Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Postura do Presidente da República, nos primeiros meses de governo. Preocupação com as consequências para o Brasil em decorrência da formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

Autor
Hélio Costa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Hélio Calixto da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Postura do Presidente da República, nos primeiros meses de governo. Preocupação com as consequências para o Brasil em decorrência da formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/07/2003 - Página 17019
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, INICIO, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APOIO, APRENDIZAGEM, EXERCICIO, PODER, REPRESENTAÇÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, DEBATE, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), AVALIAÇÃO, RISCOS, BENEFICIO, BRASIL, COMENTARIO, ESTUDO, ASSOCIAÇÃO LATINO AMERICANA DE INTEGRAÇÃO (ALADI), DETALHAMENTO, SETOR, AUMENTO, CONCORRENCIA, PREVISÃO, DIFICULDADE, COMBATE, PROTECIONISMO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • SAUDAÇÃO, INICIO, DISCUSSÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO, COMBATE, RESTRIÇÃO, PRODUTO NACIONAL, ANTERIORIDADE, NEGOCIAÇÃO, GARANTIA, INTERESSE NACIONAL, IMPORTANCIA, COLABORAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • REGISTRO, DECISÃO, UNIÃO EUROPEIA, GRADUAÇÃO, REDUÇÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA.

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de fazer uma pequena reflexão sobre o cargo de Presidente da República. Vi, historicamente, presidentes que assumiram o cargo na juventude de seus quarenta, quarenta e cinco anos, e, ao término de quatro anos, estavam com seus cabelos brancos. Lamentavelmente, no Brasil, só tivemos uma experiência em que o presidente pôde, depois de quatro anos do exercício do cargo, com a reeleição, melhorar consideravelmente a sua performance e, em algumas oportunidades, como no caso do Brasil, até piorar.

A experiência dos primeiros anos é fundamental, e é pensando nisso que faço esta reflexão. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com apenas cinco meses de mandato, tem se esforçado, tem procurado, de todas as formas, representar a massa de eleitores brasileiros, homens e mulheres de todas as regiões do Brasil que depositaram tanta confiança na sua eleição para presidente da República.

Entendemos algumas situações - algumas reprovadas, outras comentadas, outras que poderiam ter sido evitadas -, mas tenho absoluta certeza e a convicção de que esses primeiros meses, também para um presidente, como o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são meses de aprendizado. Vamos partir para uma fase muito mais objetiva, muito mais clara, agora que a economia está chegando no seu lugar, que as coisas estão se acertando, que o governo começa a dar sinais de que temos, sim, luz no fundo do túnel. Tenho a certeza absoluta de que estamos no caminho certo.

Quero, Sr. Presidente, falar neste meu pronunciamento de hoje à tarde sobre um dos assuntos que mais preocupam, preocupam o governo, as lideranças políticas e empresariais e, sobretudo, preocupa-me como Senador representante do Estado de Minas Gerais, que é um dos mais importantes Estados exportadores do Brasil. Minas exporta automóveis, exporta têxteis, exporta produtos agrícolas, minério de ferro, aço. O nosso Estado é um Estado exportador. E sempre que se fala em Alca, na Associação de Livre Comércio das Américas, nós, mineiros, ficamos preocupados, porque, da maneira como a questão da Alca está sendo conduzida, ficamos sem saber se o que virá será bom ou ruim para o Brasil.

Há algum tempo, termos e expressões que dizem respeito a experiências de integração regional, tais como a União Européia, a própria Alca e o Mercosul desceram do pedestal acadêmico e das altas rodas diplomáticas para fazerem parte do cotidiano do cidadão comum, do estudante universitário, do profissional liberal, do motorista de táxi, do funcionário público, de todos nós. Ao abrirmos qualquer jornal, revista semanal ou publicação especializada, invariavelmente, nós nos deparamos com prognósticos otimistas ou ameaças catastróficas na hipótese de o Brasil aderir a este ou àquele modelo de integração econômica. A exposição que o fenômeno das integrações regionais apresenta hoje na mídia está plenamente justificada pela abrangência e pela e pela complexidade das negociações.

A hipótese, Sr. Presidente, de criação da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, tem uma dimensão significativa, pois é difícil conceber que algum setor da economia passará incólume nesse processo. Em verdade, a Alca traz consigo, simultaneamente, muitas oportunidades e muitos riscos para o nosso País. O Brasil não será o mesmo depois da implantação da Alca. Não será o mesmo do ponto de vista econômico, não será o mesmo do ponto de vista social. Certamente serão afetadas as nossas relações de serviço com os demais países do hemisfério e certamente as nossas relações diplomáticas.

Um estudo recente da Associação Latino-Americana de Integração, a Aladi, analisa potenciais vantagens e desvantagens que teria o Brasil caso aderisse à Alca.

Esse estudo, Sr. Presidente, identificou 38 setores e 176 produtos brasileiros ameaçados pela concorrência adicional que a abertura comercial do Mercosul aos demais países da Alca representaria. Esses produtos englobam 10% das exportações totais e mais da metade das exportações para a região. A maior concentração está em setores da atividade industrial, tais como máquinas, equipamentos de transporte, papel, manufatura de borracha e de plástico.

E neste ponto é importante lembrar a relação que existe nas trocas comerciais entre o Brasil e o principal parceiro da Alca, que serão os Estados Unidos.

Hoje, os dez produtos que nós, brasileiros, exportamos mais freqüentemente para os Estados Unidos são taxados, ao chegarem em território americano, em cerca de 40%, enquanto que os dez produtos americanos que nós mais importamos, de que nós mais necessitamos, chegam aqui e são taxados em aproximadamente 14%. Vejam bem: exportamos e nos cobram 40%; importamos e cobramos apenas 14%. Essa é a diferença.

Esse estudo recente da Associação Latino-Americana de Integração analisa essas lamentáveis dificuldades que temos.

Por outro lado, pelo lado das oportunidades, o estudo da Aladi aponta 35 setores e 79 produtos que poderiam encontrar na Alca um ambiente favorável para a expansão das exportações brasileiras. Esses setores, entre os quais se encontram os alimentos, as bebidas, a mineração, metalurgia e calçados respondem atualmente por cerca de dois terços das exportações do País e por uma variada gama de produtos.

Mas o problema, Srªs e Srs. Senadores, é que encontramos sempre as chamadas barreiras alfandegárias e, nesse particular, temos que ter muito cuidado nas negociações que vamos fazer para a entrada do Brasil no contexto da Alca.

O Brasil hoje é um excepcional produtor de aço. Produzimos o melhor e mais barato aço, que concorre e tem mercado dentro dos Estados Unidos por ser bom e barato. Os nossos têxteis já ganharam o mercado americano e europeu. Temos qualidade na produção que fazemos.

O que não pode acontecer, Sr. Presidente, é sermos submetidos novamente ao que aconteceu há dois anos por ocasião da disputa entre a Embraer e a Bombardier canadense - aquela faz aviões no mesmo modelo e estilo desta. Ao chegar ao Canadá e ao mercado americano e europeu e tomar conta desses mercados, a nossa empresa foi criticada pelo governo canadense, que estava naquele instante tentando recuperar uma empresa falida, a Bombardier, criando para nós uma situação absurda, quantas e quantas vezes comentada nesta tribuna, na Câmara dos Deputados e no Congresso Nacional, ao insinuar pelo mundo inteiro que o rebanho bovino brasileiro estava infectado com a “vaca louca”, ignorando, inclusive, que a “vaca louca” é uma doença transmitida pela proteína animal. O gado que come farinha de osso, por exemplo, pode contrair a “vaca louca”, mas o que come apenas vegetação, capim, este não vai, definitivamente, contrair a “vaca louca”.

Até isso fizeram com o Brasil para poder prejudicar as relações entre o Brasil e o resto do mundo, por assim dizer, porque conseguimos superar a indústria canadense, e até mesmo a indústria americana, naquele tipo de avião, de até 30 passageiros, que a Embraer estava fabricando e vendendo para vários países, como faz até hoje. Com que orgulho chegamos a uma exposição internacional como a de Le Bourget, que ocorre de dois em dois anos, a 40 km de Paris, e vemos o estande da Embraer mostrando o produto nacional, ou então olhamos para o alto, em qualquer país na Europa, e vemos, sim, um avião brasileiro cruzando os céus.

É nesse aspecto que temos que ter cuidado com a implantação da Alca, porque estaremos, na realidade, competindo em desvantagem. Não em desvantagem porque não sabemos produzir, pois sabemos e temos competência para tal, mas a questão das barreiras alfandegárias, das barreiras fitossanitárias que são colocadas aos nossos produtos agrícolas é algo que tem que ser amplamente conversado, discutido e acertado antes que o Brasil possa se comprometer a assinar um documento que o obrigue a cumprir as determinações de um Acordo de Livre Comércio das Américas.

A Alca não é, intrinsecamente, boa ou má para o Brasil. Mas uma questão é certa, Srªs e Srs. Senadores: a Alca será tanto melhor quanto maior for o número de interlocutores hábeis a identificar os pontos fortes e as fragilidades que caracterizam o mercado nacional, e, nesse sentido, estamos convencidos de que o Parlamento tem um papel fundamental a cumprir, razão do discurso que faço nesta tarde, Sr. Presidente, porque, neste momento, na Comissão de Relações Exteriores do Senado da República, tão bem presidida pelo Senador Eduardo Suplicy, estamos iniciando as discussões que poderão, semanalmente, trazer para os Senadores daquela comissão a questão da Alca.

A proteção que o Brasil precisa tem que partir dos entendimentos, das discussões que serão feitas no Senado da República, na Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional. Esta manhã, o Presidente Eduardo Suplicy, que se encontra presente, acertou os detalhes para que, a partir da semana que vem ou, no mais tardar, depois desta convocação extraordinária, possamos entrar nas discussões da questão da Alca, a fim de que o Brasil esteja preparado para assumir um compromisso. Na verdade, impuseram uma data, de 2005, para a participação do Brasil e dos outros países na Alca. Não sei e não posso afirmar, Sr. Presidente, se estamos em condições de participar desse livre comércio das Américas, com todas as barreiras que ainda são impostas aos produtos brasileiros.

Sei que está sendo apresentado um requerimento no sentido de se criar uma subcomissão de assuntos relacionados com a Alca para que os problemas sejam discutidos dentro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Posteriormente, talvez possamos unir Senadores e Deputados e produzir um documento capaz de assegurar ao Brasil a participação na Área de Livre Comércio das Américas, mas de uma forma que não prejudique os interesses do País, notadamente no setor de serviços, porque não adianta imporem condições e imporem data para que o Brasil entre em um mercado no qual nos estão sendo impostos todos os tipos de barreias.

Queremos a abertura do mercado, sim, mas uma abertura de mercado que não prejudique os projetos em andamento no nosso País, notadamente na questão dos serviços.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG) - Ouço o Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero saudar a manifestação de V. Exª e a sua preocupação, bem como do Senador João Capiberibe e dos membros da Comissão de Relações Exteriores. Observamos a importância de o Senado Federal estar acompanhando de perto as negociações do Governo brasileiro relacionadas à formação, ao fortalecimento e ao aprofundamento do Mercosul e também em relação à entrada do Brasil na Alca, a partir de 2005, conforme declaração conjunta dos Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos. Consideramos da maior relevância que o Senado Federal solicite ao Ministro Celso Amorim, conforme assinalou V. Exª, informações precisas sobre entendimentos efetivos, se estão ou não acontecendo, e qual a natureza desses entendimentos, pois é importante que o povo brasileiro, os empresários, os trabalhadores e nós, do Congresso Nacional, possamos acompanhar de perto as negociações que estão sendo feitas. Inclusive porque o Ministro Celso Amorim tem ressaltado que os Estados Unidos, em diversas ocasiões, têm colocado à Organização Mundial do Comércio aspectos da negociação que seriam mais de interesse deles do que do Brasil, dificultando o que seria efetivamente de maior interesse do Brasil. Portanto, é muito importante que a Comissão de Relações Exteriores, conforme decidimos hoje, solicite que o Ministro das Relações Exteriores, em audiência, no mês de agosto, traga-nos todos os termos do acordo bem detalhados: quais as ofertas dos Estados Unidos? Quais os termos daquilo que os Estados Unidos têm proposto para o Brasil? O que o Brasil tem proposto? E se foi aceito ou não? Em que áreas iniciaremos? Na área de livre comércio? Se vai ser algo de interesse apenas do capital, daqueles que desejam transferir fluxos de capital além das fronteiras das Américas? Se vai ser possível participar de licitações públicas municipais, estaduais e da União em igualdade de condições? Ou se o interesse é apenas o de transferir mercadorias e serviços, além das fronteiras, sem quaisquer barreiras? E quais seriam essas mercadorias e serviços? Aquelas em que os Estados Unidos têm dificuldade de competição? Em que medida essa integração levará em conta o ser humano e a possibilidade dos seres humanos estarem indo daqui para lá e de lá para cá? Ainda hoje, V. Exª, eu e outros membros da Comissão de Relações Exteriores assinamos um ofício à Embaixadora Donna Hrinack e ao Embaixador Rubens Barbosa, sobre mais um brasileiro que está doente e detido na fronteira do México com os Estados Unidos, em condições totalmente desumanas. Esse assunto também tem que merecer o melhor esclarecimento possível. Estamos solicitando atenção imediata para esta situação de emergência. A Senadora Íris de Araújo acaba de me informar que foi marcada uma audiência com a Embaixadora Donna Hrinack, às 16 horas de segunda-feira, para tratarmos deste assunto, e enviaremos a carta sobre o rapaz detido. Ouviremos o Ministro Celso Amorim sobre todos esses temas, iniciando uma discussão organizada acerca dessas negociações, com um acompanhamento muito melhor do Senado Federal, a partir das próximas semanas.

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

Sr. Presidente, tenho mais um minuto e gostaria de acentuar que, nesta semana, a União Européia deu os primeiros passos para corrigirmos algumas distorções fundamentais no futuro entendimento entre o Brasil e os países que vão compor a Associação de Livre Comércio das Américas, porque na Europa já foi estabelecida a redução gradativa dos subsídios agrícolas.

É importante lembrar que, só no ano passado, os subsídios agrícolas americanos foram da ordem de US$43 bilhões, e os subsídios entre os países da Comunidade Européia chegaram a 40 bilhões de euros. Como vamos competir? Somos os maiores produtores de suco de laranja, somos o segundo maior exportador de soja do mundo, temos uma agricultura e uma pecuária capazes, temos uma agroindústria extraordinariamente competente, mas de que maneira vamos competir, tanto no mercado americano quanto no europeu, na medida em que os subsídios para os produtores desses países chegam a algo em torno de US$40 bilhões a 50 bilhões anuais? Não temos como competir! 

Por essa razão, estamos preocupados com todas as negociações que precisam ser feitas antes de assumirmos o compromisso de participar diretamente deste grande mercado comum que existirá nas Américas. Entendo que ele é inevitável e espero que aconteça também, como disse o Senador Eduardo Suplicy, na área de serviços e até mesmo, no futuro, abrindo as fronteiras. Já que nossos produtos circularão livremente entre fronteiras, que o povo também possa circular livremente. Não adianta um produto de outro país entrar e não ser barrado na fronteira e ocorrer casos como o do brasileiro que pretendia chegar aos Estados Unidos nesta semana. O jovem teve que se reportar às autoridades policiais e acabou sendo levado para o hospital em estado grave, porque tentou atravessar a fronteira americana.

Sr. Presidente, encerrando minhas palavras, faço um apelo para que o Brasil e o Congresso Nacional discutam amplamente a Alca nestes próximos meses, tão importantes, que antecedem a tomada de posição do Governo brasileiro.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/07/2003 - Página 17019