdenciária? Por que o contribuinte previdenciário não poderia destacar da contribuição para o INSS algo como um percentual para que ele optasse pelo seguro de saúde privada? Calcula-se que mais de um milhão de empregados domésticos - um milhão e duzentos, um milhão e trezentos - não contribuam para a Previdência nem tenham sua situação regularizada pelos seus empregadores.

Por que, Sr. Presidente, não se amplia o crédito educativo para o ensino médio e se abre espaço à classe média? Por que não se restabelece um programa de financiamento aos recém-formados profissionais? Por que não se garante o acesso ao financiamento de salas, lojas e espaços para pequenas indústrias e outras atividades à classe média, em prazo semelhante ao financiamento da moradia?

Sr. Presidente, a classe média paga, sim, muito imposto. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário realizou um recente estudo, mostrando que a carga de impostos sobre a população brasileira chegou a 41% do PIB, no primeiro trimestre de 2003. Dezoito anos atrás, pagavam-se 20% do PIB em impostos. Mas esses valores não contam toda a verdade. Desnecessário lembrar que os serviços oferecidos à sociedade - aí incluídos desde a prestação jurisdicional até a educação pública - são de qualidade insatisfatória. Quando se fez o aperto de consumo para salvar o balanço de pagamentos - como a redução nos prazos de financiamento de veículos - quem foi mais afetado? O pobre, que não compra de jeito nenhum? O rico, que paga à vista? A classe média, que está totalmente desassistida.

Além disso, apesar da privatização de empresas públicas, quem custeia hoje os investimentos em telefonia, siderurgia, mineração, bancos, eletricidade e pedágios é a população. Os impostos deveriam ter diminuído com as economias da venda das estatais, mas isso não aconteceu. Outro detalhe é que todo contribuinte de classe média tem de pagar, a cada ano, de 15% a 20% sobre a inflação real - não a medida pelos índices oficiais - que corrói seu poder de compra. E vale lembrar que desde 1994 não se corrige mais a Tabela do Imposto de Renda, apesar dos esforços que fizemos nesta Casa do Congresso Nacional.

Como a taxação da renda chegou ao limite do politicamente aceitável, estudiosos estão recomendando taxar o patrimônio da classe média via outro imposto. Sem falar que ninguém mais questiona os incessantes aumentos do IPTU, do IPVA e até da CPMF. E tem mais: embora dívidas do Governo não sejam consideradas impostos, elas são recursos que o Governo gasta hoje e que a sociedade terá de saldar amanhã, com impostos futuros. Essas dívidas aumentaram, nos últimos anos, entre 2% e 4% ao ano, segundo estimativas. Mais um caso comprovado de que quem paga é a classe média. Além dos impostos, a classe média teve de aprender a assumir os gastos com a saúde da família, educação, segurança pública e previdência privada - todas antes funções do Estado -, que, segundo o mesmo Instituto Tributário, aumentaram para 30% do PIB. Na Suécia, onde os impostos são elevados, o Governo devolve esse valor em serviços. Mas isso, no Brasil, é claro, não tem acontecido.

Essas, sem dúvida, são algumas reflexões que poderiam merecer análise e avaliação sobre a forma de viabilizar os anseios da classe média, sem doação ou postura paternalista por parte do Governo. Alguns Governos Estaduais estão isentando funcionários públicos do pagamento do IPTU. É uma forma de salário indireto que alivia o orçamento familiar. E se fosse reduzido, ou até isentado, por exemplo, o IPVA para um único carro da família, poderíamos, assim, melhorar um pouco mais a vida da desditosa classe média no Brasil.

Antes de encerrar, eu queria dizer a V. Exª que, por ocasião da reforma tributária, que brevemente chegará a esta Casa do Congresso Nacional, estamos estudando a possibilidade de propor uma emenda para que os aposentados por invalidez e por idade possam deduzir dos gastos, com amparo no seu imposto de renda, as despesas com remédio de uso continuado. Sem dúvida, seria uma grande contribuição que esta Casa do Congresso Nacional poderia dar a essa discussão, a essa reforma importante, cujo aspecto social precisa também ser ressaltado.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2003 - Página 16805