Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a salvaguarda da soberania nacional, tendo em vista a aquisição de terras no Brasil por fazendeiros norte-americanos.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FUNDIARIA.:
  • Preocupação com a salvaguarda da soberania nacional, tendo em vista a aquisição de terras no Brasil por fazendeiros norte-americanos.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2003 - Página 16937
Assunto
Outros > POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, AMPLIAÇÃO, INTERESSE, ESTRANGEIRO, AQUISIÇÃO, TERRAS, INVESTIMENTO, BRASIL.
  • REITERAÇÃO, NECESSIDADE, GOVERNO BRASILEIRO, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, SALVAGUARDA, SOBERANIA NACIONAL.

           O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores há tempos que o imperialismo norte-americano deixou de ser uma peça da ficção científica dos comunistas e se instaurou mais concretamente em nossa contemporaneidade, em nossa realidade territorial. Pelo menos, é assim que os brasileiros concebem essa nova sanha invasora dos Estados Unidos na agropecuária do País. Centenas de grandes produtores norte-americanos iniciaram recentemente movimento de compra de terras no Brasil.

           Tal declaração foi feita pelo Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, depois de manter conversa com a Secretária de Agricultura do senhor George W. Bush, durante reunião em Washington, conforme matéria publicada pela Gazeta Mercantil nos meados de maio último. Segundo a reportagem, a Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos estaria preocupada com a tendência atual de redução de renda dos agricultores do Primeiro Mundo, depois da paulatina queda do protecionismo no setor agrícola.

           Isso, naturalmente, se deve ao processo irreversível da globalização econômica, que favorece, no final das contas, as transações externas dos países periféricos, cujo custo médio de produção, no que tange ao setor primário, é francamente mais barato. Sem dúvida, os investidores do Primeiro Mundo acompanham, em geral, o grande aumento da demanda por alimentos nas próximas décadas.

           Não nos espanta, portanto, o interesse dos agricultores norte-americanos na transferência de projetos de investimento para o Brasil. Estudos já apontam que, entre 1993 e 2020, a demanda por soja no planeta dobrará, assim como a demanda por carne expandirá na faixa dos 120%. Para se ter uma ligeira idéia do volume demandado, prevê-se que somente a China, até 2025, elevará sua taxa de consumo de alimentos em 204%. Ora, além do Brasil, restam pouquíssimos países em condições de atender a tão gigantesca demanda. Como é sabido, nosso País dispõe do maior potencial de crescimento em área e em produtividade agropecuária do planeta.

           Senhor Presidente, 

           Do lado mais otimista da notícia, temos certeza de que implicará arrojadas inversões externas em tecnologia agropecuária, transportes, estradas, logística e armazenamento. De fato, além da ênfase na infra-estrutura, investimentos significativos serão destinados à criação de novas indústrias ligadas ao setor.

           Nessa lógica, o Centro-Oeste brasileiro parece ter sido selecionado como espaço privilegiado de investimento. Mato Grosso, Tocantins e o oeste baiano compõem o perímetro dentro do qual os investidores norte-americanos pretendem instalar seus projetos de produção agrícola. Diante desse avanço, o Ministro Roberto Rodrigues parece não vislumbrar qualquer ameaça a nossa soberania. Pelo contrário, deixa transparecer certo anseio pela entrada de parceiros internacionais. De acordo com os dados do Ministério, trata-se de mais de 90 milhões de hectares de cerrado à espera de exploração econômica, sem derrubar sequer uma árvore da Floresta Amazônica.

           Vale acrescentar que, ao lado dos Estados Unidos, também Inglaterra e Alemanha já demonstram interesse em ingressar capital na agricultura brasileira. Naturalmente, isso não é inédito em nossa história de ocupação e exploração de terras por estrangeiros. Há pelo menos um século que produtores europeus, norte-americanos e japoneses apostam suas fichas agrícolas em terras brasileiras, em função da mão-de-obra barata e das excelentes condições de produção, como clima, luminosidade, disponibilidade de água, qualidade de solo e grandes extensões de terra.

           Senhor Presidente,

           Do lado menos otimista dessa avalanche de fazendeiros norte-americanos no Brasil, permanecem velhas dúvidas sobre nosso real controle sobre as regras que determinam e garantem nosso conceito de soberania. Embora a legislação brasileira não preveja restrições mais rigorosas para aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no interior do País, o Decreto 74.965, de 1974, que regulamenta a Lei 5.709, de 1971, estabelece em seu artigo quinto que a soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não poderá ultrapassar um quarto da superfície dos Municípios onde se situem.

           Mais que isso, o mesmo artigo, no parágrafo primeiro, reza que as pessoas de mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias, em cada Município, de mais de 40% do limite fixado no artigo. Bom, tudo isso seria muito operativo para a salvaguarda de nossa soberania se, lá pelo pé do mesmo artigo do decreto acima mencionado, não se estipulasse, no parágrafo terceiro, que “será autorizada por decreto, em cada caso, a aquisição além dos limites fixados neste artigo, quando se tratar de imóvel rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos planos de desenvolvimento do País”.

           Dito isso, na história do Brasil, logicamente, não têm sido poucas as figuras emblemáticas do “estrangeiro”, sobre quem a memória nacional ainda não se cansou de remoer escandalosos comentários. Das “sagradas” propriedades do reverendo Moon aos tentáculos monopolistas da transgênica Monsanto, todos esses atores e suas negociações estão cercadas de enorme suspeita, naquilo que diz respeito às suas reais intenções exploratórias no Brasil.

           No entanto, quando remontamos nossa memória um pouco mais atrás, o espanto ainda é maior. Refiro-me mais especificamente ao famigerado Projeto Jari, muito comentado nos anos setenta, que se prestava a devastar nossa Amazônia, em troca da industrialização do papel e da celulose. Considerado um dos maiores fracassos empresariais do século, o Jari foi fundado em 1967 pelo milionário norte-americano Daniel Keith Ludwig e deu prejuízos durante 32 anos. Mas, à época da negociação, estava sendo beneficiado pela alta do preço da celulose nos mercados internacionais.

           Com isso em mente, não tenho interesse, evidentemente, em promover uma crítica ao ingresso dos fazendeiros norte-americanos no Brasil. Pelo contrário, os investimentos de fora são sempre bem recebidos, dada nossa condição de país dependente de poupança externa. Com efeito, devemos encarar esse novo ciclo estrangeiro de exploração das terras brasileiras como mais um movimento do capital internacional em busca de investimentos altamente produtivos.

           Nesse sentido, para concluir, reitero que, providenciadas todas as nossas precauções jurídicas em favor da salvaguarda de nossa soberania territorial, o Estado brasileiro deve receber com alvissareira disposição o interesse dos norte-americanos na agricultura brasileira. Em suma, por mais que tenhamos desconfiança das reais intenções dos agricultores estrangeiros, ainda não estamos na posição de recusar taxativamente investimentos cujo desdobramento, eventualmente, poderá significar subtração de terras das mãos de brasileiros.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2003 - Página 16937