Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Cobrança de combate aos supersalários do serviço público.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Cobrança de combate aos supersalários do serviço público.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2003 - Página 17772
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, ARTHUR VIRGILIO, SENADOR, REGISTRO, POSIÇÃO, ORADOR, OPOSIÇÃO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, SAUDAÇÃO, POSSIBILIDADE, NEGOCIAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, ATENDIMENTO, TRABALHADOR, POPULAÇÃO CARENTE.
  • DEFESA, REFORMA ADMINISTRATIVA, INCOMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, SUPERIORIDADE, SALARIO, MANIPULAÇÃO, PODER PUBLICO, PODER ECONOMICO, EXPECTATIVA, DECISÃO, PRESIDENTE, PODERES CONSTITUCIONAIS, DEFINIÇÃO, LIMITAÇÃO, REMUNERAÇÃO, ERRADICAÇÃO, PRIVILEGIO.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é evidente que a fala do Senador Arthur Virgílio é extremamente provocativa, por motivos diversos. Sabe S. Exª, por quem tenho carinho especial, mas profunda divergência ideológica, programática e política, que sua fala, neste momento, está a resgatar uma proposta de reforma da Previdência que havia sido apresentada ainda no Governo Fernando Henrique - portanto, com a sustentação política do PSDB, PMDB e PFL - e que, infelizmente, nosso Governo se predispõe a aceitá-la e, em alguns aspectos, piorá-la. É claro que isso nos deixa profundamente angustiados. É claro que o comportamento é “dinossáurico” para aqueles que tentam, de alguma forma, enfrentar a agiotagem internacional, os fundos de pensão, os “zinzins”, aqueles que ganham, de fato, jogando o dinheiro e a poupança dos trabalhadores dos setores público ou privado na lama da especulação. Temos uma enorme divergência de concepção em relação à reforma do aparelho de Estado.

Por várias vezes, tenho dito que defendo uma proposta de reforma do aparelho de Estado, porque, ao longo da história, o Estado brasileiro foi sendo parasitado e privatizado por uma elite política e econômica decadente, cínica, incapaz e incompetente. Montaram-se oligarquias patrimonialistas espalhadas por todo o Brasil. Muitos estufam o peito de forma arrogante falando dos supersalários; os supersalários nos seus respectivos Estados têm nome, sobrenome e endereço, geralmente vinculados à estrutura do poder político e do poder econômico.

Eu até poderia me sentir contemplada com a fala do Senador Paulo Paim e o aparte do Senador Eduardo Suplicy, Sr. Presidente. Mas eu não poderia deixar de falar, até porque, durante a vida, aprendi que o silêncio não produz frutos e, mesmo quando o falar significa ser combatido com violência, com truculência e com arrogância, sempre aprendi, Senador Mão Santa, que eu não teria a capacidade de olhar nos olhos dos meus filhos se eu não falasse aquilo que a minha cabeça, o meu coração, a minha alma e a minha história de vida mandam, obrigam e legitimam.

Por que estou falando hoje? Primeiro quero dizer que, é lógico, há algo de surpresa benéfica nessa história toda. Enquanto o Senador Arthur Virgílio reclama porque discorda das modificações, acho que modificações interessantes foram propostas - lógico que isso é na minha concepção. Mas eu não poderia deixar de dizer, Sr. Presidente, que realmente estou profundamente surpresa com essas modificações de ontem para hoje. Quando falávamos da integralidade das aposentadorias dos trabalhadores do setor público, éramos acusados de “radicalóides”, defensores dos privilegiados, defensores dos marajás. E isso era muito grave, porque legitimava no imaginário popular que o aparelho de Estado, que - insisto - além das prerrogativas exclusivas ao aparelho de Estado, sejam elas civis ou militares, não é delegada a contratação de nenhuma empresa para fazê-lo, pois, além dessas atividades que são prerrogativas exclusivas do aparelho de Estado, os únicos que precisam do setor público na área da saúde, de educação e de segurança pública não são os filhos dos que aqui estão, são os filhos da pobreza. Os pobres é que precisam do setor público.

E, Sr. Presidente, não consigo deixar de ficar impressionada com a mudança. Com satisfação, é verdade, porque quando falávamos que quanto aos fundos de pensão era inadmissível que apresentássemos uma proposta, pois os fundos de pensão e a previdência complementar era apresentados como alternativa para garantir saneamento, a eficácia das contas públicas, nós éramos apresentados como dinossauros. É claro que não tenho nenhum problema por ser chamada de dinossauro, porque, quando é para defender o espaço público sou Tiranossauro Rex, não sou nem um herbívoro.

Duas coisas ainda precisam ser explicadas. É possível, não tenho dúvida, de muitos Parlamentares que aqui trabalharam, como os Senadores Eduardo Suplicy, Paulo Paim e Parlamentares da Câmara... E, já que falo do Senado, quero aqui adiantar que espero que o Senado não faça nenhum acordo para diminuir os prazos e rasgar o Regimento para o Senado se transformar em anexo arquitetônico do cronograma estabelecido pelo Palácio do Planalto. Se isso ocorrer, deve acabar o Senado, Sr. Presidente. Não somos apenas as velhinhas e os velhinhos revisores do que a juventude da Câmara faz. Temos um papel, que é definido constitucionalmente, e temos obrigação de qualificar o debate com a sociedade em torno da necessidade de aprimorar o projeto de reforma.

Há duas coisas que o Governo não respondeu e que o Congresso Nacional tem de responder. Foram duas motivações de discursos gigantescos. Lembro-me, Senador Eduardo Suplicy, de quantas lágrimas foram derramadas e que em nada sensibilizaram a mudança da proposta. Debates qualificados foram feitos e igualmente não sensibilizaram. Há o movimento social. Há os Parlamentares, é verdade. Mas eu só não espero, porque a primeira coisa que percebo é: como um leão valente se transforma num gatinho manhoso diante de uma toga. É realmente impressionante como pode haver uma transformação como essa!

Mas há duas coisas que precisamos falar para a sociedade. Se estamos falando em reforma da Previdência, cometemos um crime no imaginário popular ao dividir a classe trabalhadora, ao jogar os trabalhadores da iniciativa privada contra os trabalhadores do setor público.

Temos de dar duas respostas às seguintes indagações: onde está o combate aos supersalários? Eu quero saber. Será possível que não há condição de o Presidente da República, o Presidente do Senado e o Presidente do Supremo Tribunal Federal sentarem à mesa - porque isso só a eles compete fazer - para definir o teto salarial, para acabar com qualquer discurso, ou demagógico, ou bem intencionado ou mal intencionado? Diante de conjunturas políticas, começam novamente a dizer “os servidores públicos são privilegiados, são os marajás, os donos dos supersalários”.

Então, tenhamos a coragem política de definir o teto salarial, porque isso, sim, combate privilégios e distorções.

Há ainda outra resposta que devemos dar à sociedade para a seguinte pergunta: o que essa reforma faz pelos pobres? Ela não faz nada pelos pobres. É por isso que eu quero ter o direito, como Senadora, bem como todos os outros Senadores, de alterar a proposta de reforma da Previdência, porque é de fundamental importância que se acabe com o fator previdenciário que obriga os filhos da pobreza, que estão na iniciativa privada, e entram mais cedo no mercado de trabalho, a continuar, pela omissão da proposta, a trabalhar por mais dez anos para não sofrerem um corte de até 45% dos seus salários.

Então, é de fundamental importância que façamos uma emenda que privilegie o cortador de cana, o catador de lixo, o bóia-fria, os pobres, os oprimidos e excluídos, os filhos da pobreza. Eu, como todos os Senadores, quero ter o direito de fazer a modificação na reforma, porque ela nada faz para eles. Também em relação ao teto salarial.

É cansativo, para todos aqueles que defendem um Estado nacional, ou que defendem o Estado como elemento fundamental em uma sociedade que se queira civilizada, ter sempre alguém passando nas nossas caras, fazendo o discurso, repetindo a cantilena dos supersalários e dos privilégios.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Pois não, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senadora Heloísa Helena, primeiramente quero dar a maior força à proposição que V. Exª faz no sentido de o Presidente da República se reunir com o Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, e com o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Maurício Corrêa, para tratar dessa questão prevista na Constituição e que depende, como V. Exª assinala, da iniciativa deles. É preciso reconhecer que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não solicitou a qualquer de nós, Deputados e Senadores, que fosse ajustada a sua remuneração em relação ao que está definido e que hoje é menor do que a dos Srs. Deputados e Senadores. Sua Excelência disse que não precisávamos equiparar. Então, Sua Excelência está hoje, digamos, com força moral para dizer aos outros dois Presidentes, Maurício Corrêa e José Sarney: vamos nos sentar e conversar, porque isso é atribuição constitucional nossa e a população brasileira espera que nós venhamos a definir o teto máximo. Assim, poderiam chegar os três a uma solução de bom senso. Talvez S. Exªs possam perguntar aos Srs. Deputados e Senadores, bem como aos demais Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais, se alguém tem alguma sugestão razoável e de bom senso que possa ser considerada adequada para todos. O primeiro ponto, então, é o completo apoio a essa sugestão de V. Exª. Passo ao segundo ponto. V. Exª demonstra que houve, de fato, uma evolução, reconhece que o movimento social surgiu com muita força e que houve também a opinião de inúmeros Srs. Parlamentares, dentre os quais V. Exª, que se colocou como severa crítica de alguns dos pontos da reforma da Previdência, demonstrando a necessidade de sua modificação. V. Exª ressalta que o encontro com o Presidente do Supremo Tribunal Federal coincidiu com o momento em que foi deflagrada uma greve de servidores, parecendo que houve uma junção de fenômenos que contribuíram para flexibilizar a posição até anteontem mais rígida do Governo. Mas o que desejo aqui assinalar é o que se passa, inclusive, no âmbito do principal Partido de sustentação do Governo, o nosso PT, que terá, na próxima semana, uma importante reunião do Diretório Nacional, do qual V. Exª faz parte. É necessário assinalar que V. Exª tem expressado ao Partido e à opinião pública que é muito provável que a proposta apresentada pelo Presidente da República seja modificada enquanto tramita na Câmara e por ocasião da sua votação naquela Casa - aliás, não sabemos ainda exatamente como ela chegará ao Senado Federal. Assinalo este ponto porque, no momento em que o Diretório Nacional examina se deveria V. Exª ser sancionada ou não por atitudes, palavras, votações, no Senado Federal, é preciso que se considere que neste ponto V. Exª tem razão. O Governo está demonstrando que poderá haver uma negociação e que a proposta poderá chegar aqui de maneira diferente da proposta do Presidente, que, aliás, quando entregou as propostas de reforma da Previdência e tributária ao Congresso Nacional, conclamou-nos a todos a refletir sobre elas, debatê-las, propor modificações... E esse é o nosso papel constitucional. O Presidente Lula, que tem uma trajetória de excepcional negociador diante de situações sociais as mais difíceis na História deste País, tendo chegado à Presidência por esse motivo, certamente, na Presidência, estará aberto ao diálogo e à negociação com os mais diversos segmentos, obviamente, com a responsabilidade de informar à opinião pública e a nós o que será viável e possível e que atenderá ao sentido maior de eqüidade e de justiça. Infelizmente, não poderei assistir totalmente ao seu pronunciamento, tendo em vista que não posso perder o avião das 19 horas. Eu já vou chegar e ter que correr demais.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte ao meu querido companheiro, Senador Eduardo Suplicy.

Concedo a palavra ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Serei bem breve. Senadora Heloísa Helena, V. Exª foi de uma felicidade e de uma objetividade extraordinárias. O grande problema deste País são os altos salários. No Piauí, coloquei um redutor, e paguei caro por isso, mas fiz. Os altos salários foram cortados. Então, é possível. Nos países civilizados, a diferença entre o menor e o maior salário é de dez vezes. A diferença deveria ser de trinta vezes, o que daria como maior salário R$7.200,00. Esse deveria ser o teto. Essa é a grande concentração de riqueza e a grande injustiça. Quero dizer a V. Exª que o que considero a maior vergonha partiu do Poder Judiciário. É um tal salário para as filhas inuptas, para as filhas que não se casaram e, na verdade, elas têm salários iguais aos dos pais. E os militares copiaram isso. Essa é a vergonha maior. Elas não estão mais nem se casando para continuar com o direito, até bem velhinhas, mesmo arrumando outros amores, de outras formas. Isso é que tem de ser cortado aqui, neste Parlamento, que representa o sentimento daquilo de que mais o povo necessita: justiça.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço o aparte de V. Exª. Para encerrar, porque sei que estamos no horário limite, apenas quero deixar absolutamente clara uma situação, que para mim só não é risível porque me provocou muito sofrimento. Realmente, as lágrimas derramadas não foram suficientes para sensibilizar, os debates e os argumentos apresentados não produziram frutos; apenas estéreis ameaças fortalecidas. Mesmo assim, eu não poderia deixar de saudar os que têm coragem, os que tiveram a capacidade de criticar quando o mais cômodo era calar e, especialmente, o movimento social, o movimento sindical, que está a fazer o que aprendemos dentro do PT, que partido é partido, governo é governo e movimento sindical é movimento sindical.

Agora, ficam duas tarefas, Sr. Presidente. É claro que aqui também está preservada a injustiça de impor aos trabalhadores do setor público terem que trabalhar entre cinco e sete anos a mais para não terem uma perda de 35% na aposentadoria.

Algumas alterações de fundamental importância devem ser feitas, inclusive a possibilidade de se criar a previdência complementar para os novos servidores.

Há ainda duas questões às quais o Executivo tem obrigação de responder. Onde está o combate aos privilégios? A proposta, da forma como foi apresentada, continua possibilitando os supersalários. É preciso analisar as alterações a serem feitas para os filhos da pobreza, para o cortador de cana, para o bóia-fria, para o trabalhador rural, para aquele que, por entrar mais cedo no mercado de trabalho - existe uma omissão na proposta em relação a esse assunto - deve continuar trabalhando mais 10 anos para não ter um corte de até 45% na sua aposentadoria. Espero que o Senado possa realizar essas modificações, porque deixar roubar o meu mandato, é ruim, eu não deixo.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2003 - Página 17772