Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apresentação de projeto de lei que assegura maior proteção às vítimas de violência de qualquer ordem, criando condições legais para a agilização de todo o processo civil e penal.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Apresentação de projeto de lei que assegura maior proteção às vítimas de violência de qualquer ordem, criando condições legais para a agilização de todo o processo civil e penal.
Aparteantes
Aloizio Mercadante, César Borges, Fernando Bezerra, Renan Calheiros, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2003 - Página 17362
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PREVISÃO, RESPONSABILIDADE, PODER PUBLICO, PROTEÇÃO, DIREITOS, VITIMA, CRIME, VIOLENCIA, CRITICA, LEGISLAÇÃO, DESRESPEITO, DANOS PESSOAIS, CIDADÃO.
  • COMENTARIO, DADOS, ESTATISTICA, HOMICIDIO, MUNDO, BRASIL, AUMENTO, OCORRENCIA, CRIME, ARMA DE FOGO, VITIMA, MAIORIA, JUVENTUDE, AUSENCIA, INVESTIGAÇÃO POLICIAL, SOLUÇÃO, PERMANENCIA, IMPUNIDADE, CRIMINOSO.
  • CITAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PROTEÇÃO, DIREITOS, CRIMINOSO, CRITICA, LEGISLAÇÃO, POSSIBILIDADE, REU, RESPOSTA, PROCESSO JUDICIAL, SITUAÇÃO, LIBERDADE.
  • NECESSIDADE, CRIAÇÃO, FUNDO DE ASSISTENCIA, AMBITO NACIONAL, ASSISTENCIA FINANCEIRA, VITIMA, CRIME, VIOLENCIA.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Por maiores que sejam as minhas responsabilidades, não quero deixar de exercer a função que há mais de 40 anos exerço, a minha atividade de parlamentar.

É nesse sentido que hoje apresento ao Senado Federal um projeto de lei que considero da maior importância, porque nele, pela primeira vez, estamos colocando na nossa legislação uma figura que até hoje passou em branco, que não está colocada no devido lugar quando se fala de violência no Brasil: a vítima. Precisamos proteger as vítimas.

Esse projeto procura assegurar às vítimas da violência um tratamento digno e compatível com a sua condição por parte dos órgãos e autoridades públicas. Por ele, as vítimas passam a ter o direito de serem informadas sobre os principais atos do inquérito policial e do processo judicial referente à apuração do crime, bem como obterem cópias das peças do seu interesse, serem orientada quanto ao exercício oportuno do direito de queixa, de representação de ação penal subsidiária e de ação civil por danos materiais e morais, peticionarem as autoridades públicas para manifestarem a sua opinião e preocupação quanto ao andamento e deslinde do processo, e obterem rapidamente a restituição dos seus objetos e pertences pessoais aprendidos pela autoridade policial.

O art. 3º - o projeto será publicado - define, para os efeitos desta lei, a vítima como pessoa que suporta, direta ou indiretamente, os efeitos da ação criminosa consumada ou tentada, vindo a sofrer danos físicos, psicológicos, morais ou patrimoniais. O ordenamento jurídico brasileiro ressente-se de um diploma que reúna, de forma clara e objetiva, os direitos da vítima, da violência e da criminalidade.

Pretendemos preencher esta lacuna, seja oferecendo tratamento sistemático ao tema, seja inovando o conjunto de direito das vítimas.

Inspirei-me nos documentos internacionais sobre o assunto, especialmente na Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, Resolução nº 40/34, de 29 de novembro de 1985.

Sr. Presidente:

Já havia preparado este projeto quando, hoje pela manhã, tive a noção exata do que significa o enfoque novo que estamos dando à legislação brasileira sobre as vítimas da violência.

Realizamos, esta manhã, aqui no Senado, uma reunião entre Senadores e Deputados para tentarmos um ajuste nos procedimentos acerca de projetos que tramitam na Câmara e no Senado a respeito de armas de fogo, seu porte, sua posse e sua comercialização. Houve uma longa discussão sobre o problema da violência no Brasil e chegamos a algumas estatísticas terríveis.

Em primeiro lugar, constatamos que o Brasil tem 3% da população mundial e 9% dos crimes de homicídio cometidos no mundo. Na década de 90, três milhões de pessoas foram assassinadas no mundo inteiro. No Brasil, foram duzentos e setenta mil. Esse é um dado que deve merecer uma profunda reflexão de todos nós.

Em cada dez homicídios, sete são praticados com armas de fogo. Em São Paulo apenas 30% dos crimes são investigados - apenas para citar São Paulo, o maior Estado do Brasil e que tem muito mais instrumentos do que os outros Estados para combater a violência. E unicamente 1,7% desses processos é resolvido.

Tivemos também a oportunidade de comentar foi o problema dos efeitos da violência na mocidade. Entre 10 e 14 anos, 54% dos nossos jovens já têm conhecimento de armas de fogo. Por isso as vítimas também são jovens, o que significa que a juventude está matando e morrendo.

Criou-se a idéia no Brasil de que há impunidade só no que diz respeito a crimes contra a administração pública. A consciência quase geral do País é essa, quando, na realidade, a grande impunidade que existe no País é a que esses números revelam. A terrível da falta de respeito pela vida humana faz com que tenhamos essa paisagem.

Mas verificamos que todos no Brasil se preocupam muito com o sistema penitenciário; preocupam-se todos com os direitos dos presos; preocupam-se com a qualidade de vida dessas pessoas. Existem várias associações que têm essa preocupação com os presidiários, com os autores de crimes. Existem as pastorais das penitenciárias, dos presos, mas não se vê neste País - e é este o ponto principal desse projeto - uma preocupação com as vítimas, aqueles que são diretamente atingidos pelo crime e que constitui a grande legião dos injustiçados. Que pena quando vemos, na televisão, pessoas que perderam um parente; uma mulher que teve o seu filho morto; ou que teve o seu esposo assassinado, dizendo, entre lágrimas -- quantas vezes ouvimos isso, quase todo dia --: não tenho outro sentimento, não há justiça que possa reaver um ente querido, mas quero que se faça justiça. E estamos vendo que, de acordo com as nossas estatísticas, estamos longe de alcançar essa justiça.

Vou ler o que a nossa Constituição diz a respeito dos direitos do criminoso:

Art. 5º

(.............................)

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

Mas não se fala sobre a vítima. Não acontece nada. Nem a família pode ser comunicada. Mas se assegura isso na Constituição.

Vejamos o que diz o inciso LXIII:

LXIII - o preso será informado dos seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

Não sou contra isso. Os Direitos Individuais são conquistas que, ao longo da história da humanidade, foram assegurados a todos os homens. Estou a favor. Mas quero dizer que há uma lacuna extraordinária. Não há uma palavra sobre o direito da vítima. Não há uma palavra sobre esta que é o alvo principal; aquela que, no sistema de violência que existe no País, sem dúvida alguma, é a que mais sofre e que diretamente é mais alcançada. A única referência é a do art. 245, que diz que o poder público dará assistência à vítima, e que estamos procurando atender aqui, como ponto importante para alterar essa paisagem de violência que estamos vendo, que tem a vítima como uma entidade ausente, da qual não se fala, que fica no esquecimento e só permanece na lembrança das pessoas que são atingidas diretamente por essa violência.

Este projeto que estou apresentando, baseado em princípios internacionais, pretende colocar esse problema entre nossas preocupações. Calculem, V. Exªs, Senadores e Deputados, que, no Brasil, chegamos ao absurdo de quem pratica um crime de homicídio, que tira a vida humana -- o mais grave de todos os crimes que podem ocorrer, porque, quem tira uma vida, tira o direito não somente de um destino, como também do das pessoas que estão ao seu lado, de sua família --, poder fazer sua defesa em liberdade, poder ficar solto no dia seguinte ao crime. A pessoa que tem o seu parente vitimado, a sua esposa, o filho que tem um pai assassinado, vê o assassino na rua, em qualquer lugar, defendendo-se, solto. Isso não existia na legislação brasileira; isso não existe na maioria, na quase totalidade dos processos penais do mundo inteiro.

Entretanto, nós, aqui, temos essa regra, o que se mostra também, de certo modo, um certo esquecimento, uma falta de respeito para com as vitimas de crimes. Pergunta-se: “- Mas, o Sr. Senador está falando isso agora?” “- Não”. Esse problema de autor de crime de homicídio defender-se solto foi introduzido na legislação brasileira para proteger o Delegado Fleury. O Senador Romeu Tuma está aqui, no plenário, e pode ser testemunha daquele tempo, em que havia um regime de arbítrio. O Delegado Fleury era o chefe da repressão e, em determinado momento, ele fez tantos crimes que se levantaram contra ele, em São Paulo, a opinião pública, a magistratura, o Ministério Público e a própria polícia, e ele foi denunciado por crime de homicídio. Foi feita então uma lei exclusivamente para o delegado Fleury, chamada Lei Fleury, na qual ele podia defender-se solto. Apresentei, logo depois, aqui no Parlamento, um projeto de lei acabando com ela. Como Presidente da República também lutei para que a Constituinte derrubasse o princípio, que considero um mau exemplo e que estimula a violência. Infelizmente, também durante o período da Constituinte, não tive sucesso, porque várias pressões o defenderam. Temos hoje, portanto, esse tipo de comportamento em relação ao autor do crime e, pior ainda, de esquecimento da própria vítima.

Por princípio de justiça social, entendemos que o Estado deve expressar concretamente sua solidariedade para com as vítimas de crimes violentos.

É indiscutível que a sociedade convive com um enorme déficit de segurança pública. Esse quadro atingiu proporções alarmantes, colocando em causa a própria autoridade do Estado e sua capacidade de intervir no problema. Seja como for, o debate público sobre segurança pública tem omitido a questão da assistência às vítimas da violência, preferindo refugiar-se nas tradicionais estratégias de repressão policial. Se essas medidas tornaram-se necessárias, certamente são insuficientes. O Parlamento e o Poder Executivo não podem mais se descurar da pessoa que suporta os efeitos concretos da violência.

Cito Antonio Garcia Pablos de Molina, que diz: “A vítima do delito experimentou um secular e deliberado abandono, desfrutou do máximo protagonismo, sua idade de ouro, durante a época da justiça privada, sendo, depois, drasticamente neutralizada pelo sistema moderno legal. Talvez porque ninguém quer se identificar com o perdedor, a vítima suporta os efeitos do crime, físicos, psíquicos, econômicos e sociais, assim como a insensibilidade do sistema legal, o rechaço e a falta de solidariedade da comunidade e a indiferença dos poderes públicos. No denominado Estado Social de Direito, ainda que isso pareça paradoxal, as atitudes reais em favor da vítima do delito oscilam entre a compaixão e a demagogia e entre a beneficência e a manipulação.”

Não podemos ignorar o preceito do art. 245 da Constituição Federal, que dispõe sobre hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes de pessoas vitimadas por crime doloso. Aí está um princípio ordenador desta proposta, que pretende fazer com que o poder público saia do silêncio confortável, demonstrando em termos objetivos sua solidariedade para com os reais sujeitos do conflito. Desse modo, esperamos contribuir com uma agenda positiva para o tema da segurança pública, partindo das seguintes premissas: primeira, a segurança dos cidadãos é como nunca uma questão central da vida política brasileira; segunda, a vítima merece a solidariedade do Estado, não a sua piedade ou comiseração; terceiro, os gastos orçamentários com segurança pública devem contemplar de forma crescente a assistência às vítimas de crimes violentos ou herdeiros dependentes carentes.

A proposta que faço, devo esclarecer, não fixa responsabilidade objetiva do Estado, que pressupõe ação ou omissão danosa, mas cuida de um novo modelo de assistência financeira, baseado em princípios de solidariedade social, ficando a União sub-rogada no direito de indenização da vítima contra o autor do crime até o montante da quantia repassada.

Esse é outro ponto importante. Os autores de crimes também devem ter punições pecuniárias duras e devem reverter essas sanções em benefício de um fundo de proteção às vítimas. O que existirá, portanto, é uma ajuda para minimizar as conseqüências gravosas do crime. Ainda que modesta essa ajuda contribuirá e concorrerá para a efetiva divisão social dos custos da violência.

Esse modelo assistencial - se diz - é coisa nova? Não, absolutamente. Não estamos inovando nada. Nos baseamos numa declaração que foi assinada pelas Nações Unidas em 1985.

Vários países já adotam essa legislação e cada vez mais tentam aprimorá-la, como o Reino Unido, como a Espanha, como a Austrália. Dir-se-á: são países ricos! Não, também países pobres, como a Costa Rica, já implantaram esse sistema. Eles entenderam que o combate ao crime se faz igualmente pelo combate aos seus efeitos concretos sobre as vítimas. Daí a necessidade de criação entre nós de um Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos. Nada mais razoável do que destinar as receitas provenientes das multas e fianças para as vítimas de delitos, seus herdeiros e dependentes carentes.

Devo dizer também que nesse projeto também estamos atendendo e acolhendo a hipótese da chamada “bala perdida”, em que o cidadão, de repente, se vê vítima de uma violência. O Estado, nesses casos, também tem obrigação de dar assistência a essas pessoas.

Finalmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, penso que esse assunto deve despertar a maior atenção de todos nós, está inserido dentro do contexto do painel da violência e é um novo enfoque que estou propondo ao País, de que tenhamos a motivação moral, de todos nós, de não olharmos só para os criminosos, também de olharmos para a vítima, que é realmente a pessoa mais desprotegida dentro desse processo da violência no Brasil, e até hoje ficamos todos focalizados na direção do criminosos, esquecendo a outra parte, a vítima.

Na reunião de que participamos hoje com o Sr. Ministro da Justiça, tivemos oportunidade de tratar deste assunto. E mais ainda, achar que podem ser adotadas algumas medidas que não sejam só de natureza filosófica, que não sejam só de natureza conceitual.

Por exemplo, esse problema das armas. Hoje estamos nos reunindo e vamos ver se damos uma contribuição - o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal - vamos fazer todos um esforço, junto a nossas Bancadas, a nossos companheiros, para que, numa união, neste período de julho tenhamos a satisfação de sairmos com um projeto resolvendo esse problema de armas, que é permanente, dentro das nossas casas. Temos 57 projetos de lei tratando desse tema. A Comissão já está constituída para fazer um projeto único, prejudicando todos os outros, uma vez que esse seria de consenso. Não vamos com isso pensar que estamos desprezando a iniciativa legislativa. Sabemos perfeitamente o que significa para cada legislador ter a iniciativa de um projeto de lei, mas, dentro desse projeto comum, colocaríamos as idéias que estão em circulação nas nossas Casas.

É claro que hoje temos que tomar uma providência drástica sobre o problema das armas. Verificamos que 75% - vou repetir - dos crimes existentes no País são resultantes de armas de fogo, que às vezes estimulam o crime, porque uma pessoa armada - e há uma aliança entre a arma e o álcool, muitas vezes, mostram as estatísticas - é levada a cometer crimes, ainda mais sabendo que pelos crimes cometidos os homicidas podem defender-se soltos e as vítimas são condenadas a um esquecimento total e não têm proteção de nenhuma natureza.

Por outro lado, também solicitamos ao Sr. Ministro da Justiça - e foi uma idéia do Congresso proposta ao Ministro - que façamos, enquanto a lei sobre armas não chega, um mutirão nacional, um dia por mês, dos Estados, Municípios, Governo Federal, para revista, apreensão, busca de armas. Acredito que uma providência dessa natureza, embora pareça pequena dentro do problema global, ajudará muito a diminuirmos o número dos armados e de armas a serviço do crime no País. Evidentemente que o problema do crime organizado é muito mais complexo, merece ações muito mais heróicas, que certamente estão sendo equacionadas pelo Governo e pensadas por todos nós.

Ouço o Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Sr. Presidente, sei que o aparte não poderia mais ser concedido, mas agradeço a V. Exª por esta oportunidade. Ainda hoje, tivemos a reunião sobre o problema das armas, a que V. Exª se referiu, na qual foram tratadas algumas variantes sobre o aumento da violência e a execução da legislação vigente, que depende do Estado. O projeto de V. Exª - é claro que temos de aprofundar o estudo - é estimulante. Primeiro, no art. 3o, V. Exª já define o que é a vítima. Até hoje, em meus 50 anos de trabalho, embora saiba o que é uma vítima, nunca vi um estatuto trazer a definição de vítima. E V. Exª cuida disso. Então, trata-se de um estatuto de defesa da vítima da violência, porque entra por todos os meandros, permitindo que o cidadão de bem, ao sofrer qualquer tipo de agressão, qualquer tipo de violação da legislação penal, não mais tenha grande dificuldade em fazer a queixa e acompanhar de perto a evolução do processo daquele que o fez vítima. V. Exª cuida disso e cuida, inclusive, da possibilidade de simulação em informações ou documentos falsos; a reversão do processo. Portanto, é um brilhante estatuto de proteção às vítimas. Sabemos que a Vitimologia é um estudo recente dos criminólogos, que agora começaram a estudar o que é a vítima e quais as suas dificuldades no enfrentamento da criminalidade. Creio que temos de dar urgência a esse projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. V. Exª leu na Constituição os direitos do preso. A Subcomissão de Segurança - criada pelo Senador Edison Lobão - tem feito um trabalho brilhante. Criou a Certidão do Tempo de Cumprimento de Pena, para atender a uma das grandes reclamações dos presos, que não sabem quando terminam as suas penas, há quanto tempo as estão cumprindo e se têm ou não direito a algum benefício. É claro que, em determinados tipos de crime, não se pode responder em liberdade, porque um criminoso, um homicida, que pratica latrocínio, tem, no mínimo, uma pena de 30 anos para cumprir. Como essa é a soma total que ele terá de cumprir, tudo o que ele fizer, quaisquer outros crimes que praticar, serão lucro.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Para concluir, quero cumprimentar V. Exª e pedir urgência, pedir que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania mande a Plenário, o mais rápido possível, esse projeto.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Agradeço o aparte de V. Exª, que tem o aval da brilhante carreira de um homem dedicado justamente à segurança pública deste País. V. Exª conhece essa área e faz uma revelação que é a síntese de todo o projeto que apresentei: não existe, na legislação brasileira, uma definição sobre o que é a vítima. Isso mostra o quanto desprezamos essa figura, que é o objeto total da violência.

Este projeto está apenas levantando um debate, que considero útil, sobre o problema da violência, para que uma pessoa que comete um ato criminoso não pense apenas que está em um ato isolado contra um outro, mas que pense: “com esse ato que estou praticando, esse ato criminoso, estou liquidando uma vida, estou destruindo uma família”.

Entendo importante criar-se neste País a concepção do dano que está sendo feito, o que, sem dúvida, passará a ser também um instrumento contra a violência.

Sr. Presidente, peço licença a V. Exª. Eu também costumo ser rígido no tempo, mas não quero desmerecer os meus Colegas. Pedindo que sejam breves, ouvirei os aparte dos nobres Senadores Aloizio Mercadante e Fernando Bezerra.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. Fazendo soar a campainha.) - A Mesa reputa de grande importância não só a apresentação do projeto, como o discurso de V. Exª, Presidente José Sarney, e pede apenas aos aparteantes - que são muitos - que todos se mantenham dentro do prazo de dois minutos. Assim, logo em seguida, poderemos ouvir a conclusão do importante pronunciamento do Presidente José Sarney e o pronunciamento do Líder Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Aloizio Mercadante (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente José Sarney, em primeiro lugar, parabenizo V. Exª, inicialmente, por assumir, junto com o Governo do Presidente Lula, a tarefa, na Convocação Extraordinária, de estabelecer uma nova legislação. O Estatuto do Desarmamento busca proibir o porte de armas e restringir, de forma severa, a posse doméstica das armas, inibindo a comercialização e combatendo, de forma corajosa, o contrabando de armas, para construir uma cultura de paz, inclusive o mutirão pelo desarmamento. Neste momento, eu quero parabenizá-lo ainda por propor a regulamentação do art. 245 da Constituição. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, os horrores dos campos de concentração criaram dois movimentos fundamentais na segunda metade do século XX: o movimento de defesa dos direitos humanos e o movimento de proteção às vítimas. É verdade que, na administração Nixon, houve uma dissociação desses dois movimentos, porque a campanha republicana conservadora tratava a luta pelos direitos humanos como aliança com o bandido e contra as vítimas. Hoje, no Brasil, há um esforço recente, com o compromisso do Governo, que seguramente dará prosseguimento à iniciativa que V. Exª propõe: estamos promovendo um reencontro do movimento dos direitos humanos com o movimento de proteção às vítimas. Desde 1985, a Resolução nº 4.043, da ONU, estabelecia exatamente as prerrogativas das vítimas, um conjunto de direitos e responsabilidades do Poder Público frente às vítimas. Reforço o que foi dito: o Canadá, em 1988; Portugal, em 1991; Espanha e Reino Unido, em 1995; Bélgica, em 1997; Austrália e África do Sul, em 1998; França, em 1999; Israel e Austrália, em 2001, estabeleceram estatutos de proteção às vítimas. O Brasil está atrasado nessa iniciativa, mas, em boa hora, o projeto estabelece o direito à informação sobre o processo, à assistência médica, à reparação pelos danos morais e patrimoniais sofridos, põe o foco no conflito que gerou o crime doloso. Que não aconteça apenas a prisão do criminoso, mas que haja um conjunto de políticas que resgatem o direito das vítimas perante a sociedade. Essa é uma dimensão de cidadania, um tema fundamental que deve fazer parte do grande compromisso do Governo Lula com a Secretaria de Segurança Pública, com o aumento do efetivo da Polícia Federal em 1.500 homens, a construção dos presídios de segurança máxima, a criação do sistema nacional de segurança.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Aloizio Mercadante (Bloco/PT - SP) - Concluo, Sr. Presidente. Precisamos abandonar essa estatística estarrecedora segundo a qual o Brasil hoje tem entre 9% e 13% dos homicídios do planeta, tendo apenas 2,8% da população. As vítimas que aí estão abandonadas passarão a ter um estatuto legal, um amparo e uma política firme da sociedade brasileira, para sua defesa, buscando esse reencontro promissor entre os direitos humanos e o movimento de proteção às vítimas. Parabéns pela iniciativa, que contará seguramente com todo o apoio e empenho do Governo do Presidente Lula, para que possamos estabelecer esse novo estatuto, que será um passo decisivo nessa cultura de paz, de combate à violência e resgate dos direitos de cidadania das vítimas da violência na nossa sociedade.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Agradeço, Senador Aloizio Mercadante, o seu aparte, que enriquece profundamente o meu discurso. Peço que meus Colegas sejam breves, porque eu não quero ser transgressor daquilo que tantas vezes peço a todos, que é respeitar o tempo.

Concedo o aparte ao Senador Fernando Bezerra; em seguida, ao Senador Renan Calheiros, autor de um projeto brilhante também nessa direção, proibindo a comercialização de armas no Brasil, projeto que tem minha grande simpatia. Hoje, é quase um consenso nesta Casa que ele seja submetido a um plebiscito nacional.

Concedo o aparte ao Senador Fernando Bezerra.

O Sr. Fernando Bezerra (Bloco/PTB - RN) - Presidente José Sarney, certamente não tenho as condições técnicas aqui mostradas pelo Senador Romeu Tuma na discussão do projeto. Com minha formação de engenheiro, isso não seria possível, mas tenho sensibilidade para cumprimentar V. Exª pela iniciativa do projeto. Ainda ontem, eu via no noticiário da televisão uma brutal violência cometida contra um cidadão por rapazes de classe média alta do Rio de Janeiro. Fiquei a imaginar que esses rapazes, como V. Exª colocou, devem estar, depois de prestar o depoimento inicial, livres, enquanto a vítima certamente vai ficar paralítica, trazendo uma série de problemas à sua família. Eu próprio fui vítima dessa violência quando perdi, de maneira brutal, um sobrinho e vejo quanto sofrimento isso causou a minha irmã e sua família. De modo que cumprimento V. Ex.ª para dizer do apoio integral que lhe damos. Sugiro que deva tentar novamente a revogação da Lei Fleury. Vamos todos apoiá-lo para que discutamos a questão das armas e da violência que hoje domina grande parte da sociedade brasileira.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Fernando Bezerra pelo seu aparte.

O Senador César Borges havia solicitado um pouco antes, mas estava olhando nesta direção e não quero ser injusto com S. Exa.

O Sr. César Borges (PFL - BA) - Agradeço-lhe, Presidente José Sarney. Quero parabenizá-lo pela iniciativa que traz e que, com certeza, preencherá uma lacuna na legislação brasileira. Nesse momento tão importante em que o País exige um combate intransigente à violência e ao crime organizado, V. Ex.ª traz uma feição nova. V. Exa fala em proteger a vítima que, muitas vezes, tem necessidade de receber assistência médica e psicológica porque são arrimos de família que são retirados. Cumprimento-o também por tratar dos recursos a serem gerados pela criação do Fundo Nacional de Assistência às Vítimas de Crimes Violentos. Sugiro a V. Exa que nesse fundo fossem também alocados recursos dos agressores, principalmente dos integrantes do crime organizado, os quais, de certa forma, seriam seqüestrados pelo Estado para dar assistência às vítimas. De qualquer forma, parabenizo V. Exª pela iniciativa. V. Exª começa a desfraldar essa bandeira, criando a Comissão que hoje pela manhã se reuniu. E agora, com o projeto de combate à violência, no sentido de dar mais tranqüilidade à população brasileira. Parabéns, Presidente José Sarney.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador César Borges. A V. Exª que nesta Casa tem sido um estudioso no assunto digo que também essa hipótese está contemplada no projeto. Trata-se de uma fonte de recursos prevista no futuro fundo.

Ouço o Senador Renan Calheiros.

O Sr. Renan Calheiros (PMDB - AL) - Presidente José Sarney, parabenizo-o pela iniciativa do projeto e pela maneira como V. Exª se preocupa com as vítimas, oferecendo-lhes reparação, assistência médica e proteção. Não fazia sentido algum que nada existisse em nossa legislação com relação ao tema. O Líder Aloizio Mercadante já o disse muito bem. O mundo avançou bastante nesse sentido. Precisamos avançar também. Da mesma forma que, de público, cumprimento-o pela maneira como tem conduzido o tema de segurança pública, especialmente em relação à restrição da venda e do uso de armas no Brasil. Os progressos alcançados ocorreram em função da condução de V. Exª, que instalou uma Comissão Mista. Avançamos muito no sentido de podermos votar brevemente um substitutivo congregando o que há de melhor em todos os projetos que tramitam no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Parabéns.

O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Muito obrigado, Senador Renan Calheiros. Já tive a oportunidade de elogiar a participação de V. Exª no debate em relação ao assunto. Agradeço a todos os Srs. Senadores. Esse não é um projeto acabado, é apenas o início, a colocação de um tema no debate sobre a violência no Brasil. E, de acordo com meu temperamento e com minha visão, coloco o lado humano, que o cotidiano da violência embrutece em cada um de nós, olhando apenas o lado das armas, o lado cruel em que as pessoas se digladiam, esquecendo o ponto fundamental, que é o ser humano, a vítima de todas as vítimas.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2003 - Página 17362