Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apelo ao Ministro da Cultura para a recuperação e tombamento, pelo Patrimônio Histórico Nacional, do Monumento às Nações Indígenas de autoria do artista plástico goiano Siron Franco.

Autor
Íris de Araújo (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Íris de Araújo Rezende Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Apelo ao Ministro da Cultura para a recuperação e tombamento, pelo Patrimônio Histórico Nacional, do Monumento às Nações Indígenas de autoria do artista plástico goiano Siron Franco.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/2003 - Página 17998
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, ESTADO DE GOIAS (GO), DENUNCIA, DESTRUIÇÃO, OBRA ARTISTICA, MONUMENTO, HOMENAGEM, INDIO, BRASIL, FALTA, INTERESSE, AUTORIDADE, CONSERVAÇÃO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, SIRON FRANCO, ARTISTA, ESTADO DE GOIAS (GO).
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, MINISTERIO DA CULTURA (MINC), GOVERNO ESTADUAL, PREFEITURA, MUNICIPIO, GOIANIA (GO), ESTADO DE GOIAS (GO), TOMBAMENTO, PROTEÇÃO, OBRA ARTISTICA, ESCULTURA, AUTORIA, SIRON FRANCO, ARTISTA.

A SRª IRIS DE ARAÚJO (PMDB - GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a imprensa de Goiás publica hoje uma reportagem que pessoalmente me trouxe uma profunda indignação. O Monumento às Nações Indígenas, um conjunto de 500 totens do artista plástico goiano Siron Franco, erguido no setor Buriti Sereno, em Aparecida de Goiânia, está destruído pela ação de vândalos e completamente abandonado, sem que nenhum órgão público se levante para recuperar uma das mais significativas manifestações artísticas da cultura universal.

Por incrível que pareça, Sr. Presidente, o Monumento às Nações Indígenas - e é com grande pesar que trago hoje esta informação ao País - vem servindo de abrigo para marginais que utilizam o local para o consumo de drogas e a prática de outros atos ilícitos na calada da noite, agindo livremente, quase sempre sem serem incomodados pelas forças policiais.

Como afirma a reportagem publicada hoje pelo jornal Diário da Manhã, de Goiânia, “ao andarmos pelos destroços, temos a sensação de que ocorreu uma guerra naquele lugar”. Assustada com as primeiras informações, fui pessoalmente, neste final de semana, visitar o local, e o que vi foi exatamente os escombros de uma terra arrasada, como se ali não houvera um dia uma bela e esplendorosa manifestação de um artista que ousou homenagear os também esquecidos e abandonados povos indígenas de um País, que não valoriza as suas raízes e a essência de sua formação.

            Mas, observado do alto, o monumento ainda mostra a silhueta do mapa do Brasil, que é o fundamento de sua constituição. Mesmo com suas peças destruídas, a obra teima em sobreviver ao abandono, como se ela estabelecesse a resistência própria do povo indígena que jamais se deixa vencer pela morte.

Inaugurado em 1992, Sr. Presidente, o Monumento às Nações Indígenas tinha 500 totens quadrangulares ou triangulares, com imagens da iconografia indígena em baixo-relevo em suas faces laterais e esculturas de objetos, utensílios ou rituais sagrados dos diferentes povos. Essas reproduções minuciosas em concreto de peças datadas da época pré-cabraliana são o principal objeto de cobiça dos vândalos, que as furtam para tentar vender e conseguir algum dinheiro.

Em seus primórdios, o monumento ganhou fama mundial por ressaltar a dignidade dos povos indígenas, os mais antigos donos do Brasil. O local era visitado por amantes das artes e desempenhava, principalmente, um relevante papel educacional, recebendo em suas dependências caravanas de escolas que utilizavam o acervo para transmitir aos alunos informações sobre a cultura indígena. Hoje, só resta no local a sujeira, os escombros e o peso da vergonha para as autoridades públicas que não se interessaram em preservar e conservar uma obra de grande magnitude, resultado da determinação pessoal do artista plástico Siron Franco, que ergueu monumento em sua própria propriedade sem que o Governo do Estado ou a Prefeitura de Goiânia se preocupassem em tombar o patrimônio e efetivamente zelar pela sua absoluta integridade.

Imagino, Sr. Presidente, a imensa tristeza e decepção do artista diante do extermínio de sua obra, diante da falta de respeito para com seu louvável trabalho.

Siron Franco é goiano da cidade de Goiás, reconhecido internacionalmente, com várias exposições no exterior e obras espalhadas por coleções e acervos de museus na Europa e nas Américas. Ele também conta com uma presença sólida de sua obra junto a colecionadores brasileiros e, em especial, nos acervos dos museus mais importantes do Brasil.

Siron teve uma trajetória incomum como artista. A originalidade de sua expressão foge completamente dos padrões tradicionais de qualquer escola. Alimentando seu imaginário do cotidiano que o cerca, Siron causa impacto com sua obra, que muitas vezes chega a agredir o espectador desavisado. A crueldade humana é retratada através de signos que surgem da mescla de homens e animais, questionando a própria relação do homem com a natureza, num mundo particular do artista.

Antenado com a realidade do seu tempo, Siron utiliza sua arte também para denunciar e causar polêmicas. Antigo morador do Bairro Popular, em Goiânia, ele cobrou responsabilidade das autoridades no acidente radioativo com o Césio 137, na rua 57. Seus quadros denunciam a matança de animais e a destruição da natureza. Com um monumento em Brasília, ele protestou contra o assassinato do índio Galdino, que dormia em condições precárias num ponto de ônibus da capital brasileira. Várias vezes gritou contra a corrupção dos políticos de Brasília. O artista usa sua sensibilidade para pintar a maldade e o lado escuro que habitam o ser humano.

Assim, Sr. Presidente, ao denunciar os labirintos amargos do homem, Siron Franco acaba sendo vítima desta mesma maldade, ao ver suas obras sendo grosseiramente falsificadas e ao deparar com a desrespeitosa destruição do Monumento às Nações Indígenas.

Dessa forma, venho hoje a esta tribuna fazer publicamente um apelo ao Ministério da Cultura, ao Governo de Goiás e à Prefeitura de Goiânia para que, efetivamente, salvem esse patrimônio artístico da cultura brasileira, garantindo a sua reconstrução e, principalmente, a sua segurança. O primeiro passo neste sentido é o tombamento da obra pelo Estado, pelo Município ou pela União.

É preciso que as autoridades se levantem e passem a ter de maneira definitiva uma compreensão aceitável a respeito de nossos bens e valores culturais. Não se pode, Sr. Presidente, jogar na lata do lixo da história um monumento que retrata as origens da sociedade brasileira. É inadmissível que assistamos de braços cruzados uma obra ser consumida pela ação de insensatos, vândalos incapazes de compreender a dimensão de seus atos irresponsáveis e criminosos.

É imprescindível que as forças de segurança de Goiás façam alguma coisa para, pelo menos, impedir que a destruição prossiga a passos ainda mais largos, zelando pela integridade do que resta do monumento, porque, na realidade, Senhoras e Senhores Senadores, estamos diante de um fato que ressalta o profundo descaso com que os nossos Estados e o nosso País tratam a questão cultural.

Vítima de sucessivas crises econômicas, entregue ao drama social de dimensões em função de uma realidade pautada pela fome de mais de 40 milhões de brasileiros, soa estranho falar de cultura no Brasil diante de tais necessidades emergentes. Mas é exatamente esse tipo de compreensão que contribui para que o País cada vez mais aprofunde as suas gritantes desigualdades -- porque não existe miséria pior do que a miséria da falta de cultura, a miséria da falta de educação e, portanto, a própria prisão da alma de um povo que não pode suprir as suas necessidades fundamentais em função da mediocridade e da mentalidade arcaica de suas elites e de seus governantes.

Como muito bem afirma a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - Unesco -:

Dentro do objetivo geral de consolidar tanto a paz como o desenvolvimento é preciso entender a cultura como o patrimônio dos valores e conhecimentos teóricos e práticos que estruturam a identidade de um povo, assim como o veículo da energia e das idéias criativas pelas quais os povos podem enriquecer e renovar sua identidade e entrar em contato com outras culturas (...) O patrimônio cultural de um povo é ingrediente de sua identidade e da diversidade cultural. Pode também tornar-se um importante fator de desenvolvimento sustentado, de promoção do bem-estar social, de participação e de cidadania.

Não existe desenvolvimento e civilização, Sr. Presidente, enquanto não cultivarmos a mentalidade genuinamente cultural deste País. Poderemos até solucionar os nossos problemas emergentes, mas um salto no plano econômico ou no plano social pode nada significar se não estiver rigidamente seguido dos necessários avanços no campo do conhecimento e do saber - porque frágil é a Nação que não se preocupa com o fortalecimento de sua identidade e com a conservação de seus patrimônios e referenciais artísticos e culturais.

É preciso mudar mentalidades, padrões conceitos e formas de analisar a realidade brasileira. As Nações que alcançaram a prosperidade foram justamente aquelas que fizeram um pesado e necessário investimento em educação, foram aquelas que não aceitaram que seus valores fossem ultrajados, foram aquelas que souberam preservar as suas origens e os seus mais elevados padrões culturais.

Quando o Brasil tiver esse entendimento, com certeza, Sr. Presidente, teremos encontrado o ponto que ainda nos separa do desenvolvimento realmente sólido e de qualidade, porque não se fabrica o crescimento apenas pela força das mãos, do trabalho manual, mas principalmente pelo aprendizado, pela tecnologia, pela pesquisa, pelo conhecimento e, portanto, pelo conjunto de ensinamentos acumulados no decorrer da história.

A isso, Srªs e Srs. Senadores, dá-se o nome de cultura.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/2003 - Página 17998