Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao critério de reajuste de energia elétrica no País e à prestação dos serviços das concessionárias do setor.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • Críticas ao critério de reajuste de energia elétrica no País e à prestação dos serviços das concessionárias do setor.
Aparteantes
Leonel Pavan.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/2003 - Página 17980
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ESPECIFICAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EFEITO, DESEMPREGO, SUPERIORIDADE, AUMENTO, TARIFAS, DEFESA, FISCALIZAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL).
  • REGISTRO, RISCOS, FALENCIA, LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A (LIGHT), SUPERIORIDADE, DEBITOS, ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S/A (ELETROPAULO), AVALIAÇÃO, INFERIORIDADE, QUALIDADE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, CENTRAIS ELETRICAS DO PARA S/A (CELPA), POSTERIORIDADE, PRIVATIZAÇÃO, REPUDIO, POPULAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA), PAGAMENTO, REAJUSTE, TARIFAS.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cidadãos que estão aqui nos honrando com suas presenças e telespectadores que nos assistem por este Brasil afora, aqui venho falar de um tema interessante: trata-se do reajuste das tarifas de energia elétrica em nosso País, e de como foram feitas as privatizações, de forma a embutir um índice obrigatório para as empresas concessionárias desse serviço público, fatores que ajudaram e têm ajudado a elevar o índice de desemprego em nosso País.

Para termos uma idéia da diferença, o IGPM de agosto de 1998 a junho de 2003 aumentou 94,47%; enquanto índices como o ICV do Dieese, o INPC e o IPCA estão em torno de 50%, sendo o ICV do Dieese 53%. Portanto, consideramos interessante que pessoas que defenderam democraticamente o Governo anterior virem agora falar em desemprego quando, inclusive, patrocinaram esse tipo de privatização no Brasil.

Após a decisão do Ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça, que limitou o reajuste das tarifas telefônicas em 14,34%, graças à reação em cadeia de associações de defesa do consumidor, do Ministério das Comunicações, do Ministério Público Federal e da esmagadora maioria do povo brasileiro, infelizmente, um outro “fantasma” ronda o bolso do contribuinte. Desta vez, é o reajuste das tarifas de energia elétrica. Parte do Estado de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pará estão em processo de discussão desses reajustes, previstos em contratos firmados entre a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e as empresas distribuidoras de energia elétrica.

Ressalta-se que essas distribuidoras tentam a todo custo encontrar meios de conseguir percentuais irreais para os padrões atuais da economia brasileira, principalmente depois que a população adotou outros hábitos a partir do vergonhoso “apagão”, fruto do desastre que foi a política energética do Governo Fernando Henrique Cardoso. A propósito, inclusive, lembro-me de um caderno especial publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 20 de agosto de 1999, cujo título já dizia tudo: “O Fiasco das Agências”. Àquela altura, o jornal já alertava que

órgãos criados pelo governo para controlar os serviços privatizados não têm estrutura para fiscalizar as empresas; o consumidor reclama de piora no atendimento e do aumento das tarifas.

E note-se que o dito caderno ainda saudava o desempenho eficiente da Light, ressaltando a melhora no seu padrão de atendimento. Hoje, como se sabe, a companhia que atende o Estado do Rio de Janeiro foi à bancarrota e já ameaça devolver a concessão da distribuição de energia elétrica à Aneel, tal é o passivo acumulado de suas contas.

O mesmo aconteceu com a Eletropaulo, distribuidora paulista que acusa um débito de cerca de US$1,2 bilhão com o BNDES. Esses números, inclusive, foram mencionados pela própria imprensa. O Presidente do BNDES já anunciou o leilão das ações preferenciais da empresa, por sinal, tentando livrar-se do “mico” herdado da gestão passada quando o Banco foi o vendedor e o financiador da compra de maior parte das ações, dentro daquilo que o jornalista Elio Gaspari* tão bem definiu como “privataria”.

No caso do Pará, desde a sua privatização, ocorrida em julho de 1998 até agosto de 2002, a concessionária rede Celpa - que praticamente passou de um monopólio público a um monopólio privado - obteve um aumento acumulado da ordem de 70% balizado pelo IGPM, enquanto os salários sofreram um acréscimo de 40%, de acordo com o INPC, e a inflação média foi de 42% segundo dados fornecidos pelo diretor do Dieese/PA, Dr. Roberto Sena. Alie-se a isso, o fato de o Governo estadual, em janeiro de 2001, ter aumentado para 30% a alíquota do ICMS cobrada sobre as tarifas de energia. Teremos um incremento de 87% no custo da energia consumida pelos paraenses. Hoje a Aneel propõe um reajuste de 27,49%, o maior índice desde a privatização da empresa e que, se aprovado, acumulará um aumento de mais de 100%, entre 1998 e 2003, no Pará.

Apesar disso, se em um primeiro momento, após a privatização, houve um incremento no índice de eficiência da empresa. Para ser justa, é verdade, dizemos que - apesar de o Estado do Pará ser exportador de energia, de ser aquele que possui a maior hidrelétrica totalmente nacional, Tucuruí, e de ser o maior potencial hidrelétrico do País - a empresa, após a privatização, melhorou a eficiência, o que não durou muito. É compreensível essa melhora, porque a empresa estatal não recebia mais nenhum tipo de investimento, foi sucateada. A estatal Celpa já estava em petição de miséria. Isso ocorreu até o ano de 2000, a partir daí nota-se uma tendência inversa nesse processo.

Levando em consideração os indicadores da qualidade da própria Aneel, a DEC (Duração Equivalente da Interrupção por Unidade Consumidora), que indica o número de horas médias em que um consumidor fica sem energia durante um período geralmente mensal, e o FEC (Freqüência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora), indicador de quantas vezes, em média, houve interrupção em uma unidade consumidora, verifica-se uma piora desses índices nos últimos três anos.

Assim, enquanto em 2000 o número médio de horas que um consumidor ficava sem energia no Pará era de 25,59 horas/ano, em 2002, esse tempo aumentou para 32,54 horas/ano. Sobre a média de interrupções em 2000, a rede Celpa impunha um número de 30,20 interrupções por consumidor/ano; e, em 2002, tal média subiu para 38,37 interrupções anuais, ou seja, um acréscimo de 25%.

Por outro lado, na pesquisa realizada pela Aneel, no período de 31 de março de 2000 a 31 de março de 2001, que procurou exatamente aferir o índice de qualidade no atendimento ao consumidor das empresas concessionárias de energia, entre as 16 empresas da mesma categoria da rede Celpa, ela ficou em 12º lugar. Pior ainda, na pesquisa realizada pela Aneel em 2002, para aferir o mesmo índice, a rede Celpa aparece em 59º lugar entre 64 empresas avaliadas, ou seja, ela foi considerada a 6ª pior empresa do Brasil e obteve uma avaliação abaixo da média nacional em todos os índices de satisfação do consumidor contidos na referida pesquisa.

Inevitavelmente, esses índices se refletem na população, que sente a precariedade do serviço prestado e se revolta quando vê a direção de uma empresa considerada a 6ª pior do País solicitar um reajuste de 40% da Aneel, a qual ofereceu um reajuste de 27,49%. Ora, como podemos aceitar um índice de quase 30% de reajuste de energia elétrica de uma empresa que, a partir de 2000, só piorou seus índices e é considerada a 6ª pior do País? É natural a revolta do povo do Estado do Pará, e não só da população em geral, mas também das diversas associações da sociedade civil organizada, tanto do representante dos trabalhadores como também da Associação Comercial do Estado do Pará e da Federação das Indústrias do Estado do Pará, até porque qual foi a empresa que nesse período teve um crescimento de mais de 100%? Só as que estão na ilegalidade. E se essa empresa vem recebendo índices de reajuste bem acima da inflação, como já mencionamos, e seus serviços vêm piorando, especialmente a partir de 2000, só podemos concluir que o aumento nas tarifas de energia não vem se convertendo em melhoria na qualidade dos serviços prestados aos consumidores e, portanto, vem sendo apropriado de forma ilegal pela empresa.

Tal ilegalidade se revela na não observância do disposto na primeira subcláusula da cláusula do contrato de concessão, que prevê a adoção na prestação de serviços de tecnologia adequada, emprego de equipamentos, instalações e métodos operativos que garantam níveis de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação dos serviços e a modicidade das tarifas, o que, efetivamente, nessa concessionária, a Rede Celpa, está bastante longe de ser atendido, particularmente num Estado como o nosso, que tem 400 mil desempregados e cerca de metade da população economicamente ativa, a população que trabalha, recebe do nosso Estado até dois salários mínimos como remuneração.

Esse quadro precisa mudar. As agências reguladoras não podem ser tão benevolentes com as empresas que fiscalizam, tomando decisões que vão sacrificar o consumidor, principalmente o de menor poder aquisitivo.

O caso do reajuste da tarifa telefônica mostrou que a população reprova o modelo de governar baseado exclusivamente nos interesses do mercado, que foi exatamente o modelo criado depois da privatização. As empresas concessionárias de energia elétrica e de telefonia se basearam nesse modelo, gestado no Governo anterior e que agora revela, inclusive para nós, que as agências reguladoras tinham um poder muito maior que o do próprio Governo, até porque o Governo não se interessava, pouco se importava com a regulamentação, inclusive com o estabelecimento de diretrizes que fossem na direção contrária a um reajuste que apenas atendesse aos interesses do mercado.

Portanto, as agências reguladoras, como disse, não podem ser tão benevolentes com essas empresas que elas fiscalizam, tomando decisões que vão na direção contrária dos interesses dos consumidores.

O caso do reajuste da tarifa telefônica é um exemplo para nós. Os grandes grupos econômicos obtiveram todas as benesses possíveis e imagináveis para adquirir o patrimônio usurpado do povo brasileiro, em regra, a preço de banana, já que o Governo brasileiro financiou as vendas. A maioria das privatizações foi financiada pelo BNDES; as empresas não chegaram aqui com recursos próprios para comprar o patrimônio do povo brasileiro. Venderam-nos a história de que a privatização seria maravilhosa porque traria dinheiro novo. Como dinheiro novo se o BNDES financiou a compra das nossas empresas com dinheiro público?

Nesse caso, Senador Hélio Costa, é fácil comprar uma empresa quando se tem financiamento. Vamos, assim, privatizar tudo! Hoje está vindo à tona que foi o Governo brasileiro que financiou as vendas para exatamente atender não aos interesses do povo, mas aos interesses do mercado e dos que reclamam porque o Presidente Lula está falando de forma altruísta com o Presidente dos Estados Unidos, porque essas privatizações atenderam principalmente aos interesses dos americanos, e o nosso Presidente quer fazer diferente.

Portanto, se é verdade que o Governo anterior assim o fez, também é verdade que este não ficará insensível aos reclamos da sociedade contra os abusos praticados por aqueles que sempre obedeceram à lógica da apropriação dos lucros e à socialização dos prejuízos.

No caso das telefônicas, isso já ficou claro com a postura adotada pelo Ministro das Comunicações, Miro Teixeira - a quem gostaria de parabenizar -, no sentido de incentivar os consumidores a defenderem seus direitos na Justiça, mudando uma situação claramente abusiva.

É preciso, agora mesmo, reagir contra o reajuste das tarifas de energia, para que, mais uma vez, não recaia sobre as costas dos trabalhadores brasileiros - e em especial sobre os trabalhadores paraenses - o custo da ineficiência e dos lucros abusivos que tais operadores pretendem obter.

Portanto, eu gostaria apenas de citar um número para mostrar como essas agências reguladoras - já falei sobre isso na semana passada, mas vou repetir - andam na contramão do que é a necessidade da inclusão social. Pela regulação da Aneel, em Benevides, por exemplo, na região metropolitana de Belém, com 8.049 domicílios já cadastrados, quase a totalidade deles - 7.916 - são atendidos por energia elétrica. Esse Município será atendido imediatamente. Em compensação, o Município de Chaves, na Ilha do Marajó - que vários devem conhecer, por ser a maior ilha fluvial do mundo, - tem apenas 693 domicílios atendidos por energia elétrica dos seus 2.945, ou seja, 23,53%. Pelo cronograma baseado na medida da Aneel de universalização de energia, só em 2015, eles serão beneficiados pela universalização.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senadora Ana Júlia Carepa?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Posso conceder o aparte ao Senador Leonel Pavan, Sr. Presidente?

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Serei breve.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Sr. Presidente, vou conceder o aparte, rapidamente, ao Senador Leonel Pavan, que certamente vai cumprir hoje o tempo regimental que lhe cabe.

Pois não, Senador. Ouço V. Exª com muito prazer.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos.) - A questão está decidida.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Senadora Ana Júlia Carepa, em primeiro lugar, cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento, Senadora conhecida dos meus familiares lá em Belém do Pará. Evidentemente, não tenho conhecimento mais profundo sobre o tema que V. Exª aborda, pois não fiz nenhum estudo a respeito dele. Mas gostaria de fazer uma pergunta a V. Exª, que citou inúmeras questões sobre financiamento, usina hidrelétrica, fazendo críticas ao Governo anterior e elogios ao atual. No tocante ao que abordou, não é pior o ato do Governo Lula em relação aos empréstimos à Colômbia, à Bolívia e à Argentina, por meio do BNDES, sem nenhuma garantia de retorno? Aliás, exige-se muito no País, e nada se exigiu desses países. O que V. Exª tem a dizer sobre os empréstimos que o Governo Lula fez, mediante o nosso Banco, à Colômbia, à Bolívia e à Argentina, em detrimento de financiamentos internos no País?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Agradeço o aparte de V. Exª, eminente Senador. Quanto a todos os empréstimos que o BNDES vai fazer ou já fez com outros países, não há nenhum problema, desde que sejam justificáveis para os investimentos necessários nesses países e revertidos em benefícios para a população.

Entretanto, não posso aprofundar-me na sua resposta, Senador, pois não conheço o contrato por meio do qual foram feitos esses empréstimos - e creio que não há nenhum problema em dizê-lo -, mas ressalto que conheço a forma como foram feitos os empréstimos para as empresas que compraram as empresas públicas de energia elétrica e de telefonia. Muitas dessas empresas, inclusive, hoje estão quebrando e querem devolver a concessão de energia. Essa é que é, na verdade, a privatização ao contrário, às avessas, uma vez que o próprio Poder Público dizia a todo o momento que estava fazendo a privatização para beneficiar a população, a qual teria um custo de energia muito menor e, portanto, seria mais bem atendida. Contudo, não é o que vemos no País e no Pará, Estado que exporta energia e onde se encontra a hidrelétrica de Tucuruí. Lá, o preço da energia elétrica subiu mais que o dobro da inflação. É o que podemos notar depois da privatização. É preciso que as agências reguladoras - por isso questionamos esse modelo - têm que normatizar, adequar-se às novas diretrizes, que devem ser dadas pelo Governo. O Ministério das Minas Energia já está estudando um índice especial, adequado para o reajuste das tarifas de energia, que não seja IGPM, que é quase o dobro. Eu tenho os números e vou repetir: o IGPM de agosto de 1998 a junho de 2003 foi 94,47%, o ICV do Dieese, 53%, e o INPC e o IPCA ficaram também em torno de 50%. Mas é o IGPM que está nos contratos de privatização.

Nesse modelo, a lógica atendida é a lógica do mercado, é a lógica do lucro, e ela não pode realmente ser benéfica para a nossa população, principalmente para os nossos trabalhadores. Energia elétrica, telefonia, comunicação são serviços essenciais. Como desenvolver, como gerar emprego, como distribuir renda sem energia elétrica, sem telefonia? Impossível. O que está proposto para nós é o desafio de mudar esse modelo, apesar de já estar privatizado, é alterarmos inclusive a forma como hoje as agências trabalham para que se adaptem à realidade - até porque o povo não votou nos dirigentes de uma agência reguladora e, sim, no Governo brasileiro.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/2003 - Página 17980