Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem aos movimentos que lutam pela reforma agrária no Brasil.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Homenagem aos movimentos que lutam pela reforma agrária no Brasil.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/2003 - Página 17893
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CONGRESSISTA, ACOMPANHAMENTO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, AUDIENCIA, PRESIDENTE, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEBATE, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA.
  • HOMENAGEM, MOVIMENTO TRABALHISTA, LUTA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS.
  • CRITICA, AUSENCIA, VONTADE, NATUREZA POLITICA, EFETIVAÇÃO, REFORMA AGRARIA, PAIS, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • LEITURA, PARECER, JUIZ, DEFESA, ATUAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, LUTA, REFORMA AGRARIA, COMBATE, INJUSTIÇA, PAIS.
  • COMENTARIO, EMPENHO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, VIABILIDADE, REFORMA AGRARIA.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, anteontem tivemos a oportunidade - alguns Parlamentares e representantes de vários movimentos sociais - de acompanhar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, em audiência extremamente importante com o Presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi um momento extremamente interessante para a vida política nacional, pois tivemos a oportunidade de qualificar o debate em torno da questão da reforma agrária.

Esse tema acabou contaminando mentes e corações, tanto aqui no plenário como na sociedade de modo geral. E eu não tinha tido ainda a oportunidade de falar no plenário sobre essa questão. Aliás, acabei indo até para uma Comissão de Ética por falar demais sobre a reforma da previdência. Mas continuarei falando sobre isso, é claro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de fazer uma homenagem a todos os movimentos que lutam pela reforma agrária no País. Quero fazer uma homenagem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, à Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, ao Conic, que congrega todas as igrejas cristãs, católicas e evangélicas, organizações que nos acompanharam também nessa audiência. Saúdo todos os movimentos.

Para V. Exª ter uma idéia, Senador Mão Santa, o problema da reforma agrária é tanto e a incompetência da elite política e econômica em cumprir o que manda a Constituição é tanta, que já existem mais de catorze movimentos que lutam pela reforma agrária com a mesma metodologia. Sei que o tema sempre mexe muito com mentes e corações. Às vezes, pessoas oportunistas acabam usando esse debate para fazer um discurso extremamente conservador, mas sei também que muitas pessoas de bem, muitas pessoas de paz, muitas pessoas no Parlamento ou na sociedade de forma geral ficam profundamente angustiadas com determinadas cenas que são mostradas, com fotografias que são mostradas ou com impressões relatadas por algumas pessoas sobre os movimentos que lutam pela reforma agrária fazendo a ocupação de terras.

Já tive oportunidade, mesmo antes de ser Parlamentar, de participar de ocupações de terras tanto com a Igreja Católica, a Comissão Pastoral da Terra, como com o MST. Por isso e por já ter apoiado várias ocupações de terra, tenho a obrigação de partilhar um pouco a minha experiência, para que fique registrado nos Anais do Senado o quanto de doloroso, Senador Antonio Carlos Valadares, existe na situação dessas famílias. Sabe V. Exª, sabemos todos nós, que existem milhões de famílias brasileiras que perambulam pelas estradas deste País buscando um pedaço de terra para ali plantar um pé de feijão, para ajudar a dinamizar a economia, para gerar emprego e renda e para sustentar os seus filhos. Problemas existem em todos os lugares, problemas existem no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nos movimentos sociais, no Parlamento brasileiro, problemas existem em todos os lugares, do mesmo jeito que mulheres e homens de bem e de paz existem também em todos os lugares. A situação das organizações que lutam pela reforma agrária neste País é muito difícil. Não imaginam as senhoras e os senhores que nos vêem neste momento pelo quanto de dor, sofrimento e angústia passam essas famílias.

Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª não imagina o que é ficar sob uma daquelas barracas de lona. À noite, o frio é inimaginável, parece que vai cortando cada um dos nossos ossos, arrancando a nossa pele. Durante o dia, o calor é insuportável dentro e fora da barraca. Quem não está lá não imagina a situação dessas famílias no momento da luta pela ocupação da terra; não imagina a angústia e o sofrimento causados pelos tiros de espingarda 12 dos capangas, dos jagunços e dos latifundiários que, muitas vezes, fazem um discurso demagógico em nome da paz, mas que de paz não entendem absolutamente nada. Quem não está lá não imagina o que é o grito de crianças, mulheres e homens, que correm no meio da caatinga, no meio do mato, com os jagunços e os capangas atrás deles, atirando com espingardas 12, com pistolas. Essa é a correria por que muitos de nós já passamos.

Uma coisa é a experiência de passar um, dois ou três dias num desses acampamentos. Outra coisa é a experiência de passar seis anos sob um barraco de lona. O pior é a experiência de ficar jogado em algo que se chama ora acampamento ora assentamento. A situação é tão difícil - vai do atraso das tais cestas básicas, passa pela inexistência de assistência técnica e vai até a ausência de ajuda para a produção de alimentos -, que, muitas vezes, as pessoas saem daquele pedaço de terra que lhes foi dado, porque não têm a quem pedir esmola. Nesses casos, não se pode falar de reforma agrária, porque reforma agrária é distribuição de renda, de terra e de poder. Queria ver qual seria o Senador ou o Deputado que ficaria com seus filhos no meio do mato, sem água, sem luz, sem comida, sem ter o que plantar, sem ter a quem esmolar. Esses são os lutadores do povo.

Sabemos da importância do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e de todos os movimentos que trabalharam pela ocupação de terra neste País. Qualquer pessoa que analisar o mapa da reforma agrária neste País, independentemente de convicções ideológicas ou de concepções programáticas, vai ver que só aconteceu a reforma agrária, mesmo de forma capenga, mesmo de forma inconseqüente em alguns momentos, onde houve ocupação de terra.

Falta vontade política dos Governos de cumprir a Constituição. Existem, porém, juízes e juízas neste País que já deram pareceres belíssimos em relação à questão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Faço questão de ler parte de um deles - quem acompanha esse movimento sabe que existem muitos livros publicados que tratam claramente a questão. Um deles diz assim:

A ação dos membros do MST, que, sem violência à pessoa, ocupam propriedades improdutivas ou meramente especulativas, não se adequa a essas figuras criminosas. O MST reúne, sem dúvida, um grande número de associados, pois se trata de um movimento social que visa a reformular radicalmente o mapa agrário do país. A luta pela reforma agrária põe à mostra as injustiças sociais que campeiam na concentrada estrutura fundiária brasileira. Mas, mais do que isso, é uma luta pela inclusão social, pela possibilidade da participação produtiva e criativa na sociedade dos que dela têm sido sistematicamente excluídos por um processo econômico perverso e, mais do que tudo, pela dignidade da pessoa humana. Tudo isso nada mais é do que a concretização dos princípios estruturantes do Estado Democrático e Social de Direito. Ora, um movimento social dessa profundidade, com a finalidade de reconstruir uma sociedade mais humana, solidária e igualitária e bem menos injusta e marginalizadora, poderá até cometer excessos, mas sua atuação não poderá ser confundida com ações criminosas (...)

E por aí vai, Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, resgatando muitas das considerações extremamente importantes que foram conquistadas não nos estatutos do MST, da CPT, do MLST, do MT ou de qualquer um dos movimentos que luta pela reforma agrária, em nenhum estatuto da esquerda revolucionária, em nada, mas apenas na ordem jurídica vigente.

Em muitos momentos, o discurso do direito à propriedade é estabelecido como aquele que impede a ocupação de terra improdutiva ou especulativa. É errado, Sr. Presidente, comparar, inclusive, a sua própria casa com uma área de terra que não cumpre a função social. Por quê? Porque o direito à propriedade tem um limite, que é a função social. Manter terra improdutiva é a mesma coisa que plantar maconha, é a mesma coisa que utilizar crianças para o trabalho escravo. Terra improdutiva, obrigatoriamente, deve ser destinada à reforma agrária.

Sei, Sr. Presidente, do esforço gigantesco do nosso querido Ministro Miguel Rossetto para viabilizar a reforma agrária neste País.

É por isso, Senador Mão Santa, que temos lutado tanto para mudar essa política econômica que, infelizmente, é uma continuidade da política do Governo Fernando Henrique Cardoso. Se isso não for feito, não sobrará dinheiro para investimentos sociais. Todos sabemos que, quando se aumentam os juros, aumenta-se o ônus da dívida, que aumenta o superávit, que leva ao contingenciamento de recursos e, conseqüentemente, à não-aplicação de recursos nas áreas sociais.

Tínhamos o compromisso, como Governo, de assentar não um milhão de assentados, como proposto pelo MST - corretamente, pois um movimento social tem que fazer uma proposta maior -, mas de assentar mais de 150 mil famílias neste ano. Depois, fizemos um acordo para assentar 60 mil famílias. Mas o que está disponibilizado financeiramente para o nosso Ministério da Reforma Agrária só dá para assentar 10 mil famílias. É, por isso, que é importante...

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Heloísa Helena?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Ouço V. Exª, com prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Heloísa Helena, peço desculpas a V. Exª e ao Brasil por interrompê-la, porque o País, não apenas sua Alagoas, gosta de ouvir V. Exª. Quero dizer que eu entendo de sem-terra - podem colocar na televisão. Quando governei o Piauí, o meu Vice-Governador era presidente de sindicato rural e era uma das figuras mais idôneas e mais respeitáveis. Acho que nem Cristo sentiu em Cirineu tanto apoio e tanta solidariedade como tive em Osmar Araújo, um dos líderes dos sindicatos rurais. Quero dizer a V. Exª que a reforma é real, é possível de ser feita. Quando governei o Piauí, não houve um atrito; muito pelo contrário. Rememoro a cena mais bela do meu governo: estava em uma solenidade de premiação dos 500 maiores pagadores de impostos, quando o Vice-Governador levou as lideranças dos sindicatos rurais. E eu, no meu jeito, convidei-os a se sentarem, juntando em uma só mesa, no Centro de Convenção de Teresina, os grandes e ricos empresários do Piauí e os sem-terra. Esse é um fato histórico. Os resultados da reforma agrária no meu Estado foram extraordinários e não foram reconhecidos apenas pelo povo do Piauí. Com a força do povo e contra a força dos poderosos, estamos aqui. Recentemente, a ONU divulgou o IDH do meu Estado, que mensura o grau de civilização pela riqueza, saúde, educação, longevidade, e, sensibilizado, li no jornal Folha de S.Paulo que uma das causas do crescimento do IDH no Piauí foi a reforma agrária ali realizada. Então, isso é possível e foi feito no Piauí. Os sem-terra são gente boa e eu os simbolizo na pessoa do grande líder que foi o meu Vice-Governador. Na segunda vez em que fui eleito, ele não pôde participar da minha chapa, pois era do PSDB - não sei como! Mas ele já saiu desse Partido -, que, num sonho de poder, resolveu lançar um candidato contra a minha candidatura. Mas ele ficou solidário. E, quando fui reeleito, coloquei-o na Defesa Civil. Então, credito os méritos do bom entendimento, do avanço na reforma agrária pacífica e do crescimento do meu Estado ao Líder dos sem-terra Osmar Araújo, homem de extraordinárias virtudes. E, ao lado dele, tinha que estar Deus, Cristo, um líder, um bispo, Dom Augusto, de Picos. Então, é gente de Deus, são nossos irmãos.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Mão Santa.

Para concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lerei uma das decisões tomadas pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que conclui:

A Justiça não pode ser instrumento de ação política contra os movimentos que se insurgem contra as desigualdades econômicas e sociais. Uma vez mais, deve ficar registrado que o apelo ao controle penal, sob as vestes das figuras criminosas, ou do esbulho possessório, da alteração de limites se mostra absolutamente inadequado para equacionar conflitos sociais em matéria de reforma agrária.

Sr. Presidente, deixo a minha saudação a todos os movimentos que lutam pela reforma agrária. Volto a repetir a minha indignação diante de falas não apenas infelizes, mas irresponsáveis, como a do Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, do “agroshow”, que, em muitos momentos, estimula o armamento e o fortalecimento de milícias contra o movimento dos trabalhadores rurais. Deixo o meu repúdio a esse tipo de consideração.

Tenho muito respeito pelas divergências ideológicas e políticas. Para não mencionar vários exemplos, cito o Senador Jefferson Péres, que pensa de forma contrária sobre questões fundamentais para mim, mas respeito profundamente o Senador por ser um homem digno, incapaz de abrir mão dos seus princípios e das suas convicções simplesmente para ficar de bem com o poder. É um homem incapaz de se transformar em base de bajulação de qualquer governo ou força política. Então, embora discorde, respeito as posições apresentadas por vários Parlamentares nesta Casa e na sociedade de uma forma geral.

Para terminar, Sr. Presidente, Srs. Senadores, lerei um verso lindo, pequeno, de Dom Pedro Casaldáliga, que é um homem de bem, um bispo maravilhoso. Vejam que coisa linda ele escreveu!

(...) Chamar-me-ão de ‘subversivo’,

Eu responderei incisivo:

O sou. Pelo meu povo que luta,

Pelo meu povo que trilha

Apressado

Caminhos de sofrimento.

Eu tenho fé de guerrilheiro

E amor de revolução.

E entre Evangelho e canção

Penso, e digo o que sei.

Se escandalizo, primeiro

Eu me abrasei de Paixão

Na cruz do meu Senhor!

A todos que lutam pela reforma agrária neste País, o meu abraço, o meu beijo no coração!

Saibam, aqueles que não têm muita clareza sobre o que de fato acontece, que problemas há em todos os lugares. Imaginem, neste Congresso Nacional, quantos problemas há! Mas sabemos que essas famílias representam mulheres e homens de bem e de paz, crianças, adolescentes, jovens, que, muitas vezes, passam por circunstâncias tão adversas, por sofrimento tão profundo, que seria necessário que cada um de nós estivesse lá - como eu já estive - para saber o quanto de belo existe na luta pela reforma agrária neste País, o quanto de belo, de corajoso e de sublime existe naqueles movimentos que lutam, ocupando terras improdutivas, terras cujos donos foram embora ou estão só especulando, sem nada plantar, sem nada produzir, pois da terra não precisam e com ela nada fazem. Isso não é justo nem pela lei de Deus, nem pela lei dos homens.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/2003 - Página 17893