Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise sobre a proposta de reforma tributária encaminhada ao Congresso Nacional. (como Lider)

Autor
João Batista Motta (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: João Baptista da Motta
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Análise sobre a proposta de reforma tributária encaminhada ao Congresso Nacional. (como Lider)
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2003 - Página 16910
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • ANALISE, INSUFICIENCIA, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, ENCAMINHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, SIMPLIFICAÇÃO, RACIONALIZAÇÃO, SISTEMA TRIBUTARIO NACIONAL, AUSENCIA, INCENTIVO, ECONOMIA, PRODUÇÃO, INVESTIMENTO, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, PROPOSTA, REFORMA TRIBUTARIA, ESPECIFICAÇÃO, NORMAS, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS).

O SR. JOÃO BATISTA MOTTA (PPS - ES. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, parabenizo o Senador do PT pelo trabalho aglutinatório que realizou aqui esta tarde. A partir desta sessão, alguns dos problemas mais graves do País podem ser resolvidos. E que o Santos seja campeão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil está vivenciando, nestes dias, um amplo debate em praticamente todos os setores da sociedade a respeito das imprescindíveis e inadiáveis reformas em torno de diferentes aspectos da vida nacional. Aplausos e louvores ao Governo de Luiz Inácio Lula da Silva por revelar interesse em mudar alguns dos mais complexos obstáculos ao desenvolvimento brasileiro e pela recente iniciativa de encaminhar à apreciação do Congresso projetos de emenda constitucional sobre as reformas da Previdência e tributária.

A Direção nacional do Partido Popular Socialista, que, com orgulho, representamos nesta Casa, em resolução aprovada no início do mês passado, disse do empenho das suas principais Lideranças e dos seus quadros, em todos os níveis, no sentido de, firme e decididamente, apoiar a administração Lula, mas sem jamais declinar da sua autonomia em manifestar-se criticamente sobre o que lhe parecer oportuno e conveniente.

Nossa intenção, neste discurso, é oferecer nossa contribuição ao debate que se vem travando de uma ponta a outra do País a respeito da Reforma Tributária, na tentativa de encontrarmos as melhores propostas para questão tão delicada e tão decisiva para nosso futuro imediato e de longo prazo. E o faço escorado em diálogo que travei com o Dr. Guido Côrtes, um dos maiores tributaristas do Espírito Santo e do Brasil, no qual identifiquei convergência de idéias, posteriormente confirmada em nota que me foi enviada - a qual peço seja transcrita nos Anais do Senado Federal, como parte integrante deste pronunciamento.

Para começar nossa apreciação, partamos da Exposição de Motivos, que acompanhou a proposição encaminhada pelo Palácio do Planalto para constatar que, no essencial, ela expressa a plataforma apresentada na campanha eleitoral, nos seguintes termos:

O tema Reforma Tributária tem sido recorrente nos debates nacionais, do ponto de vista do plano político, econômico ou social brasileiro, sem, entretanto, lograr-se êxito na efetivação das mudanças almejadas para a simplificação e a racionalização do Sistema Tributário Nacional.

Todavia, está claro que o Brasil necessita dessa reforma estrutural para elevação de sua eficiência econômica, estimulando a produção, o investimento produtivo e a geração de emprego e renda.

Não obstante a fundamentação supra, ouso afirmar, Srªs e Srs. Senadores, que a proposta enviada ao Congresso não será, nem de longe, capaz de gerar a necessária simplificação e racionalização do sistema tributário nacional. Não elevará a eficiência econômica brasileira e, por conseguinte, não permitirá estimular a produção, o investimento produtivo e a geração de emprego e renda. Enfim, não possibilitará a tão almejada inclusão socioeconômica de milhões brasileiros que hoje se encontram marginalizados.

Várias são as premissas que me fazem chegar a esta conclusão! Mas a decisiva é que a proposta é tímida para o atual estágio da economia brasileira. A análise do conteúdo da proposta indica que, na prática, a principal mudança de conteúdo se dá no âmbito dos Estados, no ICMS.

No que tange aos tributos federais, propõe-se que o Imposto Sobre Grandes Fortunas seja instituído por lei ordinária e não por lei complementar. Penso que essa mudança não será determinante para a criação do tributo. Na verdade, o Senado Federal há muito aprovou - e o fez no curto prazo de cinco meses - o Projeto de Lei Complementar do Senado nº 162/89, de autoria do então Senador, Fernando Henrique Cardoso, o qual se encontra na Câmara dos Deputados - PLP nº 202/89.

Por seu turno, a transposição do ITR da União para os Estados é positiva, não sob o ponto de vista da arrecadação, mas por facilitar a fiscalização. Entretanto, parece-nos padecer de inconstitucionalidade a vedação de os Estados legislarem sobre a matéria, medida que, na prática, elimina a possibilidade de avaliação real da terra.

Quanto à CPMF, ao torná-la fonte permanente de recursos para financiar a seguridade social, com alíquota variável entre 0,08% e 0,38%, com autorização genérica de redução ou majoração pelo Poder Executivo, dentro da bitola constitucional, pretende-se conferir àquela contribuição, além da finalidade fiscal, a sua conversão em instrumento de intervenção econômica.

A despeito dessa finalidade acessória, por certo jamais a União abrirá mão da arrecadação decorrente dessa contribuição. Nesse passo, sendo uma agregação de fonte de recurso destinada ao financiamento da seguridade social e reconhecido o déficit de todos os entes federados nessa área, seria importante estabelecer critério de repartição dos recursos com os Estados e Municípios que, segundo consta, estão com situação muito mais crítica nesta área do que a própria União. Não se diga que isso acontecerá via SUS, porque tal não se verifica na prática.

No que concerne aos impostos estaduais, a PEC retira competência privativa do Senado para a fixação das alíquotas máximas, transferindo-a para a Lei Complementar e determina a progressividade do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Bens e Direitos.

Não vejo eficácia na medida. O Constituinte originário, em diversas passagens relativas à fixação de alíquotas pelos Estados, atribuiu ao Senado Federal - representação da Federação - a determinação de limites, conferindo maior legitimidade e agilidade às decisões que adota com foco no equilíbrio federativo.

Em relação ao ICMS, a alteração proposta é substancial e tem como objetivo declarado a eliminação da denominada “Guerra Fiscal”. Ocorre que esse desiderato está contemplado no §6º do art. 150, que sujeita, em todo caso, à prévia aprovação do ato pelo Confaz, sem falar na limitação estabelecida no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, como bem lembra o Dr. Guido Côrtes em sua nota.

A despeito de ser necessário impor alguma uniformidade ao ICMS, penso que o Poder Executivo errou na dose ao estabelecer a obrigatoriedade de alíquotas únicas e uniformes em todo o território nacional por produto, mercadoria e serviço. Melhor teria sido a determinação de cinco faixas de alíquotas, para que cada Estado, dentro da autonomia constitucional e considerada a sua peculiar situação, pudesse fixar aquela que melhor atenda à política fiscal e de desenvolvimento dentro da bitola preestabelecida, visto que a diversidade de situações socioeconômicas desautoriza o tratamento uniforme, rígido, que se pretende dar ao ICMS, notadamente pelo fato de constituir a principal fonte de receita dos Estados-membros.

A propalada simplificação - unificação - com certeza empurrará para cima as alíquotas, promovendo aumento da carga tributária que já se encontra em patamares estratosféricos para o padrão de renda nacional. É sabido que a carga tributária nacional, de 36,4% do PIB, superior à dos Estados Unidos (29% do PIB) e a do Canadá (31% do PIB), com crescimento em ritmo maior do que o da renda nacional, denota verdadeira espoliação dos setores produtivos e dos assalariados. Associada às elevadas taxas de juros praticadas, impede novos investimentos e o desenvolvimento nacional. Em outras palavras, condena o País à estagnação.

Diante, outrossim, da diversidade da relação entre a receita corrente líquida de cada ente da Federação e a respectiva dívida, há que se perguntar: assumirá a União a responsabilidade pela manutenção do equilíbrio orçamentário e financeiro das unidades da Federação? Com certeza, os Estados e os Municípios debitarão à União a fatura por eventuais desequilíbrios. É isso o que queremos?

Ainda no item ICMS, há predeterminação constitucional de os gêneros alimentícios “de primeira necessidade” serem tributados mediante a alíquota mínima. Entendo que o justo seria a imunidade tributária dos gêneros alimentícios e do vestuário para os de baixa renda. Vou repetir, Sr. Presidente: entendo que o justo seria a imunidade tributária dos gêneros alimentícios e do vestuário para os de baixa renda, pois não é crível que o rico povo americano possa consumir carne brasileira isenta de tributo, enquanto que o pobre brasileiro deixe de comer carne porque o tributo - exclusivamente para o consumidor interno - a torna inacessível para a sua renda. Esse raciocínio vale para alimentos e outros gêneros de primeira necessidade. Esta é, sem dúvida, uma iniqüidade com a população brasileira, sobretudo para os mais pobres, visto que estes gastam quase toda a sua renda com esses produtos. A imunidade, nesses casos, possibilitaria aos pequenos produtores e aos desempregados produzirem e comercializarem seus produtos sem necessidade de passar pelas Juntas Comerciais e tantos outros órgãos que dificultam seu trabalho ou os impedem de trabalhar.

Outro ponto sensível das alterações propostas está na constitucionalização da desoneração das exportações, sem a contrapartida da compensação aos Estados exportadores, agravada pelo direito ao aproveitamento ou à manutenção do montante do imposto cobrado nas operações ou prestações anteriores, que geram créditos absurdos contra o Estado exportador, sem a contrapartida da arrecadação da arrecadação tributária, que é efetuada no Estado onde ocorreu a operação anterior.

Ora, é evidente que os créditos decorrentes da desoneração das exportações sejam lançados contra o Estado que efetivamente arrecadou o tributo, sob pena de sangria dos cofres públicos do Estado exportador, pois este passará a “pagar para exportar”.

Quanto aos tributos municipais, ressalta-se a possibilidade do ITBI progressivo, de acordo com o valor do imóvel e da adoção de alíquotas diferenciadas pela localização e uso do imóvel, que também implicará aumento da carga tributária. A alteração é aceitável somente pela ótica da adequação dessa exação à capacidade contributiva do agente passivo da obrigação tributária e por sua utilização como forma coercitiva da implantação da política urbana.

No que tange à repartição das receitas tributárias, a desconstitucionalização do critério de rateio da participação dos Municípios no produto da arrecadação do ICMS, remetendo-o à lei complementar, sem sequer fixar parâmetros mínimos a serem observados, como “parte mediante o valor adicionado e parte mediante critério estabelecido pelas Assembléias Legislativa de cada Estado”, poderá gerar imensas e intermináveis discussões no Congresso sobre as multifárias fórmulas possíveis, em prejuízo da instituição do novo ICMS, via emperramento do processo legislativo.

Já a destinação de mais 2% do produto da arrecadação do IPI e Imposto de Renda para um Fundo de Desenvolvimento Regional é medida salutar no financiamento de programas que minimizem a desigualdade regional, notadamente os destinados a bolsões de pobreza encontrados em todos os Estados brasileiros, sem exceção.

Por derradeiro, a prorrogação da desvinculação das receitas da União até o exercício financeiro de 2007 - medida que se iniciou com o então Fundo Social de Emergência, ainda no Governo Itamar Franco, e que se dizia provisório - passa a abranger também os recursos da Cide.

Todavia, a desvinculação dos recursos da Cide não é possível. O art. 149 da Constituição permite “exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. Portanto, por definição, a liberdade pretendida pelo Governo não se coaduna com a natureza da contribuição. Especialmente na hipótese da Cide dos combustíveis, cuja destinação é constitucional - art. 177, § 4º, II. Aliás, ainda que assim não fosse, as péssimas condições das estradas não recomendariam a utilização desses recursos para outras áreas, pois têm reflexos diretos na redução do custo Brasil.

Pressupor que a simplificação tributária desejada pela sociedade decorre exclusivamente das normas dos Estados e do Distrito Federal sobre o ICMS, com pinceladas aqui e alhures em outros temas, é ignorar a realidade a que são submetidos os contribuintes pátrios, por meio de uma infinidade de obrigações tributárias principais e acessórias, dos custos com controle e livros impostos às empresas legalmente constituídas e outros que empurram para a informalidade os empreendedores.

Destarte, o que se vê é a usurpação de competência legislativa dos Estados no que tange ao ICMS, com evidente vulneração da autonomia desses entes federados e, conseqüentemente, do art. 18 da Constituição.

Com efeito, determinar que “a lei estadual se limitará a instituir o imposto”, no caso do ICMS, é “vedar a adoção de norma autônoma estadual” no ITR, excede o limite do Poder Constituinte Derivado, por afetar o equilíbrio federativo - art. 60, § 4º -, visto que concentra na esfera federal o poder normativo para tratar desses tributos estaduais.

Esses vícios não importam a inconstitucionalidade absoluta da matéria, pois podem ser corrigidos mediante emendas que, espero, sejam estruturadas na Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tal como a Direção Nacional do PPS, creio que a equipe que elaborou a PEC nº 41 não compreendeu a necessidade estratégica de, por meio da reforma tributária, se criar condições efetivas para a construção de poupança interna, pública e privada, sem o que não nos libertaremos das peias externas e não retomaremos o caminho do desenvolvimento social e econômico. E sem este não avançaremos na superação de nossas abissais desigualdades sociais e regionais.

Sem ignorar algumas inovações importantes, o certo é que o Projeto de Reforma Tributária não ataca a complexidade do sistema nem redistribui melhor a carga tributária, incentivando o desenvolvimento e a geração de emprego e renda.

É preciso ter consciência, também, de que a excessiva rigidez do novo ICMS poderá gerar entraves na formulação da lei complementar indispensável à sua implementação, em face das realidades dos Estados, que se movimentarão, legitimamente, para fazer valer as condições que atendam às peculiaridades locais.

Por fim, Sr. Presidente, preocupa-nos participar de uma enorme mobilização de energias e esforços, sob imensa expectativa otimista dos brasileiros, para fazermos, no fim de contas, um simples ajuste fiscal.

É necessário um debate amplo, profundo e objetivo no Congresso, sem preconceitos e enquadramentos, para que frutifiquem alternativas melhores para o Brasil. E esse debate tem que estar submetido a um calendário que não exceda ao fim do ano.

Entendo também que devemos assumir nossa responsabilidade histórica de aproveitar esse momento singular em que toda a sociedade encontra-se mobilizada em torno da discussão de grandes metas para o País, a fim de inaugurarmos uma nova ordem tributária. Impõe-se adotar um sistema inovador, inteligente e compatível com a atual escala de desenvolvimento científico e tecnológico, para resgatar, de forma concreta, a esperança do povo brasileiro em dias melhores.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOÃO BATISTA MOTTA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2003 - Página 16910