Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo governador de Mato Grosso do Sul, apontado em parecer do Tribunal de Contas daquele Estado, referente às contas do exercício de 2002.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelo governador de Mato Grosso do Sul, apontado em parecer do Tribunal de Contas daquele Estado, referente às contas do exercício de 2002.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2003 - Página 17739
Assunto
Outros > ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, PARECER, TRIBUNAL DE CONTAS, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PRESTAÇÃO DE CONTAS, GOVERNO ESTADUAL, RESSALVA, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.
  • CRITICA, TRIBUNAL DE CONTAS, INDICAÇÃO, APROVAÇÃO, CONTAS, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), IMPUNIDADE, CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, INCONSTITUCIONALIDADE, REDUÇÃO, RECURSOS, APLICAÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • SUSPEIÇÃO, FAVORECIMENTO, GOVERNADOR, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), ANUNCIO, OBRA PUBLICA, SEDE, TRIBUNAL DE CONTAS.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o País tenta afastar da vida pública todos aqueles governantes incompetentes, desonestos ou inconseqüentes, que causam graves danos ao erário público, autorizando despesas sem dotação orçamentária, iniciando obras sem recursos para concluí-las, não aplicando nos serviços de saúde e educação os índices obrigatórios e, sobretudo, assumindo enormes e impagáveis compromissos no último ano de gestão, inviabilizando o País.

A lei impõe duras sanções aos governantes que a descumprem, razão pela qual se notam hoje sadias práticas de gestões administrativas e financeiras na grande maioria dos estados e municípios brasileiros.

Entretanto, nem todos se conscientizaram da necessária moralização da gestão pública. Nem mesmo as penalidades de prisão ou intervenção administrativa atemorizam os maus administradores.

Após ler o Parecer nº 25/2003, do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, confesso que fiquei com sérias e justificadas apreensões sobre o respeito à Constituição e à Lei de Responsabilidade Fiscal pelo Governo do meu Estado.

O parecer relativo às contas do exercício de 2002, publicado no Diário Oficial do Estado, de 17 de junho último, faz quatorze ressalvas e vinte recomendações ao Governador, aliando desde frontal descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal até a inobservância de normas constitucionais consagradas, como a aplicação mínima de recursos financeiros nas áreas da saúde e da educação. Vejamos essas ressalvas do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul:

·     As demonstrações contábeis da prestação de contas do Governo não foram apresentadas, conforme dispõe o art. 50 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

·     Não destaca, na Demonstração das Variações Patrimoniais, a origem e o destino dos recursos provenientes da alienação de ativos (art. 50 da Lei de Responsabilidade Fiscal).

·     Empenho de despesa sem saldo de dotação suficiente para a mesma (art. 167 da Constituição Federal).

·     . Ineficiência dos controles sobre créditos tributários manifestados no elevado cancelamento de valores inscritos em Dívida Ativa (R$63.275.782,88 milhões).

·     . Aplicação de recursos em ações e serviços de saúde em percentual inferior ao previsto na Emenda Constitucional nº 29, de 23/9/2000.

·     . Nas despesas da MDE, Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, o Estado incluiu recursos da fonte “50”, FIS, no valor de R$31.160.321,64, contrariando os incisos II e IV do art. 71 da Lei nº 3.394, de 1996.

·     . O Estado também incluiu como despesas da MDE o rateio dos custos de arrecadação, no valor de R$58.136.959,86, contrariando frontalmente o art. 71 da Lei nº 9.394, de 1996.

·     . Os Restos a Pagar de 2001, no valor de R$8.675.022,62, incluídos na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, pertencem àquele exercício, devendo ser expurgados do total das despesas com educação de 2002.

·     . Procedendo-se às exclusões, constata-se que o Governo estadual aplicou na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino a importância de R$314.779.462,10, ou seja, 12,32% a menor, ficando, portanto, abaixo do valor mínimo constitucionalmente instituído.

·     . Com isso, o Gestor Estadual não cumpriu o mandamento constitucional expresso no art. 212 da Carta Magna e no art. 198 da Constituição Estadual, apesar de alguns artifícios, restando para posterior aplicação, sem prejuízo das penalidades cabíveis, a importância de R$44.251.050,30 (quarenta e quatro milhões e duzentos e cinqüenta e um mil e cinqüenta reais e trinta centavos).

·     . O Estado extrapolou o limite máximo da relação entre o montante da dívida consolidada líquida e sua receita corrente líquida, que deverá ser de duas vezes até o exercício de 2017, 73,3%, conforme disciplinam os arts. 29 e 30 da Lei Complementar nº 101, de 2000, combinados com o art. 3º da Resolução nº 40/2001, do Senado Federal.

·     . O Estado também extrapolou em 3,9% o limite máximo anual estabelecido para amortização da dívida pública de 11,5%, conforme dispõe o inciso II do art. 7º da Resolução nº 43, de 2001, do Senado Federal.

·     . Recomendou rever os critérios adotados para classificação da receita do Fundersul, tendo em vista que foi deixado de computar na Receita Corrente Líquida, RCL, o valor de R$73.984.607,65.

·     . Mandou adotar providências para que não sejam incluídas como despesas de saúde as rateadas de outros órgãos, pois devem ser consideradas apenas as efetivamente realizadas na função saúde.

Se não aplicou o mínimo na educação, também não aplicou o mínimo na saúde.

·     . Mandou adotar providências para o correto cálculo da Receita Corrente Líquida, pois, conforme demonstrado no relatório, houve uma diferença a menor registrada na Receita Corrente Líquida de R$187.976.917,00, sem considerar a receita do Fundersul de R$73.984.607,65.

·     . Houve insuficiência de disponibilidade financeira para pagamento dos Restos a Pagar de 2002 na ordem de R$87.149.758,24. O Balanço Geral de 2002 e os relatórios não registram os pagamentos das despesas empenhadas mês a mês, o que nos impossibilita afirmar se o montante de R$87.149.758,24, inscrito em Restos a Pagar sem a correspondente suficiência financeira, refere-se às despesas empenhadas no primeiro quadrimestre de 2002 ou nos dois últimos quadrimestres do exercício.

O Tribunal de Contas deu essa desculpa dizendo que, em razão de não estar relatado no Balanço Geral e nos relatórios correspondentes que as despesas dos Restos a Pagar são dos meses de janeiro a dezembro, não poderia definir se é no primeiro quadrimestre ou nos dois últimos quadrimestres de 2002, porque, se os restos a pagar correspondem aos dois últimos quadrimestres, não poderiam jamais deixar de ser liquidados.

Apesar disso tudo, ou seja, da contumácia na prática de desvios de conduta administrativo-financeira, apesar de aplicar 12,3% a menos em educação e de não cumprir o mandamento constitucional na área de saúde, “por unanimidade de votos, o Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul resolveu emitir parecer prévio favorável à aprovação das contas do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, referente ao exercício de 2002”.

O Tribunal de Contas do Estado, com essa decisão, permitiu que o Governo do Estado continue sua administração sem qualquer receio de punição atual ou futura, seja pelo descumprimento da Constituição, seja pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A Assembléia Legislativa, com toda certeza, com base nesse parecer, aprovará as contas do Exmº Sr. Governador, mesmo porque desfruta de larga maioria de apoio naquela Casa.

Para preservar a segurança e a seriedade da administração pública, a Lei nº 10.028/2000 considera crime contra as finanças públicas, punível com penas que variam de um a quatro anos de reclusão, ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano de mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro.

Pois bem, no Mato Grosso do Sul, ano passado, ficaram sem pagamento R$87 milhões, mas, como o Balanço Geral e os relatórios não registram os pagamentos das despesas empenhadas, mês a mês, o Tribunal de Contas admite que não tem elementos para saber se tais pendências referem-se a despesas empenhadas no primeiro quadrimestre ou nos dois últimos quadrimestres do exercício.

O Estado usou o Balanço Geral para esconder os seus erros, severamente punidos pela lei, na certeza de que o Tribunal de Contas não revelaria o procedimento ardiloso.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Juvêncio da Fonseca, gostaria de participar.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Juvêncio da Fonseca, é muito oportuno quando V. Exª denuncia para a Nação o desrespeito à Constituição. Os 20% da educação é um direito antigo e sagrado. Fui Prefeito, e todo mundo obedecia à lei. Essa era a intenção. Fui Governado do Estado do Piauí, e esse preceito também era cumprido. Estamos perplexos com isso. O Governador é do PT, não é?

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Sim.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - O PT tem a responsabilidade de dar o bom exemplo, principalmente no setor da educação. É pela educação que brasileiros e brasileiras têm a oportunidade de adquirir liberdade e igualdade. Portanto, é muito oportuno o pronunciamento de V. Exª. Isso é extremamente grave. Como diz o Padre Antônio Vieira, “o exemplo arrasta”. E o PT está dando o mau exemplo de não obedecer a Constituição, apesar da sabedoria dos legisladores, que obrigaram os Poderes Executivos, Municipais, Estaduais e Federal, a destinarem 20% para a área da educação, que é a salvação deste País.

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PMDB - MS) - Obrigado a V. Exª, nobre Senador Mão Santa, pelo aparte que enriquece o meu discurso.

No ano passado, em 2002, ano da reeleição do Governador, o Governo do PT de Mato Grosso do Sul aplicou 12,3% a menos em educação. Ficou devendo R$44 milhões à infância e à juventude. Como se não bastasse, cancelou créditos do Estado no valor de R$63.275.000,00 (sessenta e três milhões e duzentos e setenta e cinco mil reais), considerados sem justificativa para o Tribunal de Contas do Estado.

O cálculo da receita corrente líquida do Estado de Mato Grosso do Sul - adverte o Tribunal de Contas - tem diferença de mais de R$260 milhões, comprometendo os parâmetros legais de distribuição dessa receita.

Este ano, Srªs e Srs. Senadores, as aulas nas escolas de Mato Grosso do Sul começaram com 15 dias de atraso, porque faltavam carteiras nas escolas. Somos um dos poucos Estados que ainda não têm Plano Estadual de Educação, e 90% das escolas estaduais não oferecem acesso à informática. Os professores fizeram uma greve de 15 dias para denunciarem essa situação: cobraram qualidade de ensino e melhores salários para educar a juventude.

Tudo isso é uma afronta às nossas leis, mas, acima de tudo, um desrespeito às famílias mais pobres, cujos filhos só têm a escola pública como referência e dela dependem para se preparar para ganhar a vida.

E há fatos interessantes que vale a pena citar para conhecimento da Casa. No mesmo dia 12 de junho, em que a Corte de Contas aprovava o parecer do Governador, a Agência Popular de Notícias, órgão oficial do Governo do Estado, divulgava a seguinte informação, certamente tentando agradar o mesmo Tribunal de Contas. Diz a nota:

(...) Porto Murtinho, MS - o Governador Zeca do PT anunciou, durante a inauguração da Escola José Bonifácio, a mais antiga de Porto Murtinho, que no mês de julho vai retomar a última obra parada no Estado, a Sede do Tribunal de Contas no Parque dos Poderes.

Ainda em julho, o Governador Zeca vai anunciar a obra da Sede do Governo, com ala administrativa e ala residencial.

Notem o paradoxo, Srªs e Srs. Senadores, pois um Governo que não aplica o mínimo constitucional em saúde e educação, que cancela a dívida ativa, que não paga em dia os servidores, que não quita restos a pagar, anuncia sua meta imediata: construir a sede do Governo, inclusive com residência oficial para o Governador e sua família.

Srªs e Srs. Senadores, na mesma semana em que tomamos conhecimento de que o Governo sul-mato-grossense não investe na educação o mínimo determinado pela Constituição, a revista Veja faz uma séria advertência sobre a qualidade do ensino no Brasil. Contribuem para agravar situações como essa, denunciada pela revista, administrações que agem ao arrepio da lei e não aplicam o que deveriam na área social, especialmente em educação.

A responsabilidade fiscal é mais do que um dever fiscal, é uma exigência ética, um compromisso com o povo de bem governá-lo e sob as penas da lei. Tanto isso é verdade, que o art. 34, inciso VII, alínea “e”, da Constituição brasileira, com o objetivo de proteger a população de governantes relapsos, prevê a intervenção federal no Estado que não observar a “aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.

Mas, de tudo isso, restou para nós sul-mato-grossenses uma esperança, a ameaça severa, porém, salutar, do Tribunal de Contas, que diz, no pré-citado parecer, o seguinte:

(...) caso o Executivo não acolha essas recomendações, como já não tem feito em exercícios anteriores, poderá ensejar na rejeição das próximas contas, face ao novo leque de exigências nos últimos tempos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e demais normas.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil deve muito ao Partido dos Trabalhadores em razão da sua luta em favor da ética, da transparência absoluta na gestão pública. A administração do meu Estado, nas mãos do Governador Zeca do PT, está na contramão da história e da pregação do Partido dos Trabalhadores.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2003 - Página 17739