Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas a falta de critérios no controle de medicamentos no país.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Críticas a falta de critérios no controle de medicamentos no país.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2003 - Página 16841
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, ALTERAÇÃO, FORMULA, MEDICAMENTOS, LABORATORIO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RESPONSABILIDADE, PRODUÇÃO, PRODUTO FARMACEUTICO, ANTERIORIDADE, UTILIZAÇÃO, EXAME, RAIOS X.
  • ADVERTENCIA, EFEITO, ALTERAÇÃO, MEDICAMENTOS, POSSIBILIDADE, PROVOCAÇÃO, MORTE, USUARIO, AGRAVAÇÃO, SAUDE, AMEAÇA, VIDA HUMANA.
  • REGISTRO, EMPENHO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PRESIDENTE, AGENCIA NACIONAL, VIGILANCIA SANITARIA, APURAÇÃO, ALTERAÇÃO, MEDICAMENTOS, PUNIÇÃO, LABORATORIO, RESPONSAVEL, PREJUIZO, SAUDE, MORTE, USUARIO.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou, na última sexta-feira, após criterioso exame de amostras, que o lote 30400068, do medicamento Celobar, suspeito de ter causado a morte dolorosa de 22 pessoas no Brasil e de ter contaminado gravemente cerca de 60 pessoas que também tomaram o contraste, estava alterado em sua composição e não podia ter sido colocado no mercado pelo fabricante, o Laboratório Enila, sediado no Rio de Janeiro.

Produzido no último dia 16 de abril e usado para destacar determinados órgãos em exames radiológicos, o referido lote sob suspeita acusou elevada presença, em torno de 14%, de sais de bário tóxicos, entre eles o carbonato, substância utilizada para a fabricação de veneno contra ratos. De acordo com os especialistas laboratoriais, para a droga apresentar total segurança ao consumo, o correto seria que na sua composição estivesse presente apenas o sulfato de bário.

Na opinião da Fiocruz, o resultado do exame indica que o uso excessivo do carbonato não foi acidental, pois o índice aceitável para a hipótese de contaminação residual seria de 1% a 2%, no máximo.

Por outro lado, de acordo com as exigências da farmacopéia americana, que são inclusive seguidas no Brasil, qualquer medicamento que apresente contaminação superior a 0,001%, não pode ser vendido.

Apenas para termos um conhecimento superficial sobre os efeitos danosos desses componentes químicos no organismo humano, no caso de adulteração da fórmula ou ingestão de doses acima das medidas recomendadas, as conseqüências são devastadoras, como veremos a seguir.

No caso do sulfato de bário, por exemplo, dos males o menor. Suas moléculas são grandes e por isso não são absorvidas pelo intestino. A substância é ingerida em forma líquida, preenche os órgãos do aparelho digestivo e permite que as imagens do raio-X sejam mais precisas. A dosagem é medida de acordo com o peso do paciente. Normalmente, o recomendado é a ingestão de 200 ml a 375 ml, o que corresponde mais ou menos a um copo comum de contraste diluído em soro glicosado. Algumas horas após o exame, o sulfato de bário é totalmente eliminado do organismo junto com as fezes. Acima dessas medidas, logicamente, as conseqüências são imprevisíveis.

Já no caso do carbonato de bário, as reações orgânicas são bem diferentes. É importante destacar que o carbonato de bário é tóxico no organismo humano, porque se mistura ao ácido clorídrico do estômago, que ajuda a fazer a digestão dos alimentos. Aliás, a mistura dos dois origina o cloreto de bário, que é uma substância altamente nociva e letal. Apenas para termos uma idéia de sua força mortal, depois de cerca de três horas da ingestão, aparecem os primeiros sintomas de envenenamento. Os sinais são: excesso de salivação, vômitos constantes, cólicas, diarréia, convulsão, tremores, arritmia cardíaca, aumento da pressão arterial, hemorragias internas do intestino e do fígado, paralisia muscular e, por fim, morte dolorosa depois de muita dor e agonia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a tragédia provocada pela adulteração na fabricação criminosa do contraste Celobar me faz lembrar outros crimes ignominiosos que, infelizmente, não podemos esquecer e que ceifaram a vida de centenas de pessoas.

Quem não se lembra, por exemplo, do caso da Talidomida, medicamento indicado para conter enjôos de mulheres grávidas? Pois bem, no início dos anos 60, ele acabou provocando o nascimento de mais de dez mil crianças deformadas no mundo. No entanto, ainda hoje, continua sendo largamente utilizado no tratamento de cânceres, Aids e hanseníase.

Quem não se lembra do famoso caso Microvlar? O medicamento, distribuído às farmácias em 1998, era, na verdade, um lote de placebo para testes do anticoncepcional, um lote de farinha que não servia para nada e que provocou gravidez indesejada em dezenas de mulheres?

Quem não se lembra do descaso na fabricação do remédio Androcur, indicado para o tratamento de portadores de câncer de próstata? Em 1997, o lote 351 foi colocado no mercado sem o princípio ativo e provocou a morte de vários portadores da doença.

Para fechar, por enquanto, o ciclo do desrespeito à vida e à saúde das pessoas, que sempre se repete em nosso País, vale registrar que, em plena investigação sobre o rumoroso caso Celobar, cujas conclusões ainda não são definitivas, eis que surge um novo escândalo, mais uma vez, no Rio de Janeiro.

Dois colírios fabricados pelos laboratórios Lenssurgical Oftalmologia e Oftvision, situados no Rio de Janeiro, estão na mira da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), suspeitos de terem causado cegueira em pelo menos 13 pacientes de catarata, até agora. Segundo o noticiário, as vítimas entraram nas salas de cirurgia com a expectativa de, em cerca de uma hora, voltarem para casa com a visão perfeita. Lamentavelmente, 48 horas se passaram e 13 pacientes estavam cegos. Segundo as primeiras opiniões dos especialistas, os prováveis causadores dessa mais nova tragédia são os produtos chamados Methyl Lens Hypac 2%, do laboratório Lenssurgical Oftalmologia, e o Oftvisc, do laboratório Oftvision. Os dois medicamentos contêm metilcelulose, uma substância viscosa usada para proteger os olhos das pessoas após cirurgia. A suspeita é que os colírios estão contaminados por bactérias. Diante dessa lamentável ocorrência, a Anvisa já advertiu que, caso seja constatada a presença desses organismos nos medicamentos citados, os hospitais também serão responsabilizados.

Eminentes Senadoras e Senadores, certamente, esses dois escândalos vergonhosos já fazem parte das preocupações do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva; do Ministro da Saúde, Doutor Humberto Costa; e do Presidente da Anvisa, Doutor Cláudio Maierovitch. Aliás, no fim da semana passada, o Ministro da Saúde pediu ao Presidente da Anvisa pressa na elaboração de um relatório detalhado sobre a situação dos laboratórios envolvidos na fabricação desses dois colírios. Segundo fontes do Ministério da Saúde e da própria Anvisa, até o fim desta semana, o Ministro Humberto Costa deverá pronunciar-se sobre o assunto.

Com respeito às investigações sobre o caso Celobar, justiça seja feita, tanto o Ministro Humberto Costa como o Presidente da Anvisa estão totalmente empenhados em apurar as responsabilidades até as últimas conseqüências, doa a quem doer.

Nesse sentido, o Ministro Humberto Costa foi enfático e afirmou que o registro do laboratório Enila, fabricante do contraste Celobar, poderá ser cancelado, caso fique realmente comprovada a substituição irregular dos componentes da fórmula do medicamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar da indignação das famílias que perderam os seus entes queridos por causa de um descaso dos mais absurdos, e da nossa revolta como cidadãos, devemos continuar acreditando em um Brasil mais justo, mais digno e mais solidário, e na fiscalização exercida pela Anvisa sobre esses laboratórios mercenários. Infelizmente, sabemos que o Estado, diante das forças mais obscuras e venais que atuam no mercado, não tem condições de eliminar em 100% essas tristes ocorrências. Entretanto, o poder público e as autoridades constituídas têm a seu favor os mecanismos legais e a obrigação de apurar até as últimas conseqüências as responsabilidades desses atos criminosos e, se comprovados, punir os culpados de forma exemplar.

Na realidade, é isso que a sociedade e as famílias enlutadas esperam dos seus governantes, da justiça, da polícia, enfim, das instituições. Se isso não for feito, como diz o velho ditado, mais dia menos dia, correremos o risco de ver a ordem transformar-se no império da anarquia e da impunidade.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2003 - Página 16841