Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade da retomada do crescimento e da capacidade de investimento do Estado brasileiro para reverter o quadro de desigualdade e injustiça social.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ECONOMIA NACIONAL.:
  • Necessidade da retomada do crescimento e da capacidade de investimento do Estado brasileiro para reverter o quadro de desigualdade e injustiça social.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2003 - Página 17558
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL, MOTIVO, DEFICIENCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PAIS.
  • ANALISE, MOTIVO, PARALISAÇÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, SETOR, RELEVANCIA, PROGRESSO, PAIS, FALTA, COMPROMETIMENTO, CONCESSIONARIA, INVESTIMENTO, AREA, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, PREVIDENCIA SOCIAL, MANUTENÇÃO, TAXAS.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, PAIS, REDUÇÃO, DESEMPREGO, DESIGUALDADE SOCIAL, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE, ENERGIA ELETRICA, VIABILIDADE, RETORNO, CRESCIMENTO, ECONOMIA, BRASIL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o noticiário de ontem da imprensa dá conta de um progresso modesto, nada que seja motivo de grande satisfação, na classificação do Brasil no chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apurado pela ONU. Trata-se, realmente, de uma melhoria que, aliás, vem ocorrendo desde 1975, quando começaram essas apurações. O Brasil tem feito crescer o seu Índice de Desenvolvimento Humano, especialmente naquilo que decorre do acesso à educação, que, realmente, em nosso País, tem progredido de forma confortadora e promissora.

Mas, trata-se, na verdade, de um crescimento muito modesto ainda dentro de um quadro que é assustador, que mostra uma sociedade profundamente doente, vítima de uma doença monstruosa, teratológica, que é a deformidade da distribuição de renda e de riqueza em nosso País. Uma sociedade que continua colocando à margem de todo progresso que se realiza - e há progresso sendo realizado no Brasil - cerca de 80% da sua população mostra que se trata de uma sociedade inviável. Quer dizer, é inviável pensar-se numa descontinuidade desse processo sem que as causas dessa teratologia sejam removidas e a sociedade brasileira se reencontre com um conceito mínimo de justiça.

E é possível resolver isso? Claro que é possível. O Governo começa a dar os primeiros passos importantes nessa direção, procurando incluir na economia uma margem enorme de pessoas. Em torno de 20 a 30 milhões de brasileiros que estavam completamente fora do processo econômico começam a ser incluídos, com a criação dos fundos para microcrédito, com um financiamento melhor à agricultura familiar, enfim, uma série de medidas que são concretas, objetivas e muito importantes.

No entanto, o elemento fundamental é o crescimento econômico. Há vinte anos o Brasil não tem crescimento econômico e, sem crescimento, não é impossível, mas é extremamente difícil melhorar este quadro social. Seria quase exigível que houvesse uma revolução que tirasse de uns para dar para outros. Isso sabemos que é impossível obter-se num regime democrático sem cometer injustiças imprevisíveis e muito grandes.

O fato é que a economia brasileira, que já obteve um crescimento de 7%, 8%, durante muito tempo, que foi a campeã do crescimento econômico nos anos 50 e 60, entrou num compasso de espera que não é inexplicável, que se deve exatamente à retração do Estado. Trata-se desse preconceito, este conceito ditado de fora para dentro, sobre a intervenção do Estado. O Brasil nunca havia se pautado nesse preconceito em relação à presença do Estado; muito ao contrário, o Estado sempre foi parceiro da iniciativa privada. A criação das empresas mistas e das empresas estatais, que combinam capital privado e público, foi um êxito extraordinário, foi uma das alavancas no processo de crescimento do Brasil. Mas, do final dos anos 80 para cá, deu-se essa freada, essa retração do Estado, do investimento público, do gasto público e, em função disto, a economia entrou em recesso.

Há uma série de fatores, inclusive culturais, que são importantes. A cultura empresarial, a cultura do processo econômico tem raízes muito profundas na sociedade. E, nesse quadro de cultura econômica, o gasto público e o investimento do Estado, especialmente em infra-estrutura da economia, são como um sinal, uma senha para o desenvolvimento do próprio investimento privado, nacional e estrangeiro, porque até mesmo os investidores estrangeiros esperam essa senha, esse sinal dado pelo Estado no avanço do investimento público especialmente em infra-estrutura. O Brasil, nessa caminhada de retirada do Estado, privatizou setores essenciais, fundamentais, imprescindíveis, retirando-se, em matéria de investimento, dos setores de transporte, de energia elétrica, de telecomunicações. Essas privatizações foram desastrosas.

Ainda hoje estive com o Ministro Miro Teixeira, e as queixas de S. Exª em relação ao comportamento das empresas telefônicas é algo muito preocupante. Esse também é o caso da energia elétrica. O transporte ferroviário está se revelando como outra fonte de engargalamento da economia brasileira por causa das privatizações realizadas sem compromisso e sem a presença do Estado, sem a presença do investimento estatal como senha promotora, estimuladora do investimento privado. Esses investimentos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não serão feitos. É necessário, então, recuperar a capacidade de investimento do Estado, recuperar urgentemente, para retomar o crescimento não a 3.5%, 4%, mas a 5% ou 6%. Assim, estaremos gerando oportunidades de emprego necessárias para conter essa tensão, que hoje se fala que está no campo, mas está também na cidade.

Há muito se vem falando em geração de comportamentos de criminalidade. Isso, no fundo, reflete uma tensão na sociedade, nessa sociedade monstruosa, que é a brasileira. Essa tensão só se resolverá com um crescimento grande, que parta das decisões governamentais de investir em infra-estrutura especialmente.

Na verdade, esse gasto público no Brasil e o investimento público têm sido trancados por alguns fatores que o Governo está procurando destrancar para ter condições, ter disponibilidade de investimento. São especialmente três fatores que hoje estão trancando o gasto público, trancando o orçamento da Nação, impedindo que ela se volte para a retomada dos investimentos, especialmente em transporte e energia. Um deles é o grande gasto da Previdência. Não há como deixar de concordar com isso. Pode-se ficar discutindo se há ou não o déficit na seguridade social, mas o fato é que os gastos com a Previdência são muito grandes, e isso está trancando a capacidade de investir recursos públicos em infra-estrutura no Brasil. Esse é um fator que está sendo resolvido agora, é motivo de negociações. É claro que o governo vai ceder em relação ao que propôs. Entretanto, é necessário reconhecer que é imperioso reduzir-se o gasto com a Previdência, a fim de liberarem recursos para investimento público, gerador de empregos, gerador de melhoria salarial, gerador de justiça social neste País.

A outra tranca muito forte no gasto público e no orçamento é o dispêndio com juros. Srªs e Srs. Senadores, isso é uma calamidade! Há uma expectativa geral de toda Nação no sentido de que se confirme aquela tendência à redução dos juros - que não só se confirme como se acentue a tendência ao decréscimo dos juros. Claro que não pode haver um corte abrupto e violento, mas uma manifestação firme de decisão política, que não é técnica, que não pode ficar submetida a trancamentos inteiramente teóricos, que tem que considerar a realidade do País, que é o desemprego crescente. O bicho-papão deste País não é a inflação, mas o desemprego, é exatamente essa face teratológica da nossa sociedade, das monstruosidades em matéria de distribuição. Esse é o bicho-papão. O bicho-papão é a teratologia na conformação da sociedade brasileira; não é a inflação.

Evidentemente, nenhum de nós quer que o processo de inflação retome aquele enlouquecimento que teve no passado; e é preciso controlar isso, sim. O governo esteve ameaçado nos primeiros meses de uma verdadeira desestabilização, teve que aplicar com mão firme os freios monetários e fiscais para impedir a explosão desse processo, mas agora é chegado o momento de reduzir os juros, sim, e possibilitar não só uma melhoria na microeconomia das empresas brasileiras, mas especialmente liberar recursos orçamentários, recursos públicos que estão sendo hoje desviados num processo de transferência de renda brutal para o setor financeiro, para os rentistas de um modo geral, não só os bancos, mas toda aquela minoria de brasileiros - 1% ou menos - que aplica dinheiro e obtém rendimentos enormes nessa aplicação meramente financeira e especulativa. Essa é, portanto, a segunda tranca que tem que ser destrancada. Toda a sociedade brasileira, toda a população e a opinião pública estão esperando. Acredito firmemente no que já declarou o Ministro da Fazenda e o próprio Presidente da República: a queda dos juros é processo irreversível a partir da próxima reunião do Copom.

O terceiro fator de trancamento, Sr. Presidente, é o chamado superávit primário, que também tem razão de ser. Concordo em que o governo tinha que, neste caso, puxar com força, com violência e com firmeza o freio do gasto público na medida em que a relação dívida pública/PIB estava muito elevada. Chegou ao fim de dezembro acima dos 65%. Quer dizer, é inviável o prosseguimento desse processo. Era necessário estancá-lo, foi estancado, mas, agora que essa relação caiu para níveis suportáveis e razoáveis, está na hora, também, de, a partir do próximo ano, projetar um superávit fiscal, um superávit primário menor do que esses 4,25%.

Há uma expectativa nacional também nesse particular, porque essa é a terceira tranca que está impedindo a retomada dos investimentos, jogando a economia brasileira num quadro de insuficiência de infra-estrutura de transporte e possível insuficiência de suprimento de energia elétrica em três ou quatro anos, o que constitui, aí sim, um gargalo fundamental.

Ainda hoje, assistimos a uma exposição magnífica do Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento mostrando, com clareza, que há todas as condições de manutenção de um processo vigoroso de crescimento da nossa produção agropecuária. O Brasil se tornou, efetivamente, uma potência agrícola do mundo, mas tudo isso está ameaçado pelos gargalos no setor de transportes, que estão impedindo a realização do seu enorme potencial de crescimento.

O Brasil ainda tem por ocupar, economicamente, na agricultura, uma área maior do que ocupa atualmente - em torno de 55 milhões de hectares. O Brasil pode, em termos de área, duplicar a sua produção, sem contar com os expressivos aumentos de produtividade, à custa exatamente dos investimentos feitos em produtividade, a partir da nossa empresa voltada para a pesquisa agrícola, a Embrapa.

Sr. Presidente, creio que é a hora propícia para esta discussão, porque estamos votando e decidindo a redução de gastos na Previdência; estamos decidindo a redução de juros; e temos de começar a decidir, para o ano próximo, a redução também do superávit fiscal, que não pode continuar no nível em que está, porque não tem mais sentido, na medida em que a relação da dívida com o PIB também já ganhou outro patamar mais baixo.

Dessa forma, basta destrancar o Orçamento, elevar o gasto público e orientá-lo para a infra-estrutura econômica, que vamos assistir, sim, ao chamado espetáculo do crescimento. É quase uma relação matemática, uma conseqüência certa de uma ação governamental que está, a essa altura, à nossa disposição para ser tomada.

O Brasil tem vocação e crescerá certamente a 6 ou 7% ao ano, com capacidade de gerar empregos e aliviar toda essa tensão, que não está preponderantemente no campo, mas que está principalmente nas grandes cidades. Com isso, temos de continuar tomando e acentuando as chamadas medidas redistributivas, incorporar uma multidão de brasileiros - microempresários, empresários, pessoas físicas - que vão ter agora, pela primeira vez, o microcrédito à disposição, a juros razoavelmente baratos para esse tipo de atividade. Microcrédito em todo o mundo tem juros muito altos, de 3% a 4% ao mês. Aqui, esses juros vão ser rebaixados a 2%, o que vai facilitar enormemente a agregação de uma multidão de brasileiros, assim como na agricultura familiar e na criação de fundos de microinvestidores. Quer dizer, agregando ao mercado de capitais, também, brasileiros modestos que não têm recursos para participar dos grandes fundos, mas vão participar dos fundos voltados para microinvestidores.

E é claro que a retomada do chamado crescimento vai estimular também a geração de empregos. É importante reafirmar o compromisso do Presidente Lula com a geração de dez milhões de empregos. Nós não vamos abrir mão desse compromisso, que é factível e viável; não é nenhum sonho ou proposta demagógica, não.

Agora, existe, sim, um crescimento substancial. Com 3% a 3,5% ao ano de crescimento, é claro que não se atingirá essa meta. Mas, com crescimento de 6%, 6,5% a 7% ao ano, atingiremos, sim. E isso é viável, desde que se retome o investimento público; que o BNDES continue a ser a alavanca desenvolvimentista que é; que a Petrobras continue orientando a produção para o território nacional; e que a nossa pesquisa científica e tecnológica ganhe também as dimensões que está começando a ganhar. É inteiramente factível, um compromisso que temos de reafirmar, e o fazemos com muito gosto e com muita convicção, na medida em que seja destrancado o gasto público e o Governo volte a investir naqueles setores fundamentais.

Também, é claro, dentro do mesmo propósito e da mesma diretriz da redistribuição, a reforma agrária. A reforma agrária hoje está em pauta porque, passados seis meses sem que houvesse uma correspondente retomada do investimento na reforma agrária, o Movimento dos Sem-Terra protestou, compreensivelmente, com toda razão. Coube, então, ao Presidente fazer o que fez: chamá-los para uma conversa e reafirmar o compromisso de aceleração da reforma agrária.

Entretanto, reforma agrária também exige gasto público; não é um investimento barato; é um investimento caro, que precisa de recursos, de um Orçamento destrancado, com a redução dos gastos da Previdência, com a redução dos gastos com juros e com a redução do chamado superávit primário, que perdeu o sentido na medida em que a relação da dívida com o PIB chegou a um patamar razoável.

Era isso, Sr. Presidente, que queria dizer hoje desta tribuna, agradecendo a boa vontade de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2003 - Página 17558