Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre proposta de emenda à Constituição de sua autoria que disciplina a demarcação de reservas indígenas e ambientais.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Comentários sobre proposta de emenda à Constituição de sua autoria que disciplina a demarcação de reservas indígenas e ambientais.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2003 - Página 17293
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, RESERVA ECOLOGICA, TERRAS INDIGENAS, INCLUSÃO, EXAME, APROVAÇÃO, SENADO, ATO ADMINISTRATIVO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), LIMITAÇÃO, PERCENTAGEM, AREA, ESTADOS, RESERVA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
  • REGISTRO, LOBBY, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), OPOSIÇÃO, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, SUSPEIÇÃO, ORADOR, EXISTENCIA, FRAUDE, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, FRONTEIRA.
  • COMENTARIO, DIVERSIDADE, SITUAÇÃO, INDIO, SUBEMPREGO, ZONA URBANA, AUSENCIA, ASSISTENCIA SOCIAL, ASSISTENCIA, PRODUÇÃO, RESERVA INDIGENA, QUESTIONAMENTO, FALTA, ESCLARECIMENTOS, OPINIÃO PUBLICA.
  • EXPECTATIVA, DEBATE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, AUSENCIA, IDEOLOGIA, BUSCA, INTERESSE NACIONAL, DEMOCRACIA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há poucos dias, antes de entrarmos na convocação extraordinária, estava na pauta do Senado a proposta de emenda à Constituição, de minha autoria, que visa a disciplinar as demarcações de áreas indígenas e reservas ambientais no Brasil; disciplinar as demarcações que hoje, na prática, são exclusividade do Ibama, no que tange às reservas ambientais, e da Funai, no que tange às reservas indígenas. Esses órgãos fazem os levantamentos, concluem o processo administrativo e o levam aos Ministros do Meio Ambiente e da Justiça. O Ministro os encaminha, por meio de uma portaria, ao Presidente da República, que homologa o decreto. A partir desse ato, as terras que pertenciam a um Estado da Federação passam a ser do Governo Federal, da União.

Na singeleza do ato, na prática ocorre o confisco de terras dos Estados para a União. Se o objetivo é nobre, como no caso de áreas consideradas de interesse para a preservação ecológica e para a população indígena, o procedimento não está correto, porque se exclui a apreciação dos atos pelo Congresso Nacional, ou - eu diria - pelo menos pelo Senado Federal, já que esta Casa representa os Estados, representa a Federação.

Proponho no item nº 1 justamente que todos esses procedimentos sejam analisados pelo Senado Federal, de forma a que todos os Estados aqui representados possam analisar cada um dos processos.

Essa proposta, Srª Presidente, apresentada em 1999 - portanto há cinco anos - chegou ao Plenário para ser votada depois de passar pelas cinco sessões de discussão, ter sido aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e depois de ter passado por vários recursos apresentados para que ela fosse apreciada pela Comissão de Assuntos Sociais - e não que cabe uma proposta de emenda constitucional seja apreciada por outra Comissão que não a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Pois bem, aqui chegando houve de repente uma verdadeira guerra, promovida pelas organizações não-governamentais ligadas ao meio ambiente e ligadas à questão indígena.

Surpreendeu-me, Srª Presidente a quantidade de manifestações, por e-mails, telegramas e cartas, contrárias a essa proposta de emenda à Constituição. Então, perguntei-me, lembrando aquele velho ditado popular que “quando a esmola é grande o santo desconfia”. Trata-se de uma emenda constitucional que apenas dispõe que esses procedimentos devam ser examinados pelo Senado. Se esses procedimentos são corretos - e creio que devam ser -, se estão de acordo com a lei, se todos os cuidados técnicos e burocráticos foram tomados, por que o Senado Federal não pode apreciá-los? Apreciamos aqui concessão de rádio e televisão, apreciamos escolha de embaixadores, apreciamos escolha de diretores do Banco Central, das agências reguladoras, discutimos e aprovamos ou não empréstimos para os municípios, para os Estados e para o próprio Governo Federal, para a própria União e não querem que apreciemos atos que, na prática, representam o confisco de terras dos Estados para a União Federal.

Causou-me uma dúvida enorme: de que esses procedimentos talvez não estejam sendo feitos com seriedade. Se estivessem sendo feitos com seriedade, de maneira justa, não entendo porque o Senado não poderia apreciá-los. O Senado não iria agir contra esses procedimentos, se eles estiverem corretos.

De qualquer forma, a matéria em si não foi discutida no Plenário. Passaram-se cinco sessões de discussão no Plenário e eu não vi ninguém se levantar para apresentar argumentos contra esse procedimento. Há um outro item na proposta que limita em 50% a área de cada Estado que pode ser utilizada para reservas ecológicas e ambientais federais - o que não impede que existam reservas estaduais e municipais, como, aliás, existem em muitos Estados. A minha Emenda Constitucional está muito claramente tratando de reservas federais.

Muito bem, discutiu-se esse percentual. E o Brasil hoje tem mais de 12% do seu território demarcado para reservas indígenas, enquanto a nossa população indígena não ultrapassa 0,5% da população nacional. Então, não há correlação entre índio e espaço dedicado a índios.

Mas, Sr. Presidente, o assunto não estaria ligado à extensão territorial, se estivesse sendo levada em conta a realidade do índio no Brasil. Em recente artigo de um jornal paulista, publicou-se que a maior aldeia indígena do País está localizada na cidade de São Paulo. Lá há índios estudando, trabalhando ou em busca de trabalho. Em apenas um conjunto residencial habitam várias centenas de índios.

E a situação não é diferente em vários outros locais do Brasil. Aqui mesmo, na Capital Federal, existe permanentemente um grupo de índios em pensões que são pagas pela Funai. Eles vêm para tratamento médico ou para assuntos outros, mas que estão aqui constantemente. Não é muito difícil ver, de vez em quando, inúmeros índios transitando pelos corredores do Senado ou da Câmara.

Na verdade, por que eles saem das suas aldeias? Porque lá não têm recebido do órgão encarregado, a Funai, portanto do Governo Federal, assistência médica, assistência à educação, à produção. E os índios, na verdade, são colocados perante a opinião pública como se todos estivessem no mesmo estágio antropológico. Não se distingue, por exemplo, um índio que é funcionário graduado da Funai, em Brasília, que possui até curso superior, de um índio que está em uma comunidade indígena no Amazonas ou no Acre e que não teve oportunidade de estudar.

No entanto, a par dessa desigualdade antropológica, do estágio de aculturação de cada índio, também não se leva em consideração como eles vivem. No meu Estado, por exemplo, os maiores produtores de hortifrutigranjeiros das proximidades da capital são índios, que toda semana pegam o caminhão, dado pelo Governo do Estado - porque a Funai não dá -, levam seus produtos para vender na feira e voltam para sua aldeia com as compras feitas na cidade.

Então, essa realidade é mascarada, escondida e prega-se a mentira, cada vez mais difundida, como li recentemente num jornal, de que o índio é o maior preservador da natureza, e não é. Na prática, o costume milenar do índio é de derrubar uma mata, queimar, plantar a sua roça para sobreviver. No outro ano, ele derruba mais uma parte. Esse é o costume do índio brasileiro em todos os lugares do Brasil. Por que ele faz isso? Porque aprendeu com os seus ancestrais. Ele somente sai de lá quando, por exemplo, o Governo lhe dá condições de mecanizar a lavoura, como ocorreu no meu Estado, nas regiões de lavrado, que corresponde ao cerrado daqui.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de chamar a atenção para a discussão desta Emenda Constitucional, que retornou para a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, atendendo a apelo de vários Srs. Senadores. Houve uma renovação significativa do Senado; cerca de 50% dos Srs. Senadores estão em seu primeiro mandato. Até em homenagem a S. Exªs, eu, num gesto de buscar realmente um consenso, conversei com os Srs. Líderes e conseguimos a assinatura de todos, inclusive a do Líder do Bloco de apoio ao Governo, a fim de que façamos uma discussão do problema isenta e desapaixonada, observando o Brasil como um todo, porque, repito: 12% da nossa área territorial já estão demarcados para reservas indígenas. Nenhum país do mundo possui essa quantidade de área territorial destinada à reserva indígena. Quase 10% dela já estão destinados para reservas ou para unidades de conservação ambiental.

Na verdade, é preciso que não partamos para um fundamentalismo ambiental ou para um fundamentalismo indigenista, esquecendo-nos da pessoa do índio. Hoje, a grande preocupação da política indigenista conduzida pelas organizações não-governamentais é com a terra. E que benefício o índio está obtendo com isso? Basta verificar o índice de mortalidade, a situação em que se encontram os índios nas periferias das grandes cidades, com as índias se prostituindo, ou em subempregos, e com os índios fazendo trabalhos de menor valor, ganhando até menos de um salário mínimo.

Desejo que, na CCJ, façamos um debate, uma discussão desapaixonada, sem se ideologizar o problema, buscando a realidade. E espero que pelo menos um dos três pontos que há na minha emenda constitucional seja preservado: o exame desses atos pelo Senado. Não é possível que, de repente, com apenas uma canetada do Presidente, sem que a Casa tome conhecimento, uma área seja tirada de um Estado e transformada num parque nacional, como aconteceu, no apagar das luzes do Governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. O Parque do Tumucumaque, no Amapá, foi transformado em parque nacional sem que o Governador do Estado sequer tenha sido consultado. Considero isso uma ação autoritária.

Se a iniciativa é certa, não há necessidade de se agir dessa forma, autoritária, ao arrepio da discussão dos representantes dos Estados no Congresso Nacional.

Portanto, apelo, não só para os membros da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, mas para todos os Srs. Senadores, no sentido de abrirmos esta questão para o País, porque, na verdade, o que é veiculado pela grande imprensa é só o aspecto fundamentalista, quase talibânico, do problema. Se se questiona isso, está-se a serviço de se exterminarem os índios, de se acabar com a floresta, de se desmatar, de se devastar.

Vemos agora, como há poucos dias falei desta tribuna, uma ONG internacional apresentar à Ministra Marina Silva o estudo de um plano para a Amazônia que, entre outros pontos, proíbe o desmatamento durante quatro anos. Ora, o desmatamento na Amazônia já está proibido. Na verdade, não se pode desmatar área indígena, mas os índios desmatam. É proibido desmatar área de preservação ambiental. E o proprietário só pode desmatar 20% da área da sua propriedade. Ele paga imposto sobre 100% da sua área, mas só usa 20%, de acordo com a lei. Então, não se trata de problema de legislação. E agora uma ONG, a Conservation International do Brasil, apresentou à Ministra um plano de desenvolvimento da Amazônia que inclui a proibição de desmatamento desses 20% que restam permitidos ao proprietário.

É preciso, até na esteira do discurso do Presidente Sarney, que pensemos na Amazônia não como um problema para o Brasil, mas como detentora de riquezas muito cobiçadas. Talvez isso explique esse interesse exagerado de ONGs na questão ambiental e na questão indigenista. Cheguei a constatar, como Presidente da CPI das ONGs, que há uma ONG para cerca de mil índios. Então, é muita coisa, é aquela história da esmola grande. Fico pensando por que não há essa preocupação toda com as crianças de rua, com essa quantidade de idosos que estão aí desamparados.

Encerro o meu pronunciamento fazendo este apelo a todos os Líderes partidários, a todos os Senadores: que analisemos essa questão de maneira desapaixonada, para que pensemos que, se as atitudes não estão sendo corretas nesse setor e há uma reação para que o Senado não examine a questão, algo está errrado. É preciso que o Senado assuma a responsabilidade de ter, entre suas competências privativas, o exame da criação dessas reservas. Quem tiver o cuidado de olhar o mapa do Brasil verá que essas áreas estão proliferando-se na faixa de fronteira, ou melhor, na linha de fronteira. Talvez estejamos, até inocentemente, pensando estar ajudando, tornando ainda mais vulnerável a nossa soberania. Chega-se a ponto de, no meu Estado, haver um movimento, comandado por uma ONG, para proibir a construção do quartel do Exército na área de fronteira do Brasil com dois países, a Guiana e a Venezuela, uma área sensível, de tráfico de drogas, de contrabando de armas. Houve um movimento fortíssimo, surpreendentemente com o apoio do próprio Ministério Público Federal, para impedir a construção do quartel do Exército naquela região.

É preciso analisarmos a questão com um olhar brasileiro, com um olhar realmente nacionalista, para, antes de pensarmos, como eles querem, que a Amazônia é um patrimônio da humanidade, saber que ela é um patrimônio do Brasil, um patrimônio nosso, a nosso serviço, e também, obviamente, a serviço da humanidade. No entanto, não se deve inverter essa ordem de ser, primeiramente, patrimônio da humanidade, senão, no futuro, os brasileiros não terão sequer acesso às riquezas da Amazônia, como já está ocorrendo. Estão patenteando nossas riquezas, como fez uma empresa japonesa que patenteou o cupuaçu. Daqui a pouco, pagaremos royalties se quisermos utilizar qualquer produto do cupuaçu.

Essa situação ocorre com vários outros produtos farmacêuticos, o que tem sido constantemente denunciado. Fazemos de conta de que não estamos ouvindo nem vendo o que acontece, portanto não tomamos nenhuma providência.

Por isso, apelo para que essa emenda constitucional seja aprovada. O Senado precisa ter autoridade sobre as terras dos Estados, discutindo a conveniência ou a inconveniência da criação dessas reservas que, se estiverem sendo demarcadas de maneira correta, serão aprovadas, como são aprovados os empréstimos, os nomes de autoridades e tantas outras matérias. Esta Casa não pode abrir mão do controle da proliferação de reservas indígenas e ecológicas no País, notadamente na imensa fronteira da Amazônia, hoje desguarnecida e desprotegida e, há muito tempo, alvo da cobiça internacional como todos sabem.

Finalizo meu pronunciamento, reiterando o pedido de apoio à aprovação dessa emenda constitucional, que, surpreendentemente, desagrada tanto às organizações não-governamentais que, se estiverem agindo seriamente, certamente concordarão comigo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2003 - Página 17293