Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de que se combata os obstáculos à economia, que impedem o crescimento de empregos no País.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Necessidade de que se combata os obstáculos à economia, que impedem o crescimento de empregos no País.
Aparteantes
Eurípedes Camargo, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2003 - Página 17757
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, CRISE, BRASIL, INFERIORIDADE, INDICE, CRESCIMENTO ECONOMICO, COMENTARIO, PERDA, RECURSOS, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, SEPARAÇÃO, ASSISTENCIA SOCIAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), PREVIDENCIA SOCIAL.
  • ANALISE, DESEMPREGO, AMBITO, EXCESSO, TRIBUTAÇÃO, EMPRESA, FALTA, INCENTIVO, CONSTRUÇÃO CIVIL, DEMORA, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, ASSISTENCIA, PRODUTOR RURAL, FALENCIA, ESCOLA PARTICULAR, PERDA, EMPREGO, NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM, DESEQUILIBRIO, EXPORTAÇÃO, CONTINENTE, AFRICA, PAISES ARABES, EXPECTATIVA, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o ser humano é pródigo em mitificar as coisas. O ser humano é pródigo em, às vezes, criar distorções entre o real, a verdade e a versão. E muitas vezes a versão é que vale.

Não estamos no Brasil passando uma fase das melhores, faz tempo, e esse fato não é em decorrência do Governo Lula. Tivemos uma década perdida. E, num País como este, surpreende que projetemos o crescimento em 2% ao ano, 0,5%, 1% ao ano, enquanto outros países estão crescendo à taxa de 7%, 8%, e têm até mais dificuldades que o nosso País. Temos sido reféns.

Vi uma série de fatos que parecem verdadeiros, mas são somente meias verdades. Dizemos que o País está sem dinheiro. Num País rico como este, o psicológico conta muito.

Sr. Presidente, temos um PIB a receber, temos inúmeros lugares da Administração Federal, estadual e municipal, por onde há uma hemorragia constante, umas menores, outras maiores, mas o somatório debilita o organismo.

Dizemos, por exemplo, que precisamos urgentemente resolver o problema do INSS - precisamos fazer correções. O mundo todo está reformando, a Alemanha, a França, os Estados Unidos, todos estão em perplexidade diante do avanço da idade. Estávamos preparados para um tempo menor de vida e, de repente, o ser humano passa a ter maior expectativa de vida graças ao avanço da Medicina e outros fatores. Então, os cálculos atuariais das previdências, todos eles foram para o espaço. É preciso que haja uma correção.

No Brasil, quando se fala em INSS e previdência, misturam-se as duas contas. A conta da assistência social não poderia estar nunca na caixa da previdência. A previdência é pensão para quem pagou uma taxa, para no futuro receber. A assistência social é para o Governo atender a populações necessitadas. Mas a caixa não pode ser a mesma. Esse é um mito, essa é uma inverdade. É preciso que separemos, com seriedade, a assistência social da previdência. Se temos que fazer assistência social, façamos, mas não coloquemos tudo debaixo do mesmo rótulo.

Falamos do desemprego. Precisamos gerar emprego, mas todas as ações do Governo são no sentido contrário - e não estou de novo falando do Governo Lula, mas dos governos todos que têm se sucedido.

Há três anos, tínhamos 400 mil processos na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; hoje, temos 4 milhões. Processos de empresas multadas porque não pagaram os impostos como deveriam. Com essa avalanche de impostos e essa taxa gigantesca, muitas empresas não podem pagar. Outras param para pensar e vêem que vale a pena sonegar, tamanho o lucro. Se a carga fosse menor, com certeza muitas dessas empresas prefeririam pagar a correr o risco.

Ao analisarmos este item, o desemprego, verificamos que tínhamos 400 mil empresas em dificuldade e, agora, temos 4 milhões, sem contar o que está parado, estocado na Justiça Federal. Isso já é um item grandioso e significa empregos que acabarão porque essas empresas ou pagam e quebram, ou não pagam e somem. Matamos as empresas em vez de diminuirmos a carga.

Por outro lado, não há nada que empregue mais do que o campo e a construção civil. E como está a construção civil? Havia uma previsão de R$4 bilhões para investimento, num orçamento de mais de R$900 bilhões. Temos necessidade de milhões de casas próprias, mas estamos investindo pouco e não chegamos sequer a cumprir essa meta dos R$4 bilhões. Ora, quem der uma olhada na indústria e na construção civil no momento, verificará que não atingiremos nem metade da meta a que nos propusemos. Na realidade, como gerar mais empregos se não adotamos medidas de incentivo à construção civil? O Governo é culpado? Não. É um problema atávico, acontece há muito tempo. Com certeza, também não é com um passe de mágica, em seis meses, que o Governo vai fazer valer essa modificação na estruturação da construção civil.

E com relação à reforma agrária? Observamos dois problemas sérios. A reforma agrária não tem sido feita na velocidade que deveria, nem tem sido fiscalizada. Inúmeros dos lotes distribuídos, hoje, estão abandonados. Desafio que me mostrem mais de cem pessoas que receberam lotes e conseguiram sustentar-se pela produção. Não basta dar um lote de terra. É preciso dar um lote de terra mais educação na área agrícola, mais apoiamento tecnológico e para comercialização. Enfim, muitos outros itens fazem parte do processo de reforma agrária. Falamos como se fosse uma panacéia, como se, feita a reforma, a questão do MST estaria resolvida e as invasões interrompidas. O processo não foi fiscalizado pelo Governo e ainda gerou um pandemônio na área fundiária. As terras despencaram de preço. Muitas áreas foram desorganizadas. Não temos a reforma que deveríamos ter, nem a garantia da propriedade com estrutura fundiária. O Governo possui meios para fazê-lo? Sim, fiscalizando quem não produz. Poderia criar um imposto sobre a produção. Quem não estiver produzindo recebe uma penalidade. Por outro lado, vamos fazer a reforma agrária como tem que ser feita.

Não posso culpar o Governo atual, porque isso vem de muito tempo.

Na educação, temos perdido inúmeros empregos - cito o Rio de Janeiro. No Estado, havia 5 mil escolas particulares, hoje, são 3,2 mil. Fecharam as portas 1,8 mil escolas em menos de 4 meses. Isso por causa da Lei do Calote: uma outra mentira do Brasil. Uma lei que não deveria perdurar, mas que existe há anos. A Lei do Calote torna possível que um pai matricule seu filho numa escola particular - e aí entra o Governo fazendo gentileza com o chapéu alheio -, mesmo que não pague as mensalidades. E o aluno não pode ser retirado da escola por esse motivo; continua lá estudando.

O Governo não tem escolas nem em número nem em qualidade suficiente. E a escola particular, que recolhe impostos e gera empregos, não pode desligar um aluno que não paga as mensalidades. É a Lei do Calote ensinando muito cedo que se pode entrar em uma fazenda e tomar a propriedade, ou entrar em uma loja e levar um sapato ou um vestido sem pagar. É o que está acontecendo: um grande número de empregos perdidos.

A cabotagem no País, Sr. Presidente, é uma vergonha. Os navios todos, e até as barcas que fazem o transporte entre Rio e Niterói, têm bandeira estrangeira - isso, para não seguir a legislação brasileira. Trata-se de outra fonte de emprego perdida. Utilizamos legislação estrangeira porque a bandeira é estrangeira. E onde deveriam estar empregados 12 ou 15 tripulantes estão dois ou três que trabalham como escravos. E ainda se fala em desemprego! Fechamos os olhos para o que está acontecendo na cabotagem de longo curso ou de pequeno curso, que está custando ao Brasil R$3 bilhões por ano - o mesmo custo do petróleo.

As exportações melhoraram muito devido à agroindústria, às grandes fazendas, aos grandes produtores, mas, graças a Deus, tivemos um enorme ajudante: o bom tempo, um inverno muito produtivo.

Países que queriam nos ajudar nas exportações, como, por exemplo, Taiwan, continuam sem ter o direito de aqui entrar a não ser por um laissez passer. Há anos, luto contra isso. Toda vez que eles vêm tiram um laissez passer e, na saída, a polícia o recolhe. Para voltar, têm que tirar novamente - processo que custa tempo (quinze dias) e dinheiro (taxas). É difícil! Isso sem contar que não levamos em conta nosso balanço em exportar e importar. Tenho dado esses exemplos e tenho sido até repetitivo. Compramos da Argélia US$1 bilhão em petróleo anos seguidos e exportamos US$50 milhões. Quem compra US$1 bilhão tem - é óbvio - condições de exigir que o parceiro que está vendendo compre mais.

Em outros momentos, há um sério risco. O Irã, por exemplo, nos compra 1 bilhão e, dele, não compramos mais que 300 milhões. É preciso equilibrar.

O Presidente Lula está fazendo um esforço sobre-humano. Vai à África e aos países árabes, onde não há cotas. Então, é possível exportar mais, gerando emprego. Dizemos que precisamos gerar empregos, mas deixamos de cumprir muitos desses itens que citei aqui. Com toda a certeza, se os problemas que citei fossem atacados, nós geraríamos milhões de empregos no País.

Tenho muita satisfação em conceder um aparte ao nobre Senador de Brasília, que solicita a palavra.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Senador Ney Suassuna, V. Exª toca num assunto importante. E gostaria de aproveitar o momento para levantar duas questões sobre o seu pronunciamento. V. Exª menciona a necessidade de a agricultura e a estrutura para a produção terem o aporte técnico. A Emater - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal - precisa ser revitalizada para dar esse suporte ao agricultor. Isso é fundamental. E quando V. Exª se refere à navegação, lembro que, num passado recente, o “mar - 200 milhas” foi uma bandeira que nacionalizou essa discussão e todo o Brasil debateu o assunto; no entanto, a partir daí parece que houve um esquecimento disso. Parece que a soberania foi restabelecida só no papel, porque, na prática, as bandeiras estrangeiras, como V. Exª denunciou, são, infelizmente, uma realidade que precisa ser trabalhada. Esse assunto é pertinente ao momento atual. Precisamos discutir esse problema para resolver de vez uma situação que já consumiu muito tempo, muito papel, muitos debates, mas que não teve uma solução prática. Virou apenas discurso.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Agradeço o aparte de V. Exª que passa a fazer parte do meu discurso. Realmente V. Exª tem razão. Lutamos tanto, brigamos com a França. Houve o célebre affaire com o Presidente De Gaulle, a Guerra da Lagosta, e, no final, deixamos que invadissem não só a nossa praia, mas os nossos rios, os nossos lagos e até as nossas baías, como o exemplo da Baía de Guanabara, cujo transporte hoje tem bandeira estrangeira. Até o transporte de pessoas tem bandeira estrangeira hoje no Brasil.

Temos dito meias verdades ou escamoteado certos fatos como se fossem genéricos - quando não o são. Isso precisa ser desfeito. Precisamos atacar de frente e com vontade política esses fatos que nos atazanam e que deixam a vida do brasileiro muito infeliz - o que ele não merece. Poderíamos ter uma vida de felicidade e estamos tendo uma vida de infelicidade. Por exemplo, enquanto não organizamos o sistema produtivo, insegurança de todo tipo torna-se geral no País. Novamente, atribuímos a um fator ou a outro, quando, na verdade, é muito mais complexo e depende de muitas coisas.

Só a Reforma do Judiciário está tramitando nesta Casa há dez anos. Pode-se colocar um santo, um mágico ou o super-homem para ser juiz numa Vara comum e eu duvido que ele dê conta da carga de trabalho. O nosso Direito cuida do processo e não do fato em si. Todos alongam. São milhares de causas. Outro dia percebi, numa Vara federal, que os funcionários levariam três anos só para tirar clipes e virar as páginas dos processos que estavam lá, sem contar os que chegavam. Os quatro milhões de processos que estão na Procuradoria significarão 50 mil processos/mês.

Há pouco tempo, visitei uma juíza federal que me disse que o maior problema que enfrentava era a acomodação dos processos que estavam em julgamento e dos que estavam chegando e que não tinha mais espaço para guardá-los, precisava de um prédio para isso. Disse que era tanto o peso transportado nos elevadores, que eles temiam que eles caíssem. E isso aconteceu com ela. E eu fiquei pensando no que era um juiz no Brasil: uma autoridade de quem nos aproximávamos com muito respeito. Hoje, nós os vemos tendo um trabalho quase que de estiva, com um grande número de processos, de que não conseguem dar conta.

Nobre Senador Mão Santa, concedo a V. Exª o aparte.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Ney Suassuna, atentamente estávamos ouvindo o seu pronunciamento, que é uma luz para os que dirigem este País, pela vivência de V. Exª. Lembro-me que, em épocas passadas, fui à Paraíba para comemorar o lançamento da candidatura de V. Exª para Governador. Deus, que escreve certo por linhas tortas, não quis que V. Exª se elegesse. Eu falei ontem ao Ministro José Dirceu sobre o PMDB, muito bem representado por V. Exª, na profundidade dos seus conhecimentos sobre o Brasil. Falei sobre a história de grandeza desse Partido, que fez o renascer da redemocratização, que soube administrar milhares de cidades brasileiras, e que é, quantitativamente, o mais forte desta Casa, com muitas pessoas da qualidade, como o Presidente José Sarney, homem experiente, e o Senador Papaléo Paes, que preside esta sessão. Esse PMDB que V. Exª representa não está sendo aproveitado. Na minha franqueza, to be or not to be, temos que participar, pela experiência consagrada que tivemos em governar vários Estados brasileiros e promover o que tem naquela bandeira: ordem e progresso. Ontem eu falava ao Ministro José Dirceu sobre a nossa participação no Governo, com quatro ministérios, dizendo que é muito pouco, apenas um nono dos que aí estão, e nós somos um terço no Poder Legislativo. No meu entender, como os juros estão altos, quanto mais demorar, não serão apenas quatro, mas cinco. Diante da maneira como V. Exª se apresentou à frente do Ministério - e tive a satisfação de reler o seu último livro -, creio que, daqueles quatro indicados para ministro, o nome de V. Exª deve constar em primeiro lugar, pelo fato real de recentemente ter sido Ministro da Integração Nacional deste País. E ninguém o excedeu em trabalho e dedicação. V. Exª foi um Ministro exemplar, cujas ações se espalharam por todo o Brasil.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador. V. Exª me deixa um pouco inibido, porque nós estamos falando aqui de algo que precisa ser feito.

Confesso a V. Exª que não estou me sentindo muito feliz. Eu era muito mais feliz quando não sabia de todos os problemas brasileiros. Eu jurava que as nossas fronteiras eram muito bem guardadas. Hoje, em uma CPI, eu ouvi um representante da Receita Federal dizer que um carro de valores passa pela Ponte da Amizade, entra no território nacional e, quatro quilômetros depois, o funcionário vai à Delegacia da Receita e entrega a mercadoria, dizendo: eu trouxe isso. No entanto, não foi fiscalizado, apesar de haver fiscalização na ponte. E quantas estradas ligando o Brasil com outros países sequer têm fronteiras bem estruturadas?

Encerrando, quero dizer que, lamentavelmente, o assunto segurança depende da Justiça, da polícia, da prisão, de tantos fatores, e até da guarda das nossas fronteiras, que, se não fiscalizam sequer a entrada de dinheiro, imaginem a de armas ou a entrada e saída de bandidos.

Precisamos ter a coragem de definir. Lembro-me de que para os meus alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro eu dizia: quando conseguimos definir um problema, devemos separá-lo do universo dos demais problemas, e já teremos 50% da solução. E sabendo qual é o problema, definindo-o, precisamos ter a força e a vontade política para enfrentá-los e buscar a solução.

Eu não queria estar no pêlo do Presidente Lula, tamanho é o desafio. Eu não queria, de maneira nenhuma, dormir e acordar sabendo que tantas providências precisam ser tomadas, com pressa, com pulso, e que elas sempre vão desagradar um setor. Mas a lei tem que ser cumprida: dura lex sed lex. E vejo, inclusive, como vi ontem, pela televisão, alguém dizer: “A Constituição diz que...”, e dá a interpretação que quer.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este meu discurso de hoje é muito mais um desabafo do que qualquer outra coisa. Estou aqui dizendo que precisamos deixar de dizer meias-verdades e falar com muita franqueza as verdades e buscar as soluções.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2003 - Página 17757