Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise da estagnação da economia brasileira e expectativas de seu crescimento. Transcrição, nos Anais do Senado, de discurso proferido pelo Ministro Roberto Amaral, por ocasião da posse de Celso Furtado na Academia Brasileira de Ciências.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Análise da estagnação da economia brasileira e expectativas de seu crescimento. Transcrição, nos Anais do Senado, de discurso proferido pelo Ministro Roberto Amaral, por ocasião da posse de Celso Furtado na Academia Brasileira de Ciências.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2003 - Página 16807
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, DEMORA, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, ESCLARECIMENTOS, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMPROMISSO, REDUÇÃO, DEPENDENCIA ECONOMICA, PAIS, MERCADO EXTERNO, JUSTIFICAÇÃO, AUSENCIA, ALTERAÇÃO, TAXAS, JUROS.
  • REGISTRO, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, BUSCA, CRESCIMENTO ECONOMICO, INDEPENDENCIA, MERCADO EXTERNO, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, PROGRAMA, FACILITAÇÃO, ACESSO, CREDITOS, FINANCIAMENTO, INCENTIVO, AGRICULTURA, PROPRIEDADE FAMILIAR.
  • MANIFESTAÇÃO, CONFIANÇA, ATUAÇÃO, GOVERNO, MELHORIA, ECONOMIA.
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), SOLENIDADE, POSSE, CELSO FURTADO, ECONOMISTA, ACADEMIA BRASILEIRA DE CIENCIAS (ABC), REGISTRO, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, PROGRESSO, ECONOMIA, PAIS, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem

revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, escutei desta tribuna ainda hoje - e a isso se referiu o Senador Osmar Dias - que a economia brasileira está parada. Efetivamente está parada. E está parada porque foram tomadas decisões de natureza política, com a elevação da taxa de juros aos patamares estratosféricos em que se encontra, para frear a inflação e as importações, a fim de gerar saldos cambiais maiores. Foi uma política aplicada no primeiro semestre deliberadamente e que produziu os efeitos esperados. Não há nenhuma surpresa.

A partir do segundo semestre, Sr. Presidente, pelas indicações que se têm, pelas declarações dos responsáveis governamentais pela política econômica, mudam os ventos. É claro que mudam os ventos, mas os efeitos não aparecerão imediatamente, pois o processo econômico tem essa natureza. Custam a aparecer os efeitos, mas surgirão. O Brasil voltará a crescer e provavelmente ainda ao final deste segundo semestre.

O importante é observar que esse crescimento novo será de uma qualidade diferente da que estavam acostumados os brasileiros historicamente. Será um crescimento, primeiramente, autônomo, não dependente de variações ou julgamentos do mercado financeiro internacional a respeito da economia brasileira, e não dependerá das decisões espontâneas ou “livres” do mercado. Será um crescimento induzido por investimentos públicos, por ação estatal, por presença e decisão política do Estado brasileiro; e um crescimento autônomo, independente dos humores e dos julgamentos internacionais a respeito do Brasil.

Para isso, as medidas de contenção das importações e de estímulo às exportações foram tomadas. Nós tivemos, neste primeiro semestre, saldos comerciais que, há mais de 10 anos, o Brasil não conhecia. O Brasil já conheceu esses saldos, mas eles foram liquidados exatamente por uma política desastrada ainda, mas muito louvada e sustentada pelo Governo passado, que foi o da âncora cambial, com a abertura indiscriminada da economia brasileira, que liquidou os saldos e criou déficits gigantescos que nos levaram a essa situação de dependência, da qual só agora estamos começando a sair, porém com indícios muito auspiciosos de que essa saída é sólida e definitiva. Gerar um saldo comercial de US$10 bilhões num semestre e fechar o semestre sem necessidade de um centavo de dólar de financiamento externo para saldar nossas contas é um feito que merece registro. É fruto de um sacrifício imposto ao consumo interno brasileiro. E estamos aqui exatamente para afirmar isto: foi deliberada a política de contenção da economia, por meio da elevação dos juros e da política fiscal rígida, para criar essa situação de autonomia.

Teremos crescimento induzido, não o crescimento esperado das decisões do mercado. Para isso a economia brasileira teria de ser generosa com o mercado para que este, então, resolvesse fazer investimentos produtivos no Brasil. Não é assim: os investimentos produtivos serão induzidos pelos investimentos públicos, em parceria com investimentos privados, é verdade, mas investimentos em infra-estrutura, investimentos impulsionadores da nossa economia.

Há uma segunda mudança de natureza da economia, que também não é fácil de ser compreendida por brasileiros que estiveram, há mais de 10 anos, submetidos a essa cantilena do pensamento único, segundo o qual aquela diretriz de política econômica era a única possível. A verdade é que não é. A segunda mudança de natureza da economia é a garantia da distribuição mais equitativa dos frutos do trabalho entre todos os brasileiros, isso é, a garantia da distribuição com crescimento.

Não quero referir-me só ao Programa Fome Zero, Sr. Presidente, ou ao Programa Primeiro Emprego. Creio que são programas importantes, mas desejo me referir a outras decisões que têm uma natureza mais estrutural: a de trazer à economia brasileira os seus excluídos. É preciso incluir uma grande parcela de brasileiros excluídos, microinvestidores e microconsumidores que estão à margem, sem qualquer possibilidade de participar da economia.

A Senadora Ideli Salvatti ressaltou bem que haverá um apoio mais decidido à agricultura familiar, à multiplicação dos instrumentos, dos institutos ligados ao microcrédito. Será dada a possibilidade de obtenção de crédito pelas pessoas sem praticamente nenhuma exigência, senão a apresentação da Carteira de Identidade. Enfim, a criação de microinvestimentos, estimulados por políticas governamentais estabelecidas para esse fim, vai multiplicar por mil - em uma estimativa que me ocorre pelos números que ouvi - o que se fazia em matéria de microcrédito neste País. Tudo isso vai associar à economia uma multidão de 30 milhões de brasileiros que estavam excluídos, sem qualquer possibilidade de acesso a um banco, sem poderem entrar em um banco como pretendentes ao levantamento de uma pequena quantia.

Houve, então, a decisão de criar esse fundo de miniinvestidores, capitaneado pelo BNDES, isto é, de criar no mercado de capitais mesmo uma participação maior do cidadão que estava completamente excluído de qualquer tipo de participação de natureza econômica. Enfim, Sr. Presidente, são decisões que vão marcar uma nova qualidade da economia brasileira, mais acessível ao cidadão comum, que estava, como já disse, completamente excluído das regras de mercado.

A economia brasileira não será mais submetida à ditadura do mercado. Chega dessa subserviência de tudo fazer pelo mercado em matéria de concessão, de tudo conceder ao mercado, de as decisões mais fundamentais da nossa economia estarem à mercê do mercado, sem que o Governo tivesse nenhuma participação, porque era pecado mortal, de acordo com o chamado Consenso de Washington, que foi seguido pela política neoliberal. Tudo devia ser privatizado e passado ao mercado. Privatizações acabaram, e a ditadura do mercado acabou. Definitivamente, vamos ter crescimento induzido por investimentos do Estado, por decisão do Estado, da sociedade, por intermédio do Estado democrático, por políticas que vão sendo estabelecidas pelo Governo.

Nessa mesma lógica, Sr. Presidente, refiro-me agora a uma questão muito importante, que diz respeito ao setor de ciência e tecnologia, setor extremamente criativo de caminhos e rumos do processo de desenvolvimento de um país. Há alternativas e possibilidades de desenvolvimento científico e tecnológico que favoreçam, precipuamente, as grandes empresas, as corporações multinacionais e, paralelamente, as nacionais voltadas muito especialmente para a exportação, o que é, na realidade, um chamamento enorme, tendo em vista a necessidade de continuarmos produzindo saldos importantes na balança de pagamento.

Mas há um outro caminho, que é utilizar o desenvolvimento da ciência e tecnologia para, além de aumentar as exportações, enfrentar e resolver os problemas cruciais, básicos, fundamentais da vida da população brasileira, da população de um país. Até agora isso não foi feito, mas, de agora para frente, passará a ser feito, conforme declarações de representantes do Governo em geral e muito especialmente do Ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral.

Sr. Presidente, no meu pronunciamento, peço a transcrição na íntegra de um discurso muito importante feito pelo Ministro Roberto Amaral na reunião da Academia Brasileira de Ciências, em 04 de junho de 2003, por ocasião da posse do professor Celso Furtado naquela Academia. É um discurso importante e antológico, Sr. Presidente, razão por que peço a sua transcrição em Ata. É um discurso longo, e não daria tempo, de forma alguma, de lê-lo em sessão, mas lerei pequenos trechos em que o Ministro Roberto Amaral sugere a reflexão sobre a responsabilidade ética do pessoal que lida com ciência e tecnologia, dos cientistas e dos tecnólogos brasileiros diante do mundo e da realidade do País.

Diz o Ministro, textualmente:

Às vezes nos esquecemos de que, neste País de desigualdades, só estamos aqui - a minoria que somos - graças à grande massa que permanece lá fora.

Essa é a distinção entre incluídos e excluídos do processo.

Continua o Ministro:

São as grandes massas que estão financiando a universidade brasileira. Hoje os investimentos em educação, ciência e tecnologia são suportados pelo Poder Público em algo como 80%. E o Poder Público são os impostos pagos por aqueles que jamais entraram e entrarão em uma universidade e cujos filhos também jamais entrarão em uma universidade pública.

Trata-se dos impostos indiretos, que são pagos pela totalidade da população, que não são impostos progressivos e discriminados, que são indiscriminados e pagos por toda a massa de excluídos brasileiros para sustentar exatamente essas instituições a que o Ministro se refere.

Adiante, diz:

É a partir dessas reflexões que estamos pensando a ciência e a tecnologia da mudança. Queremos uma política de ciência e tecnologia a serviço do País.

O Ministro passa a expor cinco mudanças que norteiam a atual administração do Ministério. A primeira de todas é a mudança humanística, essencial, fundamental. Sobre ela, o Ministro diz:

Quero dizer que, para nós do Governo do Presidente Lula, a ciência e a tecnologia não são uma categoria per se, não se auto-homologam, não se autolegitimam, mas se justificam, se legitimam quando podem responder a que vieram, a que e a quem servem, a que projeto de País, a que projeto de sociedade. Do nosso ponto de vista, ciência e tecnologia são o instrumento fundamental para a construção de uma nova sociedade, livre da concentração, da injustiça social e do autoritarismo

e, evidentemente, da dependência externa.

Depois, o Sr. Ministro fala sobre a segunda mudança decorrente dessa visão ética e humanística, para que a tecnologia seja a transformação do projeto de exclusão num projeto de inclusão dessas enormes massas de brasileiros excluídos.

A terceira mudança é a desconcentração. Sabe-se que toda atividade de ciência e tecnologia hoje é extremamente concentrada no Centro-Sul, e a política do Governo é de desconcentrar. É importante ressaltar a diferença entre desconcentração e pulverização. Não se trata de pulverização, mas de desconcentração, isto é, de investimentos em pólos de criação de ciência e tecnologia que não se encontram no Centro-Sul, porém em locais onde haja uma agregação mínima de esforços, saber e experiências já realizadas.

O Ministro cita exemplos importantes: o Centro de Biotecnologia da Amazônia, em Manaus; o Instituto Internacional de Neurociências, em Natal; o Centro de Ciências Nucleares, em Recife, ampliado para exercer o papel de pólo de desenvolvimento científico de todo o Nordeste, em rede com as demais instituições da região; um Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada, Ceitec, que está sendo instalado em Porto Alegre, enquanto se discute com a Universidade do Ceará a possível instalação de um Centro de Farmacologia em Fortaleza, em rede com o Lika Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami; e o Instituto Nacional de Pesquisas do Semi-Árido, que será instalado ainda neste ano.

É preciso descentralização, mas não pulverização. É necessário, sim, um redirecionamento de esforços e de investimentos para iniciativas que já estão sendo tomadas e que agregam grande quantidade de esforços e de concentração de ciência e tecnologia já instalada.

Concedo o aparte ao Senador Ney Suassuna, para, depois, concluir o meu pronunciamento.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador Roberto Saturnino, V. Exª está abordando um tema realmente vital para o Brasil. Hoje, quem dispõe de ciência e tecnologia não abre mão, e quem não tem precisa conquistar. O Brasil tem feito muita força para melhorar a tecnologia dos seus carros, dos seus tecidos, da sua indústria de sapatos e farmacêutica, apesar das dificuldades. Ainda hoje falávamos com V. Exª da necessidade de passarmos a deter a tecnologia dos lançadores de satélites, pois, no mundo, tudo é monitorado por satélites, inclusive as comunicações. Quando o nosso poder nacional necessita de um satélite militar, não temos sequer um satélite brasileiro em condições, porque o que tínhamos vendemos para a Embratel, para os estrangeiros. Mesmo esse está com seu tempo vencido e deverá cair em poucos meses, mais tardar em um ano. Precisamos aprender não só a fazer os lançadores, mas também a colocar os nossos satélites em órbita, para fins de comunicação e visando segurança nacional. Esse é um item muito importante, mas não só ele nos preocupa. Temos uma indústria aeronáutica incrivelmente desenvolvida, mas incapaz de fabricar turbinas de aviões. Temos que comprá-las da Rolls-Royce, da General Electric ou da Boeing. A Ucrânia, embora pequena, é detentora dessas duas tecnologias de ponta e está disposta a celebrar uma parceria que permitirá a transferência dessa tecnologia para nosso País. Das seis parcerias, essa será a nossa última oportunidade. As outras cinco não foram concretizadas porque se esvaziaram ou cobraram muito caro. Para que V. Exª tenha uma idéia, somente para colocar dois satélites em órbita, em substituição ao da Embratel, que está vencendo, pediram quinhentos milhões; quando temos condições de, com cento e poucos milhões de dólares, ter esse satélite brasileiro e, ainda, a Base de Alcântara desenvolvendo uma indústria de apoio ao lançamento aeroespacial e, conseqüentemente, o desenvolvimento de uma área do Nordeste. Isso sem mencionar a biotecnologia da germinação no espaço, dentre as muitas áreas importantes da biotecnologia. V. Exª fala deste mundo, um mundo novo que, a cada dia, tem novos horizontes. Ai de nós se não seguirmos o que V. Exª acabou de pregar. Ai de nós se não levarmos a sério e não aproveitarmos o dinheiro dos fundos. As verbas destinadas aos oito fundos aprovados pelo Congresso são razoavelmente grandes, mas estão contingenciadas - o que, pela lei, não deveria ocorrer. Não consigo entender como um País de futuro, em pleno século XXI, está descartando essas possibilidades! Por isso, estou solidário com V. Exª. Quem ouve este meu discurso não tem noção da importância da ciência e da tecnologia para um país moderno, mas nós, que aqui vemos os apertos diariamente, as dificuldades e a vulnerabilidade do nosso poder nacional, sabemos que esta é a única salvação. Parabéns! Solidarizo-me com o discurso de V. Exª.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Senador Ney Suassuna, sou solidário com todas as ações que V. Exª tem desenvolvido, pelas quais o parabenizo. Sei do seu empenho, da sua atuação dinâmica e eficiente no estabelecimento desse relacionamento do Brasil com a Ucrânia, para obtenção desta tecnologia, que é fundamental, essencial para nós, no estágio em que nos encontramos.

Concordo com V. Exª. Os recursos dos fundos de ciência e tecnologia não podem ser contingenciados e, na última LDO, aprovamos a preservação desses fundos, tendo em vista evitar qualquer possibilidade de contingenciamento. Enfim, acolho o aparte de V. Exª também com a manifestação da minha admiração por todo o esforço que tem despendido nesse sentido.

Concluo, Sr. Presidente, solicito à Mesa a transcrição do importante discurso do Ministro Roberto Amaral e ressalto aquilo que disse ao Ministro, isto é, que estamos agora, com a “mudança dos ventos”, iniciando um processo de crescimento que só vai manifestar-se concretamente daqui a uns quatro meses, pelo menos, mas que será um processo de crescimento qualitativo, com uma natureza diferente da que o Brasil até hoje conseguiu. Qual seja, um projeto com autonomia, com planejamento, com decisão política do Estado de promover e com uma redistribuição dos frutos do progresso com a inclusão de uma massa gigantesca de brasileiros que trabalham, mas que, até hoje, não usufruem dos frutos de um trabalho que deveria ser desfrutado por todos os brasileiros.

Reconheço que é difícil, para os brasileiros que ouviram a cantilena do pensamento único e acharam que só existia aquele caminho, compreender a mudança que está ocorrendo. E o duro sacrifício que foi imposto durante o primeiro semestre - que não foi compreendido inclusive por companheiros nossos do próprio PT - para gerar a semente da autonomia, da indução, por meio de investimento público e de infra-estrutura, a semente do novo processo redistributivo dos frutos da economia nacional.

Sr. Presidente, era o que tinha a dizer.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROBERTO SATURNINO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Posse dos novos membros da Academia Brasileira de Ciências - ABC

Roberto Amaral

Ministro da Ciência e Tecnologia

Rio de Janeiro, 04 de junho de 2003

Senhoras e senhores,

O imponderável existe - a ação das circunstâncias costurando acasos aparentes - mas nossa geração, em grande parte, quis fazer a própria hora. Estava ansiosa para fazer acontecer as mudanças. E é nessa condição, de participante da intervenção nos acontecimentos sociais - e pensávamos, naquela época que fazíamos ciência e preparávamos a revolução - que construímos esta história. Antigo militante do movimento social, encontro-me aqui, hoje, como Ministro de um longo processo de transformações, representando o Excelentíssimo Senhor Presidente da República neste ato em que a Academia Brasileira de Ciências, que reverencio desde sempre, recebe seus novos membros titulares. E não podendo dirigir-me a todos individualizadamente, permitam-me que, de logo, saúde a todos, saudando o maior pensador brasileiro vivo, nosso maior humanista, nosso sempre professor Celso Furtado, professor de Brasil, paradigma de minha geração, que em sua obra encontrou caminho, luz e norte.

Obrigado, professor Celso Furtado pelo que fez pela nossa geração, pelo Brasil, pela nova maneira de ver, pela de nossa formação que ultrapassou fronteiras e fez o mundo ver nosso país com nossos olhos.

Senhor Presidente Eduardo Krieger.

Permita-me dizer-lhe que me sinto em casa. Logo após convidado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para este honroso posto de Ministro de Estado do governo popular e democrático de mudanças, foi esta Academia a primeira instituição que procurei, para aconselhar-me, para pedir diálogo e colaboração. E em seus quadros fui recolher meus principais colaboradores.Nada menos de 10 dirigentes do MCT são membros titulares da Academia Brasileira de Ciências.

Minhas senhoras, meus senhores, senhores e senhoras acadêmicos.

Peço licença para que minhas primeiras palavras sejam referidas à saga que domina minha gestão à Frente do Ministério da Ciência e Tecnologia: a necessidade de promover mudanças e as dificuldades, de toda ordem, interpostas a qualquer processo de mudança. Falo do nosso enfrentamento de todos os momentos, do dia a dia, do cotidiano, na atividade política e na atividade administrativa. Liderar mudanças é combater o Estado conservador, é ferir privilégios, travestidos de direitos. E nunca se trata de direitos populares. São sempre interesses dos donos do poder, em sociedade perversamente autoritária, Estado apropriado pelos interesses de suas elites, expropriadoras do público, donatárias do poder econômico.

Permitam-me um necessário registro de dor.

Porque não podemos, os combatentes da democracia, deixar de registrar, por lamentável oportunidade, a perda com que fomos atingidos com o silêncio de um dos mais notáveis intérpretes, não sei se diria da civilização brasileira, da história brasileira ou da tragédia brasileira. Refiro-me a Raymundo Faoro.

Aos que, pelas circunstâncias do tempo, foram poupados dos anos que minha geração teve de viver, e sofrer, eu diria que aprendemos a admirar Raymundo Faoro como uma espécie de cavalheiro andante da liberdade, percorrendo este País como louco e desatinado como são todos os revolucionários, aqueles que acreditam na utopia e forcejam por realizá-la. Sua utopia, nos anos de trevas, era a luz da liberdade, a redemocratização, a reconstitucionalização. Mas o permanente de sua obra será a revelação, desde as entranhas, do processo de apropriação do Estado pelas elites de sempre, da perversidade da elite brasileira, dona do poder. E foi para mudar esse processo de dominação e apropriação patrimonialista que a cidadania brasileira elegeu um homem do povo, operário metalúrgico a quem as circunstâncias negaram o direito à vida universitária, após lhe haverem imposto a migração, como alternativa para a sobrevivência.

Obedecendo a todas as regras constitucionais, no mais estrito e rigoroso respeito às regras do jogo, estamos implantando o processo de mudanças. Dificílimo, porque neste País qualquer mudança, não falo sequer em reforma,a mais insignificante, a mais irrelevante, atinge privilégios. São privilégios enraizados, que dominam a estrutura burocrática, que monopolizam as instituições do País. Porque a única mudança permitida é aquela sugerida pelo príncipe de Lampeduza: a mudança necessária para que tudo fique como está.

A resistência sobrevive mesmo na área acadêmica.

Quantas vezes nos julgamos donos da verdade, intérpretes dos interesses do País e, portanto, titulares de direitos que não são partilhados com o conjunto da sociedade? Mas, em regra, nosso discurso não tem correspondência em nossa prática. Movendo essa malha há algo mais resistente que as próprias estruturas. Todo dia e sistematicamente temos que repetir que a mudança é necessária, que a mudança é possível. Mas há uma força que domina e leva, mesmo o quadro de esquerda, a pensar de forma conservadora. Em determinados momentos parece que há uma força superior à força da concepção filosófica. Eu me refiro ao apelo corporativo que encontra na estrutura burocrática do Estado aliado extraordinário.

Faço essas observações para ressaltar que precisamos de apoio. As transformações, as mudanças necessárias não serão alcançadas se dependerem pura e exclusivamente do entendimento político-institucional. Essas mudanças dependem do pronunciamento, do apoio, da clareza da sociedade civil, da responsabilidade histórica da Universidade.

Quero sugerir a reflexão sobre nossa responsabilidade ética, pessoal e coletiva, diante do mundo e do País.

Às vezes nos esquecemos de que, neste país de desigualdades, só estamos aqui - a minoria que somos - graças à grande massa que permanece lá fora. São as grandes massas que estão financiando a Universidade brasileira. Hoje, os investimentos em educação, ciência e tecnologia são suportados pelo poder público em algo como 80%. E o poder público são os impostos pagos por aqueles que jamais entraram e entrarão em uma universidade e cujos filhos também jamais entrarão em uma universidade pública. Como esquecer que o Estado leva de 14 a 15 anos para formar um doutor? Que um doutor custa ao poder público algo como 250 mil dólares? Será que, depois de receber esse ensino, público, obtendo o direito ao aceso a informações, frequentando mestrado e doutorado e pós-doutorado, nós nos lembramos ainda de que estão lá fora e lá permanecerão aqueles que financiaram nossa formação? É a partir dessas reflexões que pensamos a ciência e a tecnologia da mudança. Queremos uma política de C&T a serviço do País.

Aproveito esta ocasião exemplar, em que tenho o privilégio de dirigir-me à sociedade científica brasileira no que ela tem de mais representativo, para expor-lhes as cinco mudanças que norteiam a atual administração do MCT.

A primeira de todas é a mudança ético-humanística.

Quero dizer que, para nós do governo do presidente Lula, a ciência e a tecnologia não são uma categoria per se, não se auto homologam, não se auto legitimam, mas se justificam, se legitimam quando podem responder a que vieram, a que e a quem servem, a que projeto de País, a que projeto de sociedade. Do nosso ponto de vista, C&T são o instrumento fundamental para a construção de uma nova sociedade, livre da concentração, da injustiça social e do autoritarismo. Sociedade na qual o orgulho de sermos os maiores exportadores de grãos do mundo não seja anulado pelo fato de o nosso Presidente ser obrigado a eleger como projeto síntese de seu governo, o combate à fome.

Poderíamos, nos perguntar: quantos de nós, na Academia, na Universidade, nos institutos, vêm pensando a fome como problema brasileiro? Quantos de nós já pararam para pensar qual é a contribuição de cada um (cientistas, professores, pesquisadores, pensadores, filósofos e instituições) para a questão da fome no País, estudando, pesquisando e construindo alternativas?

A segunda mudança, decorrente desta visão ética, humanística, da ciência e da tecnologia, é a transformação do projeto de exclusão no projeto de inclusão.

A exclusão neste País atingiu parâmetros tais que ninguém mais pode pensar que seja obra do acaso ou das circunstâncias. Ela deriva do projeto de sociedade de nossas elites, apartadas da história do povo, dos interesses da nação. Elites que podem viver muito bem, ainda que o País vá mal.

A exclusão percorre todos os aspectos da vida nacional: exclusão social e econômica, exclusão da renda, do emprego, da saúde, da cidadania. E agora começamos a construir a pior delas, a mais perversa, porque alimentadora de todas as demais: a exclusão da informação, matéria-prima do conhecimento, o mais importante fator de produção da economia do terceiro milênio.

A terceira mudança é a desconcentração.

"A desigualdade econômica, quando alcança certo ponto, se institucionaliza".

Leio texto de junho de 1959, escrito por Celso Furtado. Acrescenta o mestre:

"Tal fato, que observamos nas sociedades humanas - a tendência das desigualdades a formar classes - também pode ocorrer entre as regiões do mesmo país. E quando um fenômeno dessa ordem obtém sanção institucional, uma reversão espontânea é praticamente impossível. Além disso, como os grupos economicamente mais poderosos são os que detêm o comando da política, a reversão mediante a atuação dos órgãos políticos também se torna extremamente difícil."

Conclui Celso Furtado:

"Se tal fenômeno vier a ocorrer no Brasil, país de grande extensão geográfica, a formação de grupos regionais antagônicos poderá ameaçar a maior conquista de nosso passado: a unidade nacional".

A formulação desses juízos, lamentavelmente quase proféticos, estava referida às disparidades entre os níveis de desenvolvimento do Centro-Sul e do Nordeste brasileiros. Na época, os valores numéricos dessas disparidades indicavam que a participação do Nordeste na formação do produto bruto da nossa economia fôra de 30% em 1939, mas se reduzira a 11% nos vinte anos seguintes.

Passados mais de 40 anos, as desigualdades sociais e regionais brasileiras alteraram-se em alguns aspectos quanto à forma, mas até se aprofundaram quanto à essência.

É insustentável, para o futuro do pacto federativo, a manutenção da atual distância entre o desenvolvimento do Sudeste e o do resto do País, fosso que tenderá ao alargamento se permitirmos o aprofundamento do apartheid tecnológico. E este será o último dos apartheids, tornando impossível, no horizonte de nossas gerações, a recomposição do País. O desafio é, ao tempo em que devemos garantir a imprescindível continuidade do desenvolvimento dos atuais centros de excelência, promover o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas.

A quarta mudança é pensar o Brasil de hoje.

Cabe-nos a árdua tarefa de, a um só tempo, promover o desenvolvimento científico e o desenvolvimento tecnológico, e ensejar a mais rápida introdução das inovações ao processo produtivo. Esta é tarefa de urgência. Porque aquele fosso antes denunciado, que está separando o Sudeste do restante do País, é a reprodução fractal do fosso que está separando nossos países do chamado primeiro mundo. Ou reunimos todas as nossas forças neste investimento - e nos cabe cobrar permanentemente a participação do empresariado privado e da Universidade de um modo geral - ou, nós que já perdemos a revolução comercial e a revolução industrial, estaremos assumindo, por desídia coletiva, o papel de eternos coadjuvantes, de eternos reprodutores, realizando a sina, a má sina, de país reflexo, com ciência reflexa, tecnologia dependente.

E a quinta mudança é realmente pensar o futuro.

Enquanto trabalhamos para assegurar o desenvolvimento do país, temos que pensar lá na frente, do contrário estaremos uma vez mais aceitando o papel de correntes de transmissão das linhas de pensamento, de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico ditadas pelo primeiro mundo.

Precisamos saber hoje, que profissional, que doutor, que mestre, de que professor precisaremos daqui a 14, 15 anos. Cumpre-nos pensar hoje o que será o genoma dos anos 20 anos, o que será a nanotecnologia dos anos 20, para começarmos a formar, hoje, aquele profissional capaz de responder a estes desafios. Precisamos começar a formar, a partir de agora, aquele profissional capaz de enfrentar os desafios do Estado, da sociedade que queremos daqui a 20 anos.

Mudar é possível.

Como instrumento de indução ao reequilibro inter-regional dos investimentos em C&T, a implantação dos novos centros de pesquisa dependentes de recursos da União, sempre considerando o prêmio à excelência, já obedece a critérios de desconcentração da Ciência e Tecnologia: o Centro de Biotecnologia da Amazônia em Manaus; o Instituto Internacional de Neurociências, em Natal; o Centro de Ciências Nucleares, em Recife, ampliado para exercer o papel de pólo de desenvolvimento científico do Nordeste, em rede com as demais instituições da Região..

Um Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada - CEITEC está sendo instalado em Porto Alegre, enquanto se discute com a Universidade Federal do Ceará a possível implantação de um Centro de Farmacologia em Fortaleza, em rede com o Lika (Laboratório de Imuno-patologia Keizo Asami), do Recife. O Instituto Nacional de Pesquisas do Semi-árido será instalado ainda este ano.

Para o Presidente Lula, ciência é recursos humanos, recursos humanos e mais recursos humanos. Estamos estruturando o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, habilitando-o a desempenhar seu grande papel de formulador, e, em muitos casos, também executor, das grandes diretrizes para a atividade científica em todas as áreas e em todos os ministérios. A definição das grandes linhas de ação do MCT, porém, resultará da ampla participação da comunidade científica. O Plano Plurianual para 2004 e 2007 vem recebendo contribuições as mais significativas. Agradeço o empenho com que esta Academia Brasileira de Ciências vem discutindo nossas propostas.

Mantemos intenso diálogo com os governadores dos Estados, com as secretarias estaduais de C&T e com as Fundações de Amparo à Pesquisa, com o objetivo de atuarmos de forma cooperativa, induzindo os estados a participar de forma a mais efetiva do esforço de ampliação dos investimentos em C&T.

O mesmo movimento está sendo feito em relação a inumeráveis municípios. Vários programas e editais serão lançados nos próximos meses como resultado deste esforço de cooperação, envolvendo por parte do MCT recursos, para os próximos três anos, da ordem de R$ 140 milhões e que exigirão um acréscimo de no mínimo 50 % por parte das FAPs.

O apoio à pesquisa básica em todas as áreas do conhecimento é prioridade do governo do Presidente Lula. E repitamos mil vezes: rejeitamos a disjuntiva, pesquisa básica versus pesquisa aplicada. Há ciência, e tão-só ciência. Neste sentido, podemos hoje afirmar que, com os recursos descontingenciados na semana passada, o CNPq executará, pela primeira vez em muitos anos, o seu orçamento integral, que será de cerca de R$ 600 milhões. Ampliamos em cerca de 10 % todas as modalidades de bolsas do CNPq. Introduzimos novos programas.

Destaco inicialmente o retorno às taxas de bancada para os 6.400 bolsistas de doutorado do CNPq. Todos estes alunos estão recebendo, a partir deste mês, o equivalente a um terço de sua bolsa, para auxiliar no desenvolvimento do seu projeto de pesquisa. Este programa terá ainda o mérito de fazer com que desde cedo nossos pós-graduandos aprendam a administrar recursos, a tomar conhecimento do custos dos reagentes e as dificuldades em obtê-los.

Voltamos a contar com as taxas escolares, suspensas pelo CNPq em março de 2002, para os cursos de pós-graduação de boa qualidade mantidos por instituições privadas e que não cobram mensalidades de seus alunos de pós-graduação. Quero destacar ainda a introdução da bolsa prêmio, que concede recursos mensais de mil e trezentos reais para o auxílio à manutenção dos laboratórios onde trabalham os 1.040 pesquisadores de nível 1A do CNPq. Graças à compreensão que o governo tem tido com a área de C&T e a política que estamos executando, de priorizar todas as ações que levem a que os recursos cheguem aos grupos de pesquisa, estamos, neste momento, autorizando o CNPq a implementar, imediatamente, programa semelhante para os 870 pesquisadores de nível 1B.

Cabe ressaltar que apenas com estes programas o CNPq estará liberando para os grupos de pesquisa mais recursos dos que os previstos no edital universal. Prosseguiremos nesta política fazendo com que nos próximos anos todos os pesquisadores e alunos de pós-graduação vinculados ao CNPq contem com recursos mínimos para manutenção de suas atividades básicas. O CNPq já saldou todas as dívidas do governo passado, inclusive antecipando as liberações referentes à última parcela do Programa de Núcleos de Excelência (PRONEX) de 2003.

Já autorizamos o CNPq, desta vez em cooperação com as Fundações de Amparo à Pesquisa dos estados, a lançar novo edital do PRONEX, assegurando recursos da ordem de R$ 75 milhões que se somarão a outros R$ 75 milhões a serem alocados pelas FAPs, nos próximos três anos. O CNPq já dispõe das condições para liberação imediata dos recursos do edital universal, aguardando apenas o resultado do seu julgamento pelos comitês assessores.

Não poderia deixar de mencionar o novo programa de Iniciação Científica Junior, que conta com 3.000 bolsas para permitir estágios nos melhores laboratórios de pesquisa para alunos do nível médio das nossas escolas públicas. É o incentivo ao despertar da vocação científica dos nossos jovens.

A FINEP vive uma reforma estrutural necessária para que possa voltar a desempenhar seu importante papel no apoio às instituições de pesquisa. Seu insubstituível papel de apoio ao desenvolvimento e à inovação tecnológica será reforçado.

Foi necessário priorizar sua recapitalização, uma vez que a encontramos afetada seriamente nos últimos 10 anos por operações desastrosas. Estamos negociando um aporte de R$ 80 milhões, para capital de giro, proveniente do BNDES, e um empréstimo de R$ 200 milhões a ser tomado ao Fundo de Assistência ao Trabalhador - FAT.

Nos últimos 5 meses procedemos à reavaliação dos fundos setoriais, cuja importância é reconhecida por todos. Constituímos Grupo de Trabalho, que contou com a participação dos gestores do MCT, de membros da comunidade acadêmica, inclusive da representação desta Academia, de representantes do setor empresarial e dos trabalhadores, que analisou o funcionamento dos fundos e apresentou importante relatório contendo uma série de sugestões, as quais, adotadas, tornarão os fundos setoriais mais efetivos no apoio à atividade científica e tecnológica e à inovação.

Enquanto essa comissão realizava seu trabalho, o MCT e a FINEP analisaram a situação financeira de cada fundo. É importante que todos saibam que, para o corrente ano, contamos com recursos de cerca de R$ 660 milhões. No entanto, somente as dívidas que herdamos, boa parte resultante do não pagamento de projetos em 2002, é da ordem de R$ 454 milhões. Restam pois cerca de R$ 206 milhões para novas aplicações no corrente ano.

Os comitês gestores já estão se reunindo, e tenho o prazer de comunicar que o comitê gestor do fundo de infra-estrutura, reunido no último dia 3, em Brasília, decidiu abrir uma série de editais para apoio à infra-estrutura para jovens doutores, para a manutenção de equipamentos de grande porte, para a ampliação do portal CAPES e do programa de educação à distância do MEC, entre outros, destinando recursos da ordem de R$ 30 milhões para liberação integral ainda no corrente ano. Enquanto isto, a FINEP vem trabalhando intensamente no sentido de honrar as dívidas do passado. Recursos de cerca de cerca de 200 milhões foram empenhados nestes 5 meses do novo governo.

Permitam-me destacar nossa firme defesa do papel da Universidade, relevante e insubstituível, de zelar pelo avanço da ciência, sem compromissos imediatistas. Cabe aos centros de pesquisa e desenvolvimento das empresas a responsabilidade maior pela inovação tecnológica.

Estas afirmativas, no entanto, não impedem que determinados setores da universidade façam inovação tecnológica ou que os centros de desenvolvimento das empresas façam pesquisa fundamental. Criaremos mecanismos que permitam às empresas brasileiras se engajarem de forma mais intensa com a inovação tecnológica, criar seus centros de pesquisa e desenvolvimento e reforçar seus quadros com os doutores que estamos formando em número crescente.

A nova política do governo do Presidente Lula contempla uma determinação vigorosa no sentido de dessacralização da C&T, mediante a implantação de mecanismos de difusão de informação, para que, no futuro próximo, a cada mudança significativa do paradigma tecnológico, cada cidadão comum tome conhecimento da influência que essa mudança terá sobre sua vida.

Para fins de realização de um dos braços dessa política, já temos formulado - em parceria com os governos estaduais -, um projeto de capacitação laboratorial de escolas públicas de nível médio, para que a juventude não só ganhe intimidade com o instrumental tecnológico, quanto ofereça a massa de talentos em meio à qual serão identificadas as novas vocações para a pesquisa.

As perspectivas de desenvolvimento nacional a longo prazo exigem a presença do Brasil na nova fronteira universal - o espaço - aberta à humanidade na segunda metade do século passado. Deste modo, a busca da autonomia do Brasil no setor espacial é objetivo nacional. O ciclo completo da tecnologia aeroespacial brasileira envolve o desenvolvimento de satélites, a fabricação de veículos lançadores, a manutenção e operação de bases de lançamento - a começar e destacadamente pela consolidação da Base de Alcântara, inclusive com prestação de serviços de lançamento em caráter comercial, respaldados em acordos de salvaguarda.

Não podemos deixar em segundo plano a área nuclear. Reafirmando nossas convicções do uso pacífico da área nuclear, incentivamos o domínio do ciclo do combustível, fundamental para nossa autonomia energética, bem como a produção de radionuclídeos tão importantes na medicina, na agricultura e na indústria.

Todas essas linhas de atuação contemplam, na verdade, metas bem menos ambiciosas do que aparentam ter, mas necessitam de mecanismos de financiamento adequados aos objetivos.

Entretanto, as restrições de financiamento talvez não sejam os obstáculos maiores às mudanças favorecedoras do desenvolvimento científico e tecnológico do País.

A resistência à mudança, interposta por alguns agentes da própria comunidade científica - acomodados ao statu quo e beneficiários do modelo de desenvolvimento excludente, sob o qual formaram seus valores - impõe aos gestores da política de C&T um desperdício de tempo e energia tão grande que chega a inviabilizar políticas públicas e prejudicar substancialmente a população cliente das ações de C&T, que necessita e poderia melhor beneficiar-se do desempenho fluente desses gestores.

Finalmente, senhoras e senhores acadêmicos, desejo registrar que a administração da Política Nacional de Ciência e Tecnologia espera desta Academia e das mulheres e dos homens que a integram, o apoio que puderem propiciar a esta espécie de cruzada nacional, que é fazer deste País, com apoio no seu patrimônio de conhecimento e na capacidade de realização do seu povo, uma sociedade soberana e justa. Abro-me ao diálogo com a Academia, e dela espero sugestões e a vigilância crítica.

Quero, em nome de sua excelência o senhor Presidente da República, e em meu próprio, e em nome de todos os meus colaboradores, parabenizar um a um os novos acadêmicos. O ingresso nesta Academia representa a colheita do maior trofeu a que pode aspirar um cientista: o reconhecimento dos seus pares pela contribuição dada às diferentes áreas do conhecimento.

Presidente Eduardo Krieger, professor Celso Furtado e demais acadêmicos hoje empossados, minhas senhoras, meus senhores.

Encerrando, formulo mais um apelo, aquele que me é mais grato. Encerro apelando para que todos nos comprometamos em promover uma grande discussão em nosso País em torno da necessidade da mudança. A mudança necessária não decorrerá pura e simplesmente de ato de poder. Ela depende da construção de um projeto nacional, nossa mais dramática carência. Carência cuja persistência poderá ser fatal aos nossos sonhos de futuro. Clamo por num projeto de nação construído pela nação, resultante do debate de toda a sociedade, que nos guie para além da sociedade política, para além dos limites do Estados, para além dos limites dos mandatos, mas que nos governe a todos, nos oriente a todos, governantes, empresários, cientistas, trabalhadores, para que nós, o povo brasileiro, estejamos unidos, para além de nossas eventuais divergências políticas, partidárias e mesmo filosóficas, em torno de um projeto nacional que encerre nossos sonhos, que revele o que queremos, que sociedade queremos para a civilização brasileira, e, acima de tudo significa um pacto, nosso compromisso, pela realização do sonho.

Muito obrigado pela honra de me haverem ouvido.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2003 - Página 16807