Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações a respeito da reforma do Judiciário.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA.:
  • Considerações a respeito da reforma do Judiciário.
Aparteantes
José Jorge, Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/2003 - Página 17011
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PRIORIDADE, APROVAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, URGENCIA, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, DEMOCRACIA, EFICIENCIA, JUSTIÇA.
  • ANALISE, PROBLEMA, JUDICIARIO, BRASIL, GRAVIDADE, DEMORA, JUSTIÇA, CRITICA, SISTEMA, RECURSO JUDICIAL.
  • ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), TRAMITAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, DEFESA, CRIAÇÃO, CONTROLE EXTERNO, JUDICIARIO, COMPOSIÇÃO, MEMBROS, MINISTERIO PUBLICO, DEFENSOR PUBLICO, PROPOSTA, AUMENTO, ETICA, OCUPAÇÃO, MAGISTRADO, CARGO PUBLICO, EXECUTIVO.
  • DEFESA, REDUÇÃO, PRAZO, ESTADO, PAGAMENTO, PRECATORIO, CIDADÃO.
  • OPOSIÇÃO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), ORADOR, ADOÇÃO, SUMULA, EFEITO VINCULANTE, GARANTIA, INDEPENDENCIA, MAGISTRADO, INSTANCIA INFERIOR.
  • COMPROMISSO, REESTRUTURAÇÃO, SISTEMA, ORGANIZAÇÃO JUDICIARIA, BENEFICIO, INTERESSE NACIONAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o País vive o clima das reformas. Sabemos que são reformas necessárias para a redefinição do projeto de desenvolvimento nacional, embora polêmicas, em face do previsível impacto que terão no cotidiano dos contribuintes e da classe trabalhadora, razão pela qual a sociedade deve ser ouvida.

Em que pese a importância dessas proposições, quero agora evidenciar uma outra reforma que é aguardada pelo povo brasileiro. Trata-se da reforma do Judiciário, que já está em curso nas Casas que compõem o Congresso Nacional, onde vem sendo discutida há nada menos que 11 anos. Trata-se, na verdade, de uma proposta que visa ao atendimento do clamor popular por uma Justiça eficiente, rápida e efetivamente democrática.

Eis aí, Srªs e Srs. Senadores, a explicação para a abordagem que ora faço perante este egrégio Parlamento: o empenho que devemos ter na apreciação das reformas recentemente encaminhadas pelo Poder Executivo não pode implicar o arrefecimento ou o esquecimento do outro compromisso que temos para com o povo brasileiro - o de buscar a urgente renovação do sistema de prestação jurisdicional, que hoje é criticado pelo povo, por advogados, pelos membros do Ministério Público, por Juízes e até mesmo por Ministros de Tribunais Superiores.

A morosidade da Justiça, como se sabe, é um entrave às relações sociais e institucionais, e não seria exagero afirmar que põe em risco a normalidade da vida democrática. O sempre festejado Rui Barbosa, que por tanto tempo pontificou nesta Casa, repetia à exaustão: “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

A sentença pode também se aplicar à atividade legislativa, Sr. Presidente, em vez de se conter nos limites da prestação jurisdicional, porque quanto mais rápido aprovarmos a reforma em tela, mais rapidamente se beneficiarão os usuários do sistema judiciário. E a morosidade da Justiça, embora não sendo o único, é de longe o motivo do maior número de queixas dos jurisdicionados.

Numerosas causas, estruturais ou circunstanciais, concorrem para essa exasperante lentidão, mas destacaria, de pronto, um sistema recursal falho, o qual freqüentemente permite a apresentação de recursos meramente protelatórios; e também a excessiva litigiosidade do aparelho estatal, a qual foi definida pelo Ministro Costa Leite, quando Presidente do Superior Tribunal de Justiça, como um “desvio ético”.

Aqui, abro parêntese para citar apenas um de numerosíssimos casos conhecidos em que o Estado exerceu verdadeira opressão sobre a outra parte, e que reflete bem essa deformidade. Refiro-me à ação trabalhista contra a Rede Ferroviária Federal S/A, em 1978, por 432 ferroviários goianos, os quais, até recentemente, não haviam sido indenizados, embora seus direitos tivessem sido reconhecidos em todas as instâncias. Vale lembrar que a autarquia, perdendo a causa sucessivamente, apelou até ao Supremo Tribunal Federal - mera tentativa de execrável procrastinação, pois que aquela instância máxima do Poder Judiciário, não reconhecendo ali a existência de matéria constitucional, rejeitou o recurso. Entretanto, Sr. Presidente, ao longo de todos esses anos, quase a metade dos autores da ação veio a falecer, sem que tenha se beneficiado do que lhe era devido para aplicar em saúde e em educação para os familiares.

A elaboração e a votação das leis requerem o exame acurado e sereno dos legisladores, mas sua apreciação, Srªs e Srs. Senadores, por mais cuidadosa que seja, pressupõe um prazo, sem o qual todas as iniciativas cairiam no vazio.

A reforma do Judiciário tramita no Congresso, como já disse, há onze anos. A Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2000, a qual aguarda designação do relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tem sua origem na PEC nº 96, de 1992, de autoria do Deputado Hélio Bicudo. O que não pode ocorrer agora é voltarmos nossas atenções para as reformas encaminhadas pelo Governo Lula e esquecermos a reforma do Judiciário, o que teria conseqüências danosas para o conjunto da sociedade brasileira.

A demorada tramitação dessa matéria, aliada à natureza polêmica de vários de seus aspectos, enseja uma desconfiança e, em certo ponto, até uma repulsa popular pelo tratamento que ela vem merecendo nesta Casa, o que se pôde comprovar em recente enquete conduzida pela Ordem dos Advogados do Brasil. À indagação sobre se a reforma judiciária deveria começar do zero, 1.408 de um total de 1.851 visitantes da página da OAB na Internet responderam afirmativamente.

É compreensível que a grande maioria dos internautas tenha feito essa opção. Nós, entretanto, na condição de legisladores, sabemos o quão complexa é a apreciação de uma proposta dessa natureza e de tamanha amplitude, o que não justifica qualquer acomodamento. Assim, acredito, como muitos de nós, que a melhor opção não é desprezar esses onze anos de tramitação da reforma, com intermináveis audiências públicas, análises e negociações, para chegarmos onde chegamos, e sim dar continuidade à apreciação da reforma, buscando consolidar seus pontos positivos e aperfeiçoar aqueles que não se revelarem adequados.

Nessa tarefa, temos contado com a colaboração de juristas renomados e entidades do mais elevado conceito. Gostaria de salientar, particularmente, a notável contribuição da Ordem dos Advogados do Brasil - Conselho Federal na busca de instrumentos que, reestruturando os mecanismos e as instituições judiciárias, visam a aproximar a Justiça e a população.

Um exemplo é a histórica luta da OAB para instituição de um órgão de controle externo do Judiciário, com a presença majoritária de pessoas não integrantes daquele Poder, de forma a evitar a prevalência do corporativismo. Por isso, defende, com absoluta razão, que sejam reincluídos, na composição do Conselho encarregado desse controle, os membros do Ministério Público, conforme previa o relatório aprovado na Câmara dos Deputados. A OAB vai além, propondo a inclusão também de outros operadores do Direito, como, por exemplo, os defensores públicos.

Não é de se estranhar que essa entidade tenha apoiado, igualmente, a proposta de se impor aos magistrados que se afastam de suas funções uma quarentena, período durante o qual se absteriam de praticar a advocacia; e, da mesma forma, uma quarentena de três anos para ocupantes de altos cargos no Poder Executivo, bem como para conselheiros da própria OAB que venham a ser nomeados para exercer função judiciária. Assim se evitaria, por exemplo, que o chefe do Poder Executivo nomeasse pessoas que fazem parte de seu Governo para apreciar questões de sua própria administração. Essa proposta, vale lembrar, foi aprovada pela CCJ, embora restrita ao âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Visando ainda ao que chama de “oxigenação do Poder Judiciário”, a OAB defende a participação de advogados e membros do Ministério Público nos tribunais, proposta que ficou conhecida como “quinto constitucional”. Infelizmente, a proposta aprovada na Câmara dos Deputados para que as listas visando ao preenchimento do “quinto” fossem indicadas pela representação dos advogados foi derrubada na CCJ, que manteve o sistema previsto na Constituição.

É importante, Sr. Presidente, destacar a preocupação da OAB e de outras entidades em relação ao cidadão comum. Aqui se insere a questão dos precatórios, uma verdadeira injustiça que vem se perpetuando em nosso País. Enquanto o cidadão comum se vê coagido pela Justiça a pagar seus débitos em execução judicial no prazo de 24 horas, esse prazo pode estender-se por anos a fio se a parte condenada for o Estado.

A CCJ, infelizmente, rejeitou a proposta do relator, que previa o pagamento dos “títulos sentenciais” em dez parcelas mensais e a partir do exercício seguinte ao de sua emissão. Trata-se de um equívoco - um grande equívoco, aliás -, o qual, entretanto, ainda pode ser corrigido na apreciação das emendas apresentadas a esse respeito.

Na apreciação da PEC nº 29, deveremos estar atentos, ainda, para algumas distorções que podem vir a comprometer o bom funcionamento do sistema judiciário. O tema mais polêmico, aqui, se refere à adoção da súmula vinculante. A OAB entende que essa proposta, se aprovada, viria a “engessar” o Direito, impedindo que a interpretação das leis se dê já no primeiro grau da jurisdição. No entanto, Sr. Presidente, essa posição não é exclusiva daquela entidade. Numerosos juristas têm se manifestado contrariamente à adoção da súmula vinculante, por entenderem que esse instrumento enfraqueceria a função dos juízes na especificidade de cada situação julgada. Cabe ao Judiciário aplicar a Lei em situações de fato, e não em tese, o que se aproximaria da função legislativa, que é prerrogativa nossa, dos Parlamentares.

O acúmulo de processos nas várias instâncias deve ser evitado com a reestruturação do Judiciário, com a extinção de infindáveis recursos, com as brechas que propiciam protelar as sentenças, e não com a adoção de uma norma que centralizaria as decisões e afetaria a independência dos magistrados nas instâncias inferiores.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Pois não.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Papaléo, eu gostaria de me congratular com V. Exª pelo pronunciamento que faz a respeito da reforma do Judiciário. Há cerca de duas semanas, fui designado, pelo Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Relator do Projeto de Reforma Constitucional nº 29, aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação nesta Casa. Portanto, fico feliz ao ouvir V. Exª tratar desse assunto. Evidentemente, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, no plenário ou em qualquer lugar, eu, como Relator, coloco-me à disposição de V. Exª, não só para analisar esse seu pronunciamento, como também todos os outros aspectos desse assunto com os quais V. Exª queira colaborar. Essa emenda constitucional vai tramitar, a partir de agora, no Senado, então V. Exª terá oportunidade de fazer todas as sugestões que hoje coloca. Muito obrigado.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Obrigado, Senador José Jorge. Creio que a Casa soube escolher muito bem o Relator para tal matéria.

Da mesma forma, devemos rejeitar um resquício do regime autoritário, que sobrevive na forma da avocatória. Esse instrumento, como se recorda, foi criado em plena ditadura militar, como parte do tristemente famoso “Pacote de Abril”. Ao permitir que o STF avocasse qualquer causa que se relacionasse com matéria constitucional, esse mecanismo permitia paralisar quaisquer demandas até que a Suprema Corte se pronunciasse. Suprimido na Câmara dos Deputados, esse mecanismo ressurgiu na CCJ sob o eufemismo de “incidente de legalidade” e restrito ao âmbito do STJ. Cabe a nós, Senadores, corrigirmos essa distorção e removermos esse entulho, que não se coaduna com a expectativa de renovação em que vive a Nação brasileira.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a reforma do Judiciário é por demais extensa e complexa para se abordar num simples pronunciamento. Não é, e não poderia ser, minha intenção exaurir o exame dessas questões neste breve pronunciamento. Entretanto, quando todas as atenções se voltam para outras propostas que o Congresso acaba de receber, julguei de todo conveniente recordar aos nobres Colegas que temos um compromisso em curso, um compromisso que, aliás, vem de longa data e que, tal como ocorre com as propostas oriundas do Executivo, é ansiosamente aguardado por boa parte da população brasileira.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senador Papaléo Paes, no momento adequado, V. Exª me concede um aparte?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Pois não, Senador Paulo Paim, ouço V. Exª.

O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Meus cumprimentos a V. Exª pelo pronunciamento que faz sobre a reforma do Judiciário. Não sou advogado, mas, como dizia outro dia na tribuna, recebo em torno de 800 correspondências por dia no meu gabinete. Não daria para relatar o número de cartas e de e-mails que recebo falando da morosidade do Judiciário. Vou comentar hoje na tribuna o caso de um cidadão que não é do meu Estado, é de Recife. Ele completa amanhã 100 anos de idade - vou citar o nome dele depois. Ele está esperando o resultado de um processo por ele instaurado há mais de cinco anos e que lhe trará um benefício. Ele apela para que eu interceda junto ao Judiciário no sentido de que, independente do resultado, seja votado o seu processo, antes naturalmente que ele, queiramos ou não - ele escreve na carta -, mude desta vida para a outra, antes que ele venha a falecer. É urgente que se faça a reforma do Judiciário por uma série de motivos, mas friso esse, que tem um cunho social, porque as pessoas ficam na expectativa de receber seus direitos, mas, infelizmente, vêem os anos se acumulando e não têm sequer a resposta se vão ou não recebê-los. E há aqueles inúmeros casos em que a decisão só vem depois que a pessoa faleceu, ficando, enfim, para a família decidir o que fazer com o resultado da ação. Por isso, quero cumprimentar V. Exª e o Relator da matéria, Senador José Jorge, com quem eu questionava sobre esse assunto, que naturalmente será debatido na reforma do Judiciário. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. PAPELÉO PAES (PMDB - AP) - Senador Paulo Paim, agradeço a V. Exª o aparte, que vem enriquecer a intenção do nosso discurso.

Neste momento histórico em que o País procura novos caminhos para crescer e reduzir as desigualdades, promovendo a inclusão dos marginalizados, é fundamental lembrar que o melhor instrumento de resgate social e de promoção da cidadania continua sendo um sistema judiciário eficaz, ágil e acessível a toda a comunidade. Esse é um compromisso fundamental para todos nós, e o caminho mais curto para torná-lo realidade é a reestruturação de um sistema judiciário voltado para os interesses maiores da sociedade brasileira.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/2003 - Página 17011