Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Anúncio da reestatização, pelo Estado de Mato Grosso do Sul, da antiga ferrovia Noroeste do Brasil, agora denominada Ferroeste.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Anúncio da reestatização, pelo Estado de Mato Grosso do Sul, da antiga ferrovia Noroeste do Brasil, agora denominada Ferroeste.
Aparteantes
Eduardo Azeredo, Mão Santa, Roberto Saturnino, Rodolpho Tourinho, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2003 - Página 16916
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, PROBLEMA, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, TRANSPORTE FERROVIARIO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, FERROVIA, REGIÃO NOROESTE, BRASIL.
  • ANUNCIO, RETORNO, ADMINISTRAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), FERROVIA, REGIÃO NOROESTE, PAIS, NECESSIDADE, GASTOS PUBLICOS, RECUPERAÇÃO, ACESSO FERROVIARIO, TRECHO, LIGAÇÃO, MUNICIPIO, CAMPO GRANDE (MS), CORUMBA (MS).
  • LEITURA, TRECHO, LIVRO, AUTORIA, FERNANDO DE AZEVEDO, ESCRITOR, DETALHAMENTO, IMPORTANCIA, CONSTRUÇÃO, FERROVIA, REGIÃO NOROESTE, BRASIL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO, APURAÇÃO, RESPONSABILIDADE, GESTÃO, CONTRATO, CONCESSÃO, SETOR, TRANSPORTE FERROVIARIO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO DO ESTADO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), DENUNCIA, SITUAÇÃO, ABANDONO, DESTRUIÇÃO, FERROVIA, REGIÃO NOROESTE.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, eu apenas gostaria de registrar, mais uma vez, a “ditadura das lideranças”. Nós não conseguimos falar, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Aliás, eu estava lendo no Regimento, Senador Delcídio, e o item é muito claro: não se pode mudar o assunto a que se refere o pedido de uso da palavra. Então, as Lideranças têm que decidir se cumprem ou não o Regimento, e a Mesa fica sempre no constrangimento de ter que repetir o que regula o Regimento Interno do Senado Federal.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sei que V. Exª sempre tem-se colocado claramente com relação a essa questão, Sr. Presidente.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, exatos sete anos depois de privatizada, uma ferrovia está voltando às mãos do poder público.

Numa “reestatização” inédita, cerca de 400 km entre Campo Grande e Corumbá sairão das mãos da holding Brasil Ferrovias para voltar à administração da União e do Estado de Mato Grosso do Sul, que pretendem implantar, até 2006, o “Trem do Pantanal”.

A empresa Novoeste devolve a concessão que lhe deu o direito de explorar a malha da antiga Noroeste do Brasil, nossa velha conhecida NOB. Mas devolve, com um custo altíssimo para os contribuintes e cofres públicos, porque a Novoeste simplesmente deixou que a ferrovia fosse sucateada.

O retorno do trem de passageiros através do Pantanal e a perspectiva de trazer ainda maior interesse turístico para a região, que já é atração internacional, deveriam ser motivo de comemoração.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não posso ver com entusiasmo essa “reestatização”. Em primeiro lugar, porque as perdas foram enormes. O custo do investimento para recuperar a ferrovia é da ordem de, no mínimo, R$300 milhões, computada a reconstrução de 15 estações, mais vias de acesso, sem falar na reposição de trilhos, dormentes, vagões e locomotivas.

Maior seriedade e rigor no acompanhamento e no controle das privatizações poderiam ter evitado tanto desperdício de recursos públicos.

Estou convencido, e o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva também, de que o Estado não pode simplesmente se afastar e deixar que as grandes questões nacionais sejam resolvidas pelo jogo do mercado.

O Estado tem de estar presente na caminhada rumo ao crescimento, como elemento planejador e definidor de prioridades. E precisa ter ao seu lado, como parceira, a iniciativa privada.

Não tenho dúvida de que, a partir dessas parcerias - já batizadas como PPP - Parcerias Público-Privadas - serão estabelecidos marcos regulatórios permanentes, firmes, para que o País possa crescer de forma consistente.

A antiga Noroeste do Brasil era uma empresa que se aproximava muito do conceito da parceria PPP, que o Governo pretende adotar.

A Noroeste era uma empresa de capitais mistos, brasileiros e franco-belgas. A estrada de ferro começou a ser construída em 1905, na ponta de Bauru. No lado sul-mato-grossense, o trecho até Porto Esperança só teria condições de tráfego em 1914, e a ponte sobre o rio Paraná foi inaugurada na segunda metade da década de 20.

A decisão de construir a estrada, mais do que isso, a percepção de que era necessária uma ligação por terra com a região sul do antigo Mato Grosso, foi decorrência de planejamento estratégico. Um dos objetivos - e isso vinha desde o Império - era evitar que um território imenso e distante passasse a gravitar em torno dos círculos comerciais paraguaios, o que poderia trazer problemas para a própria unidade nacional. O acesso natural à antiga Província do Mato Grosso se fazia, então, pelo rio Prata e pelo rio Paraguai.

O livro de Fernando de Azevedo Um Trem Corre para o Oeste narra com detalhes o que foi a empreitada épica de se construir a estrada de ferro. Conta que foi do Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro, que partiu o impulso decisivo.

Diz o autor de Um Trem Corre para o Oeste:

(...) foi considerado problema nacional inadiável a construção de um caminho de ferro que, partindo de São Paulo, transpondo o Paraná e o Urubupungá, se dirigisse a um ponto do rio Paraguai adequado a encaminhar para o Brasil o comércio do sudoeste boliviano e do norte paraguaio, permitindo ao mesmo tempo rápidas comunicações do litoral com o antigo Mato Grosso, independente do percurso em território estrangeiro.

Lendo o trabalho de Fernando de Azevedo, qualquer brasileiro sentirá orgulho daqueles pioneiros da Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.

A decisão de construir foi estrategicamente planejada pelas autoridades da época, analisados os interesses nacionais. Os capitais eram franco-belgas e do governo brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabemos que a política de privatização, em alguns setores, não alcançou os resultados que a sociedade brasileira esperava.

Os investimentos para revitalização do setor de transportes precisam chegar aos R$ 8 bilhões ao longo de um período de sete anos. Se isso não for feito, corremos o risco de um novo “apagão”, desta vez na logística dos transportes, com prejuízos incalculáveis para a economia do País.

Apenas um exemplo: todo o esforço empreendido na produção de soja, que levou o Brasil à condição de maior exportador do mundo, pode ser comprometido pela falta de transportes em condições e preços competitivos.

No último dia 28 de maio, em audiência pública na Câmara dos Deputados, o Ministro dos Transportes, Anderson Adauto, anunciou o “Plano Nacional de Revitalização das Ferrovias”. Disse que o governo espera investir R$1,3 bilhão até o próximo ano, com a participação de sete concessionárias.

            Faz-se necessário, além do investimento por parte do Governo, a apuração de responsabilidade nas gestões dos contratos de concessão.

No caso da Novoeste, apesar da “reestatização” do trecho Campo Grande-Corumbá, a ferrovia continuará ativa no trecho Campo Grande-Bauru, como uma das empresas da holding Brasil Ferrovias.

A holding compreende, além da Novoeste, a Ferroban e a Ferronorte, um complexo de ferrovias cujos números, à primeira vista, impressionam. Os donos da holding são os fundos de pensão Previ e Funcef e, ainda, a JP Morgan/Shafe, o Latin American Infrastructure Fund, a Constran, o Bradesco e outros minoritários.

            O “descarrilamento” do contrato de concessão com a Novoeste é evidente. A situação, em 1988, já era preocupante. O número de funcionários, de um quadro já enxugado para 1,8 mil, foi drasticamente reduzido a menos de 500. Isso gerou um acúmulo de trabalho para os empregados remanescentes e, obviamente, comprometeu os padrões mínimos de segurança da operação. Além disso, grande número de ferroviários desempregados estão vivendo precariamente com suas famílias nas estações e casas das vilas.

A velocidade da malha, que era de 40 km/h, reduziu-se para 25 km/h, contrariando dispositivo expresso na concessão. A meta, também assumida em contrato, de transportar um mínimo de 2,1 milhões de toneladas de carga foi ignorada.

Ao longo de tempo, trilhos, peças, vagões e locomotivas, estações ferroviárias inteiras foram simplesmente desaparecendo, levadas por ladrões ou corroídas pelo tempo e pelo descaso.

Convém lembrar que, na desestatização da malha ferroviária nacional, se estabeleceu o instituto do “arrendamento”. Conforme os contratos de concessão, trilhos, vagões e locomotivas continuavam e continuam a pertencer à União.

O Correio do Estado, jornal de maior circulação no meu Estado, de 29 de junho último, aborda o assunto denunciando que, enquanto o Estado do Mato Grosso do Sul procura reativar os 442 quilômetros do trem do Pantanal, no trecho Campo Grande-Corumbá, do outro lado da linha, os 342 quilômetros em direção a Ponta Porã estão sendo retirados e comercializados como ferro-velho no Estado de São Paulo. Vagões apodrecem, e as antigas estações da Noroeste do Brasil estão totalmente abandonadas desde a concessão ocorrida em 1996. Vale lembrar que muitos dos prédios em que funcionavam as antigas estações da Noroeste são construções de valor arquitetônico e cultural inestimável, estando hoje à mercê dos vândalos.

O sucateamento final deu-se em novembro do ano passado quando a malha foi definitivamente desativada pela Novoeste. O trecho de 150 quilômetros entre Maracaju e Campo Grande continua operando, mesmo em péssimas condições de manutenção.

A matéria registra, ainda, a denúncia do sindicalista Valdemir Vieira, dando conta de que, “das 88 máquinas que operavam com cargas, 30 foram desviadas para linhas paulistas, junto com dois mil vagões que estão mais bem conservados”. O sindicalista afirma: “Nós só temos agora 30 locomotivas e três mil vagões de carga, mesmo assim, quase 20 estão paradas, com problemas elétricos e mecânicos”. E conclui: “Estão levando tudo daqui”.

Concedo o aparte ao meu caro Líder, Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Meu caro Senador Delcídio, cumprimento V. Exª, pois estamos diante de um momento bonito no Senado Federal, de um debate que parte de quem olha o Brasil com os olhos da contemporaneidade, da responsabilidade da gestão inteligente e com a clara visão do desenvolvimento dependente da infra-estrutura. Acredito que o pronunciamento de V. Exª demonstra a visão de um estadista, à altura do seu conteúdo e da sua formação e aponta o modelo geopolítico do seu Estado, Mato Grosso do Sul, como um modelo de análise perfeito para muitas regiões do País. Essa defesa da recuperação das ferrovias é talvez o grande desafio do Presidente Lula, pois talvez tenha sido o setor mais violentado na política de privatizações do Governo e uma herança acumulada pela política da onda do petróleo que apenas se voltou para as rodovias. E o Brasil perdeu o que a Europa fez, o que os Estados Unidos fizeram, o que outros países com inteligência e visão longitudinal conseguiram fazer. Cumprimento-o pelo discurso. O Governo do nosso Presidente Lula tem a responsabilidade clara de recuperar essa grande dívida, de atualizar o Estado brasileiro em termos de infra-estrutura e de olhar para esse setor com um olhar de dependência franca e de uma necessidade absoluta de mudança imediata. Quando olhamos para o setor naval, vemos que gastamos US$6 bilhões todos os anos só no pagamento do transporte marítimo em entrada no País, o que demonstra uma outra fragilidade extraordinária herdada por equívocos de política anterior. O seu pronunciamento deve ser encaminhado, sem dúvida alguma, aos Ministérios das áreas fins, para que eles possam assumir com pronta sensibilidade a responsabilidade de levar adiante essa preocupação com o desenvolvimento atual para o Brasil. 

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Líder Tião Viana, muito obrigado pelas palavras. É uma honra para mim participar, fazer um discurso nesta Casa e debater com V. Exª.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Delcídio Amaral, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Concedo o aparte ao companheiro Senador Roberto Saturnino.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Delcídio Amaral, V. Exª, com o seu discurso, traz ao conhecimento desta Casa algo que, lamentavelmente, não tem sido noticiado pelo menos com a ênfase e com o destaque que merecem os desastres ocorridos no setor elétrico e agora na telefonia, com os contratos lesivos que produzem esses aumentos de tarifa. Pouco se tem falado nas privatizações do setor ferroviário, que seguiram aquela mesma orientação de, no afã de privatizar a qualquer preço e de qualquer maneira, demonstrar ao mercado internacional que o Brasil estava no rumo da privatização. Fizeram contratos que acabaram resultando nessa situação. V. Exª faz o retrato da velha Noroeste. Até acredito que seja, possivelmente, o mais grave caso, mas esse mesmo problema de sucateamento de um patrimônio que, afinal de contas, continua sendo público é geral. Tenho escutado comentários dos antigos engenheiros da rede ferroviária, que nos alertam para um estrago gigantesco que está sendo feito nesse patrimônio sucateado, porque os contratos não foram balizados com o rigor que o trato do patrimônio público exige. Assim, foi mais um desastre que se efetivou neste País - como eu disse - no afã da privatização de qualquer maneira, da privatização rápida para demonstração internacional. O exemplo que V. Exª traz alerta para esta Casa. O setor de infra-estrutura, de transportes, está sucateado e isso exigirá um investimento gigantesco: se somarmos ferrovias, rodovias, energia elétrica, isso consumirá algo como R$40 bilhões ou R$50 bilhões por ano de recomposição e de avanço, de novos investimentos. Trata-se de um desafio e de uma responsabilidade que teremos de enfrentar. Vamos enfrentar, mas alertando a Nação sobre todo o desastre cometido em nome de uma ruinosa política adotada no nosso País. Parabéns, cumprimento V. Exª por estar trazendo à Casa de forma objetiva, clara e insofismável um caso da maior gravidade.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Obrigado, Senador Roberto Saturnino.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Delcídio Amaral, primeiro peço permissão para corrigir um equívoco do nosso grande Líder do PT, Senador Tião Viana. S. Exª disse que o pronunciamento devia ser levado aos Ministros. Permita-me, Senador Tião Viana: o Senador Delcídio Amaral deve ser convocado pelo Presidente Lula, amanhã, para ser Ministro. Tenho acompanhado, e ninguém excede o Senador Delcídio Amaral na sua competência referente aos problemas energéticos do País - e digo isso até um pouco constrangido, porque tenho de dar medalha de ouro para S. Exª, enquanto dou medalha de prata ao nosso Senador Rodolpho Tourinho. Não há ninguém melhor do que o Senador Delcídio Amaral, uma benção para o seu Partido, que não tem sabido aproveitá-lo, pois o Governo está parado, e S. Exª entende como ninguém de energia, de hidrelétrica, de energia térmica, eólica impulsionada. Agora, V. Exª revive aqui o sonho de Juscelino sobre a energia e o transporte. Falando o fundamento, lembro que este País começou com a ferrovia. Foi Mauá, um empreendedor como V. Exª, jovem, idealista, conhecedor, que deu início aos estaleiros, para impulsionar a navegação fluvial e marítima, e o transporte ferroviário. Um dos maiores estudiosos do Brasil, Eugênio Gudin, dizia que este País jamais pertenceria ao Primeiro Mundo; se quiser, terá de pagar, porque se equivocou: abandonou o transporte ferroviário, sete vezes mais barato, e o transporte hidroviário e marítimo, doze vezes mais barato que o rodoviário. Aí estão as estradas esburacadas, acabadas. Aproveito para fazer um pedido ao Presidente Lula, em quem todos nós confiamos. Creio que o Senador Sebastião Viana acaba de ligar para o Presidente da República com essa sugestão, para que faça avançar este Governo. O Lula, nosso amigo, Presidente, afável, sincero, que tem bons propósitos, fala em Deus, mas não é divino. Até o filho de Deus, quando andou por este mundo, não ficou só no discurso, fez obras. Seguimos Cristo porque fez cego ver, aleijado andar, surdo falar e ouvir; limpou leprosos e retirou os demônios. Então, para que o Brasil acredite neste Governo, Sua Excelência deverá realizar obras, dentre elas, a primeira terá de ser o recrutamento de um homem como V. Exª para ser Ministro. Muito obrigado.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Obrigado, Senador Mão Santa, pelo seu aparte.

Ouço o Senador Rodolpho Tourinho.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senador Mão Santa, faço do Senador Delcídio Amaral a mesma avaliação de V. Exª e também concordo com o seu diagnóstico absolutamente correto. No meu Estado, a privatização não resolveu nada em relação à questão ferroviária. Temos apenas uma linha ligando o Estado ao Sul do País, com um atendimento muito precário. Nada melhorou, e pior: no problema de transporte intermunicipal no entorno de Salvador, nos subúrbios, o serviço caiu a um nível baixíssimo. O atendimento é mais do que precário, talvez ridículo. Hoje representa um pequeno percentual do que é feito através de ônibus, algo incompreensível. E o agravante nessa situação é que não temos o trem suburbano, mas também estamos sem o metropolitano, cujas obras poderíamos estar terminando. E essas obras não estão terminadas porque faltam recursos a serem liberados pelo Governo Federal. Os recursos já foram colocados à disposição pelo Banco Mundial; quanto aos recursos do Estado da Bahia, assim como os do Município de Salvador, possivelmente por influência da política do Fundo Monetário Internacional, eles não são liberados. Então, em relação a essa privatização, a situação é pior ainda no Estado da Bahia. Peço até a interferência do nobre Senador Tião Viana, para que S. Exª nos ajude na solução do problema, que, aliás, já foi tratado hoje pelos Senadores Antonio Carlos Magalhães e César Borges. Tratamos do assunto todos os dias, e não se resolve. Eu tenho uma afirmação de V. Exª, Senador Delcídio Amaral - que acredito seja muito importante - de que o Estado tem de estar presente, de alguma forma, em muitas áreas da economia. Eu concordo com V. Exª. Hoje, citei um aspecto que me parece muito importante: a presença da Petrobras - que já teve V. Exª como seu competente diretor -, que não pode e não deve ser olhada como a continuidade do monopólio de certas áreas. Acredito que a empresa deve passar a entrar na área de distribuição do GLP, o chamado gás de cozinha, porque, do contrário, o controle de preço, que não deveria haver, será muito pior. Mas hoje piorou, pois a empresa Ultragás comprou a Shell Gás de distribuição de gás de cozinha e detém seguramente um quarto do mercado. Portanto, mais do que nunca, é necessária a presença da Petrobras no setor, como também acredito que ela deva estar presente na distribuição de combustíveis com postos próprios. A nossa luta para que a Petrobras tenha postos seus operando e, assim, haja preços de referência é antiga. Não contesto a posição no que se refere ao fracasso da privatização nessa área, mas insisto no ponto de que o Estado tem de estar presente em muitas outras situações. Já que falamos da Petrobras - para não me estender -, em síntese, ressalto que ela também não deveria ter saído da área petroquímica, para onde advogo a sua volta. Mas louvo muito a oportunidade e a clareza do seu pronunciamento, Senador Delcídio Amaral.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Agradeço o aparte de V. Exª. Concedo um aparte ao meu caro Senador Eduardo Azeredo.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Senador Delcídio Amaral, desculpe-me interrompê-lo. É muito apaixonante o discurso de V. Exª. Quem não tem saudades do trem de ferro? Todos nós temos uma história dentro de um vagão, e quantas vezes fomos transportados por ele!

            Mas, Senador, o tempo até o término da sessão é de V. Exª. Apenas eu gostaria de dispor de alguns minutos, para não deixar de ceder a palavra à Senadora Lúcia Vânia. Ainda há matéria de urgência urgentíssima a ser apreciada, mas respeito o tempo integral de V. Exª. Apenas peço a sua colaboração.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Delcídio Amaral, serei rápido, até atendendo às palavras do Presidente Romeu Tuma. Quero apenas lembrar que a área ferroviária viveu uma situação que comprovou evidente existência de déficit no sistema ferroviário brasileiro, o que provocou a criação do projeto de privatização. Mas, nem assim, vou concordar plenamente com essa privatização. Segundo as palavras do Senador Rodolpho Tourinho, eu considero que, no setor ferroviário, o resultado não foi de plena satisfação, mas também não direi que foi um desastre. Temos algumas ferrovias, aquelas onde há tráfego de cargas, um fluxo maior - como no caso de Minas Gerais, onde operaram razoavelmente bem -, que são as ferrovias chamadas de desenvolvimento, ferrovias como a que vai de Minas Gerais até à Bahia, que foi suspensa. Em Minas Gerais, há cidades do norte que tinham o trem como transporte tradicional. Mas isso acabou e as cidades ficaram relegadas. Também quero declarar que sou um apaixonado por trens e considero que um País como o Brasil não poderia ter prescindido do transporte ferroviário. Como mencionou o Senador Mão Santa, Juscelino Kubitscheck deu prioridade às rodovias - sou juscelinista -, mas exatamente para ganhar tempo - os famosos 50 anos em 5. Com isso, as ferrovias ficaram em segundo plano. Se tivéssemos retomado em 1965, no regime militar, talvez a realidade hoje fosse diferente. Até o Presidente Juscelino Kubitscheck reconhecia que as ferrovias deveriam estar presentes em seu segundo mandato, como também a agricultura. Esses seriam os dois pontos enfatizados em seu segundo governo. Penso que o próprio Presidente Fernando Henrique - apesar de pertencer ao mesmo Partido - não foi muito feliz ao privatizar as ferrovias, mas não acho que ela tenha sido um desastre. Algumas coisas foram positivas. Também quero citar o transporte ferroviário urbano, os metrôs, que precisa ser agilizado pelo Governo Lula. Já estamos no segundo semestre do Governo, e os metrôs de Belo Horizonte, de Fortaleza, Porto Alegre, além dos do Rio de Janeiro e de São Paulo precisam da urgente atenção do Governo Federal, pois, sendo transporte de massa - pelo menos o da minha cidade, Belo Horizonte - carece de um investimento maior. Desculpe-me, Sr. Presidente, mas era importante que eu me manifestasse.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Sr. Senador Azeredo, pelo seu aparte.

Sr. Presidente, repito: o problema das concessões no setor de transporte ferroviário, sobretudo o contrato com a Novoeste, é crítico. A gravidade da situação é sobejamente conhecida e os responsáveis, tanto da parte da concessionária como do poder público, estão devidamente identificados. Tudo foi mapeado em duas CPIs, uma da Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul e outra, mais recente, da Assembléia Legislativa de São Paulo, cujo relatório final foi apresentado em março deste ano.

Portanto, apesar de todos os absurdos aqui mencionados, não seria a melhor alternativa, a meu ver, propor uma nova CPI, dessa vez no âmbito do Congresso Nacional. Os fatos já estão evidenciados em trabalhos legislativos responsáveis, levados a efeito em Assembléia estaduais.

Espero que as denúncias apresentadas levem à punição exemplar dos responsáveis. Entretanto, independentemente das medidas que serão tomadas como resultado dessas denúncias, o retorno do trem do Pantanal não pode mais esperar.

São inquestionáveis os benefícios que a volta do transporte ferroviário poderá trazer, a curto prazo, para a economia e para a população de Mato Grosso do Sul e de toda a sua região.

Existe vontade política para viabilizar uma rápida solução desse impasse, envolvendo agentes, concessionários e poder público. Resta encontrar uma fórmula eficaz de participação da sociedade, por meio das chamadas Parcerias Público Privadas.

Com esse objetivo, o Ministério do Planejamento já trabalha na criação de um fundo de investimentos que captará recursos privados para a aplicação em obras de infra-estrutura para o País, inclusive propondo as necessárias alterações na legislação vigente.

Governo e iniciativa privada devem somar esforços para concretizar a parceria. O desafio, agora, é encontrar um modelo que permita o equilíbrio: os investimentos realizados precisam trazer para os investidores o esperado retorno econômico e para a população, o desejado retorno social.

            Era o que eu tinha a dizer.

            Sr. Presidente, agradeço a V. Exª e aos Senadores presentes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2003 - Página 16916