Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Violência social no Brasil.

Autor
César Borges (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: César Augusto Rabello Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Violência social no Brasil.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2003 - Página 17560
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), REGISTRO, CRESCIMENTO, NUMERO, HOMICIDIO, CAPITAL DE ESTADO, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUMENTO, INDICE, MORTE, CRIME, JUVENTUDE.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, COMBATE, VIOLENCIA, REGISTRO, EMPENHO, SENADO, AGRUPAMENTO, APRECIAÇÃO, PROJETO DE LEI, DESTINAÇÃO, MELHORIA, SEGURANÇA PUBLICA, PROTEÇÃO, VIDA, CIDADÃO.
  • COMENTARIO, JUSTIFICAÇÃO, IMPORTANCIA, PROJETO DE LEI, REFORÇO, LEGISLAÇÃO, PORTE DE ARMA, PROIBIÇÃO, FABRICANTE, COMERCIALIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, BRASIL.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na segunda-feira próxima passada, estive aqui desta tribuna falando sobre o crime organizado; o tráfico ilegal de drogas; a maneira como as nossas fronteiras estavam desguarnecidas - nosso espaço aéreo e nossos portos; e a necessidade iminente de as Forças Armadas entrarem neste controle, inclusive colocando em vigor a Lei do Abate, aprovada pelo Congresso Nacional em 1998, e que até hoje não foi regulamentada.

No entanto, Sr. Presidente, é necessário distinguir o crime organizado, o tráfico de drogas e o tráfico ilegal de armamentos para este País da violência urbana, que, infelizmente, traz também intranqüilidade à população brasileira, ceifando milhares de vida de jovens brasileiros de 16 a 24 anos.

Por isso, volto à tribuna nesta tarde para dar seguimento a essa discussão. Trata-se de tema relevante, que, felizmente, vem merecendo a consideração e a reflexão de todos os Parlamentares desta Casa. A violência social é um problema que envolve muitos aspectos da sociedade e, hoje, felizmente, o próprio Presidente desta Casa, Senador José Sarney, em conjunto com o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha, constituiu uma comissão mista das duas Casas para, em regime de urgência urgentíssima, apresentar um substitutivo às matérias que tramitam no Senado Federal. O objetivo é que, ainda neste período de convocação extraordinária, possam ser apresentadas medidas legislativas que dêem tranqüilidade aos cidadãos, que façam efetivamente o combate à violência urbana. Essa é uma questão que não pode mais esperar. A população exige providências imediatas que permitam a construção de uma sociedade livre, mais justa e mais solidária.

É preciso, em primeiro lugar, diferenciar crime organizado de violência social. Nossos índices de violência são preocupantes, alimentam-se do crime organizado, mas seu combate exige estratégia diferenciada.

Tanto quanto no combate ao crime organizado, também aqui enfrentamos uma situação de emergência que dispensa medidas paliativas ou mesmo, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a omissão dos homens públicos, em particular, dos parlamentares.

Segundo estudo do IBGE que o Brasil apresentou, em agosto do ano passado, no Fórum Mundial Rio + 10, em Joanesburgo, a taxa de assassinatos teve aumento de 37%, somente entre 1992 e 1999. O índice de mortes por 100 mil habitantes saltou de 19,12 para 26,18 nesse mesmo período, afetando sobretudo os nossos jovens, que estão matando e morrendo, principalmente na faixa etária de 16 a 24 anos.

O relatório do IBGE apresenta dados que exigem cruzamentos para melhor entendimento. No Nordeste, por exemplo, há índices que alcançam 55 homicídios por 100 mil habitantes em Pernambuco, passando por 20 em Alagoas, e apenas 7 na Bahia. Do mesmo modo, Santa Catarina tem a metade, 7,36, da taxa de homicídios do Rio Grande do Sul, que é de 15 por 100 mil.

Também Estados com índices de violência parecidos, como Pernambuco, Rio e Espírito Santo - entre os mais altos do País, na faixa de 51 a 55 homicídios por 100 mil habitantes -, apresentam nível de renda bastante diferenciado.

Apresento esses números para dizer que independe da riqueza ou pobreza de um determinado Estado o número de homicídios. Percebe-se isso claramente: a violência não está marcada pela pobreza, porque há regiões pobres com baixo índice de homicídios, e ricas, como é o caso do Estado de São Paulo, com altos índices, mas em todo o Brasil há, como vimos, uma clara elevação da violência social, sem que se tenha uma estratégia clara, definida, objetiva e persistente dos poderes públicos, especialmente do Poder Executivo, para combatê-la, para enfrentá-la.

De certeza, temos que todo o País vive uma devastadora elevação da violência social, sem que exista uma estratégia nacional para enfrentá-la.

Em 2001, o Governo Federal apresentou o Plano de Prevenção da Violência Urbana, que seria operado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, prevendo ações nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória, com prioridade para a faixa etária abaixo de 24 anos, a mais atingida pela violência. Entretanto, não soubemos de nenhuma ação efetiva desse tal plano.

As Nações Unidas, por outro lado, têm proposto, nos últimos congressos, a necessidade do controle das armas de fogo para prevenir a delinqüência e garantir a segurança pública, buscando incentivar a questão através de campanhas públicas permanentes e também através de uma permanente atualização da legislação.

O Brasil avançou na parte de legislação, criando em 1997 o Sinarm, o Sistema Nacional de Armas de Fogo, cujo principal objetivo foi criminalizar o porte ilegal de armas, ainda que tolerando sua concessão a pessoas comuns, que poderiam ter a sua arma com o devido registro.

A legislação, entretanto, não freou o aumento da violência urbana, porque não tocou no cerne do problema, que é a relativa facilidade de acesso a armas através de uma livre comercialização, inclusive sob o manto da ilegalidade. Além disso, a criminalização do porte ilegal não intimidou os usuários ilegais, que sequer ficaram presos após o flagrante - mesmo com o flagrante eles não podem ficar presos, face à pena que existe na legislação do Sinarm, a Lei nº 9.437.

Em função disso, a Subcomissão de Segurança Pública do Senado - em boa hora instalada sob a inspiração do Senador Tasso Jereissati, seu Presidente, e do Senador Edison Lobão, Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania -, da qual tenho a honra de fazer parte, ao lado de mais sete senadores, achou por bem aprovar o Projeto de Lei nº 138, de 1999, que melhora a legislação do Sinarm, com emenda minha acabando com a liberdade provisória para os flagrantes de porte ilegal e tráfico de armas. O projeto também foi aprovado em caráter terminativo na CCJ e será encaminhado à Câmara dos Deputados.

A Subcomissão de Segurança Pública, em sintonia com a sociedade, também aprovou recomendação para que o Senado priorize os projetos que restringem a posse de arma, entre eles o substitutivo ao PLS nº 292/99, que acaba com o porte de armas e mantém somente o porte funcional e o porte institucional.

A propósito, Sr. Presidente, a presente convocação extraordinária está calcada no problema da segurança. Os Projetos de Lei nºs 138, 292, 202 - este de autoria do Senador Renan Calheiros - estão na pauta desta convocação extraordinária. Se o Congresso Nacional aprovar esses projetos, o cidadão comum terá direito somente a manter em casa arma registrada, mas isso apenas se estiver habilitado e não tiver ficha criminal, e desde que assuma os riscos de acesso à arma por parte de crianças e pessoas não-habilitadas de sua própria família, sob pena de responder criminalmente por eventual acesso indevido à arma de fogo sob sua responsabilidade. O projeto do Senador Renan Calheiros, o mais recente, impede a fabricação e comercialização de armas no Brasil.

Srªs e Srs. Senadores, alguns desses projetos estão no Congresso há três ou quatro anos, com a tramitação travada. Quantas mortes teriam sido evitadas se esses projetos tivessem sido aprovados e implementados?

A decisão do Presidente Sarney de criar a Subcomissão Mista de Segurança Pública durante a convocação extraordinária do Congresso representa oportunidade ideal para uma ampla e rápida discussão de todas essas matérias.

Quero conceder um aparte ao nobre Senador Romeu Tuma, que é um especialista no assunto e membro da subcomissão criada pelo Presidente José Sarney.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador César Borges, eu gostaria de testemunhar a qualidade do trabalho que V. Exª tem desenvolvido nesta Casa no que diz respeito à segurança. Poderia me surpreender o fato de que V. Exª tem trabalhado em profundidade na busca de pelo menos se aproximar do ideal para dar mais tranqüilidade e segurança à população tão amedrontada nos nossos dias se eu não soubesse da qualidade do seu trabalho à frente do Governo da Bahia no que diz respeito à segurança pública. V. Exª traz um histórico importante para esta Casa, e é importante que todos tenham conhecimento das comissões de que V. Exª tem participado na busca de uma legislação mais correta para enfrentar a situação atual. V. Exª rebuscou nesta Casa projetos que estavam dormitando - às vezes há mais de três anos - e os trouxe à baila para interligá-los e extrair o que é essencial para a população. Por que é importante a legislação nesses aspectos que V. Exª levanta? Porque o Ministério Público e o Poder Judiciário têm que se basear em uma força da constituição da prova e em uma matéria jurídica elaborada pelo Legislativo que forneça meios para a acusação e a condenação correspondente. Caso contrário, fica-se num processo de prender e soltar o criminoso. Futuramente, a responsabilidade será diluída, ninguém saberá por que o bandido volta a delinqüir praticamente no dia seguinte ao que foi solto, mesmo respondendo a dez ou quinze processos ou inquéritos policiais. Portanto, quero aplaudir, com emoção, o trabalho de V. Exª, porque tenho certeza de que um homem com a seriedade de V. Exª está fazendo o melhor, sem demagogia e sem buscar os holofotes. E vou apoiar as soluções que V. Exª tem apresentado nas comissões das quais tenho o prazer de fazer parte, e naquelas que acompanho pela televisão, pois delas não posso participar por ser membro da Mesa.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Senador Romeu Tuma, agradeço a V. Exª pelo aparte. Esse é um trabalho de vários Senadores e Deputados interessados no assunto, como o Presidente da Subcomissão de Segurança, o Senador Tasso Jereissati, e vários de seus membros, dentre os quais destaco o Senador Demóstenes Torres, que tem relatado vários projetos, principalmente o da Lei de Execução Penal. Temos obtido avanços.

Essa questão ganhou dimensão nacional, redundando na criação, pelo Presidente José Sarney, da subcomissão que irá acelerar a análise desses projetos de lei, de forma que, ainda neste mês - esse é o desejo do Presidente Sarney -, possamos ter um substitutivo.

Na próxima terça-feira, o Presidente dessa comissão mista, o Senador Edison Lobão, e o Relator, o Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, apresentarão uma síntese de todos esses projetos.

Creio que a sociedade nos exige isso e estaremos cumprindo o nosso papel no momento que dermos ao Executivo e ao Judiciário essa legislação aperfeiçoada que trará mais tranqüilidade à população brasileira.

Portanto, precisamos encontrar um consenso no Congresso para que as discussões do tema progridam. Neste instante, é importante reduzirmos as diferenças entre os que defendem, com um pouco mais ou com um pouco menos de intensidade - mas que defendem -, a circulação de armas na sociedade.

Sem o fortalecimento desse consenso, não haverá o avanço que a sociedade espera. Preocupam-me as reações que já estamos observando às primeiras iniciativas apresentadas nesta Casa, como se tudo estivesse correndo muito bem na situação atual, como se o status quo fosse satisfatório para a população brasileira.

O lobby das armas já volta a atuar com seus velhos argumentos. Um deles é o de que a arma do crime não é a arma do cidadão. Recentemente, uma pesquisa do Iser, que presta serviço para Ministérios e para a Unesco, analisou quatro mil armas apreendidas no Rio de Janeiro e constatou que 25% delas, ou seja, pelo menos uma em cada quatro armas, tinham registro legal. Isso quer dizer que armas legais foram usadas em ações criminosas ou estavam sob mãos não-credenciadas, e por isso mesmo foram apreendidas.

Essas armas chegam às mãos dos bandidos depois de roubadas de pessoas que as compram imaginando que vão se defender, ou, então, são desviadas por empresas ditas de segurança ou até pela própria polícia. Só em São Paulo, em cinco anos, mais de 70 mil armas registradas foram roubadas.

Não podemos esquecer, também, que quase metade dos assassinatos é cometida por pessoas sem antecedentes criminais. Dezenas de pessoas perdem a vida, todos os dias, em situações banais: em brigas de trânsito, em bares, ou assassinadas dentro de casa pelos familiares, de forma acidental ou não. Sabemos que é muito difícil evitar que esses conflitos ocorram, mas se conseguirmos reduzir o número de armas, com certeza, reduziremos o número de agressões, o que, muitas vezes, impedirá que homicídios e assassinatos ocorram.

Outra falsa verdade é a de que a sociedade precisa se proteger e, por isso, precisa se armar. O mesmo Iser examinou fichas de ocorrência policial e verificou que, nos casos de reação armada a assalto, o índice de morte da vítima que reagiu chegava a uma para cada 3,6 roubos. Entretanto, se a vítima não reagia e não estava armada, a possibilidade de morte era quase duzentas vezes menor, de uma morte a cada 668 roubos. Então, não é o cidadão despreparado para enfrentar a criminalidade, que, armado, vai se defender. A tarefa de defender a sociedade e de desarmar o criminoso é do Estado - das Policias Civis e Militares, da Polícia Federal, do Governo Federal -, que tem que encetar campanhas permanentes para o desarmamento da criminalidade. Aí, sim, estaremos dando segurança ao cidadão.

Também há movimento contra mudanças na Lei de Execuções Penais, agora acusada de terrorista. Quer dizer, a qualquer mudança para dar mais segurança há uma reação daqueles que querem a manutenção do status quo, em função de uma série de falsos argumentos.

Portanto, Sr. Presidente, em meio a esse embate entre o que pede a sociedade e o avanço a que estamos assistindo da violência e da criminalidade, sobressai o silêncio, infelizmente, concessivo do Governo Federal, que não conseguiu, até agora, ter uma posição clara, definida, sobre estes importantes assuntos, o controle de armas e o combate ao crime organizado. O Senador Antonio Carlos Magalhães já solicitou desta tribuna que medidas fossem tomadas, e já apresentei projeto para que as Forças Armadas pudessem se incorporar ao combate ao crime organizado no nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apelo ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados, àqueles que não acreditam na solução do cada um por si, ao Brasil que quer uma sociedade segura, para que também se manifestem, se posicionem, para que possamos avançar nesse grande debate nacional, fazendo com que, acima de tudo, vença o interesse da vida e da cidadania.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2003 - Página 17560