Discurso durante a 11ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise sobre as possibilidades do Brasil integrar a Alca. (Como Líder)

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Análise sobre as possibilidades do Brasil integrar a Alca. (Como Líder)
Aparteantes
Eduardo Azeredo.
Publicação
Publicação no DSF de 16/07/2003 - Página 18122
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, BRASIL, APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÕES, IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MEMBROS, UNIÃO EUROPEIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), REFERENCIA, POLITICA, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), NECESSIDADE, ISOLAMENTO, INCENTIVO, INSERÇÃO, MERCADO INTERNACIONAL.
  • ESCLARECIMENTOS, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, COMITE, NEGOCIAÇÃO, NATUREZA COMERCIAL, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), PAIS ESTRANGEIRO, EL SALVADOR, CONGRATULAÇÕES, GOVERNO FEDERAL, DESIGNAÇÃO, CONGRESSISTA, ACOMPANHAMENTO, DECISÃO, ATIVIDADE COMERCIAL, AMBITO INTERNACIONAL, CRITICA, FALTA, TRADUÇÃO, LINGUA PORTUGUESA, AUSENCIA, COBERTURA, IMPRENSA, REUNIÃO, COMERCIO EXTERIOR, DIVULGAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, BRASIL.
  • LEITURA, PRIORIDADE, DETERMINAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), DEFESA, AUMENTO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, SUBCOMISSÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO, ACOMPANHAMENTO, NEGOCIAÇÃO, ITAMARATI (MRE).

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fui designado por esta Casa para acompanhar a XIV Reunião do Comitê de Negociações Comerciais da Alca. Juntamente com o Senador Eduardo Azeredo, participei, durante a semana passada, de todas as negociações. E desejo aqui transmitir nossas observações, o que considero fundamental no sentido de compreendermos o processo de negociação iniciado pelos idos de 1994 e que, neste momento, conta com uma agenda apertada, pois deveria, em tese, finalizar em 2005. É o acordo existente entre os Presidentes das 34 Nações latino-americanas.

Gostaria de, rapidamente, relatar a importância da criação da Alca. O Brasil é a oitava economia (PIB) do mundo, segundo dados do Fundo Monetário Internacional, de 1999. O Brasil mantém relações comerciais de importação e exportação com praticamente a maioria dos países - uma “corrente de comércio” (compra/vendas) que se mantém, no entanto, estagnada, na casa dos US$100 bilhões. E essa estagnação já dura alguns anos.

É fato histórico que os nossos maiores parceiros são os países do Nafta: US$18 bilhões de exportação, em 2002, ou 30% do total da receita brasileira em divisas obtidas com nossas vendas para os Estados Unidos, Canadá e México; e US$11 bilhões em importações, ou 25% de tudo que compramos do mundo no ano passado.

É indiscutível o peso do mercado americano para nossas exportações. Sozinhos, os Estados Unidos responderam, no ano passado, por US$15,5 bilhões das nossas exportações, ou 25,7% das vendas totais de US$60,36 bilhões. Importamos dos Estados Unidos, também em 2002, US$10,43 bilhões, ou 22,09% do total.

É preciso lembrar que, em seguida, nossos maiores parceiros são os países da União Européia e do Mercosul.

As nossas relações comerciais com o Mercosul - Argentina, Paraguai e Uruguai - estão consolidadas. São parceiros indispensáveis em qualquer cenário de negociações e políticas de expansão de nosso comércio exterior. Nossas compras e vendas aos parceiros do Mercosul começaram em 1982, no patamar de US$1,9 bilhão. Atingimos uma corrente comercial de US$10,5 bilhões em 1994. O auge de nossas transações comerciais foi no biênio 97/98, quando chegamos ao patamar de US$18 bilhões em importações/exportações. Mesmo com a crise econômica que castigou a economia argentina - sem falar em nossos problemas, como a recente crise cambial -, a nossa corrente comercial com o bloco do Mercosul fechou o ano de 2002 com US$ 8,9 bilhões.

A recuperação da Argentina será benéfica a todos nós. O Mercosul demonstrou ser uma realidade econômica importante para todos os seus membros: a nossa corrente comercial com o Mercosul vem crescendo, apesar das crises, com firmeza, em relação à corrente comercial total do Brasil.

            Em 1982, nosso intercâmbio no âmbito do Mercosul era de 5% de toda nossa corrente comercial com as demais nações do mundo. Em 1994, a “fatia” do Mercosul na corrente geral de comércio exterior brasileiro já havia acrescido para 13,7% de um total de US$76,6 bilhões, e passou para 16,4%, em 1997. Atualmente, em 2002, o Mercosul responde por 8,2% de tudo que compramos e vendemos ao mundo, em um total de US$ 107,5 bilhões.

Enfim, com crise ou sem crise, o Mercosul tem sido, na média, um parceiro fiel que representa 10% de tudo que importamos ou exportamos, e não podemos falar em Alca sem falar, simultaneamente, nas nações parceiras do Cone Sul.

Também precisamos ter em mente que momento histórico vivemos política e economicamente, ou seja, a economia brasileira está em recessão. O nosso PIB deu marcha a ré a patamares de dez anos atrás. Nossa dívida interna é o maior obstáculo para o relançamento da agenda democrática: crescimento com democracia e inclusão social. Nossos superávits comerciais se fazem crescentemente nos commodities da agricultura intensiva, pressionando nossas reservas naturais. Exemplo dramático é o aumento de 40% no desmatamento da Amazônia no último biênio.

Há uma crescente integração entre as grandes economias, da União Européia e dos Estados Unidos, e uma presença hegemônica política e militar dos Estados Unidos no cenário mundial. O Brasil, portanto, não pode prescindir de negociar sua presença internacional sem perda de soberania. Em outros termos, podemos, sim, nos recusar a viabilizar a Alca, desde que o peso da nossa economia nos faz dispensáveis para que ela se torne realidade. Mas não podemos adotar uma atitude isolacionista. Essa postura nos obriga a conhecer e acompanhar as negociações da Alca e apresentar nossos interesses de forma muito clara.

A XIV Reunião do Comitê de Negociações Comerciais em El Salvador.

Pela primeira vez, o Governo brasileiro convidou representantes do Congresso Nacional a integrar, como observadores oficiais, a delegação de negociadores brasileiros na Alca. Cabe, neste momento, evidentemente, um elogio ao Presidente Lula por expressar esta necessidade: o Congresso Brasileiro - o Senado Federal e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional - tem um dever fundamental para com a Nação brasileira na questão da Alca. O Presidente da Casa, Senador José Sarney, que implementou o Mercosul quando do seu mandato como Presidente da República, sabe muito bem da importância estratégica dessa questão.

A nossa viagem e do Senador Eduardo Azeredo a El Salvador foi extremamente produtiva.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador João Capiberibe, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador João Capiberibe, V. Exª observa muito bem a importância das negociações em relação à implantação da Alca, prevista para 2005. Com essa decisão da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional de se fazer presente, nós pudemos acompanhar de perto as negociações preliminares, em nome do Senado Federal, e vimos que outras entidades brasileiras também participam desse acompanhamento, como a Confederação Nacional da Agricultura, a Confederação Nacional da Indústria, fazendo com que o Brasil, representado pelos funcionários dos diversos Ministérios que têm a ver com a negociação da Alca, possa exercer sua função da melhor maneira, defendendo os nossos interesses. Podemos ver ainda a importância da atuação conjunta do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai, representados de maneira una pelo Mercosul. Só que a tarefa me parece realmente muito difícil. Devemos dar atenção redobrada às questões ligadas à Alca. Trata-se de uma negociação extremamente difícil, na qual os países que têm perfil econômico mais forte predominam. São 34 países, muitos dos quais são ilhas, países muito pequenos, mas que têm assento e voz da mesma maneira que o Brasil. Assim, parece-me muito importante que o Senado Federal, como V. Exª bem mencionou, esteja presente, acompanhando essas negociações, fundamentais para a defesa do Brasil, para que a nossa produção industrial, comercial e agrícola tenha as barreiras liberadas quando possível e que o comércio seja feito de maneira adequada aos nossos interesses. Portanto, eu gostaria de cumprimentá-lo por ter representado o Senado comigo nessa missão - V. Exª como representante da base de apoio ao Governo e eu como representante da Oposição. É evidente que, naquele momento, nós representávamos juntos o interesse do Brasil. A visita à Assembléia Nacional de El Salvador foi importante para mostrar o interesse do Brasil pelo país amigo. Nós constatamos que a iniciativa do Brasil será, inclusive, seguida por outros países que percebem a importância de o Poder Legislativo também estar presente e não ser apenas um ratificador de tratados futuros. Meus cumprimentos, Senador.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Eduardo Azeredo, pelo seu aparte.

Tivemos a oportunidade de constatar que essas negociações dão-se em âmbito fechado, distanciadas das sociedades do continente. Os únicos Parlamentares presentes à reunião do Comitê éramos nós, por uma decisão, evidentemente, do nosso Governo. Por enquanto, o Comitê é composto por representantes do Poder Executivo do continente. O Governo brasileiro abriu essa exceção para que pudéssemos acompanhar, como observadores, e esclarecer a opinião pública do nosso País a respeito do que significam as negociações. Como veremos mais à frente, esse é um tratado de livre comércio com profundos impactos na vida nacional.

Como eu me referia ao Senador Eduardo Azeredo, nossa primeira e mais desagradável surpresa foi observar que o Brasil continua a ser tratado como um país estranho em face das demais nações das Américas - todos os documentos oficiais e as traduções simultâneas usam apenas a língua inglesa e a espanhola; nenhum documento circulava na língua portuguesa.

O Embaixador brasileiro Adhemar Bahadian, como co-presidente do atual estágio de negociações, deu uma lição de diplomacia e de soberania ao iniciar sua fala utilizando nossa língua pátria. Os tradutores e diplomatas ficaram perdidos como se um marciano houvesse tomado de assalto o microfone da conferência, utilizando uma língua absolutamente esdrúxula. Era sua forma cordial de protestar pelo não cumprimento da solicitação, feita na reunião anterior do Comitê de Negociações Comerciais, pela adoção do português como a terceira língua oficial das mesas de discussão da Alca.

Ficou a promessa, a ser cumprida na próxima reunião do Comitê, em Porto Espanha, no Caribe. Afinal, somos 170 milhões de cidadãos falando português e também a principal economia da América Latina.

Outro fato que nos causou estranheza e pena foi a total e absoluta ausência da imprensa brasileira no encontro em São Salvador. O Comitê de Negociações Comerciais tem o mandato direto dos ministros de comércio de 34 nações para coordenar temas distribuídos em 11 grupos de trabalho e sistematizar moções que, ao serem adotadas, vão provocar profundos impactos sociais, econômicos e culturais em todo o continente. Podemos escusar a grande imprensa brasileira, notoriamente de alta qualidade profissional, mas vivendo fase de aguda crise econômica. Contudo, desta tribuna, fazemos um apelo para que ao menos o Governo brasileiro quebre o gelo orçamentário da Radiobrás, por ser agência oficial e por ter um histórico de profissionalismo à toda prova, para que faça a cobertura de eventos como esse de El Salvador.

No nosso ver, a sociedade brasileira ainda carece de informações para avaliar a importância crucial das negociações da Alca para nosso futuro social e econômico. Na opinião pública, existe a percepção de que a Alca será simplesmente algo semelhante ao Mercosul ou, então, uma generalizada zona franca de comércio. Não é bem assim: a proposta hegemônica, evidentemente, é a dos Estados Unidos e ela fala claramente em um “tratado” de integração de mercados e não simplesmente de uma “área” de comércio multilateral.

Apenas para refrescar nossa memória, todo esse processo teve início em 1990, quando o pai do atual Presidente norte-americano, George Bush, lançou o programa denominado “Iniciativa para as Américas”. Três temas foram selecionados: investimentos, dívidas externas e comércio. Já na administração democrata do Presidente Bill Clinton, em dezembro de 1994, inaugurou-se a fase mais orgânica das negociações. A Reunião de Cúpula das Américas, ou Cúpula de Miami, aprovou, através de 34 países presentes, uma Declaração de Princípios e um plano de ação.

Gostaria de recordar a todos nós quais foram esses princípios, que continuam em vigor:

1) preservar e fortalecer a democracia nas Américas;

2) criar prosperidade;

3) erradicar a pobreza e a discriminação de todo tipo;

4) atuar com base no desenvolvimento sustentável e na preservação ambiental.

Vejamos, agora, quais são os grupos de trabalho que têm se reunido e que são a base substancial desse processo e sobre os quais estamos razoável ou completamente alheios. Sete temas substantivos foram estabelecidos em 1995, na I Reunião Ministerial, em Denver, Estados Unidos:

-     acesso a mercados;

-     procedimentos aduaneiros e regras de origem (das mercadorias e serviços);

-     investimentos;

-     normas e barreiras técnicas ao comércio;

-     medidas sanitárias e fitossanitárias;

-     subsídios, antidumping e direitos compensatórios;

-     pequenas economias.

Em Cartagena, na Colômbia, na II Reunião Ministerial, foram criadas mais quatro comissões - podemos observar que vai crescendo a ambição da Alca - para tratar de temas com implicações extremamente profundas na vida social e econômica dos povos que ainda devem decidir como vão integrar a Alca:

-     grupo de trabalho de compras governamentais;

-     direitos de propriedade intelectual;

-     serviços;

-     política de concorrência.

Portanto, ao longo desses últimos nove anos, pouco consenso foi logrado, mas a lista de novos temas foi se esticando e se incluindo no processo negociador.

E há mais fatos sobre os quais não podemos estar ingenuamente alheios: no próximo 3 de setembro, haverá em Santiago do Chile a II Reunião Temática do Comitê de Representantes Governamentais, que tratará da participação da sociedade civil.

Portanto, são passados quase nove anos desde o histórico encontro de Cúpula de Miami. Todos os comitês - os doze comitês de doze temas diferentes - e grupos de trabalho já se reuniram algo como duas dezenas de vezes. O grupo que cuida da sociedade civil, ou seja, um fórum que remete a 170 milhões de cidadãos brasileiros, fora os demais que vivem no continente, só se reuniu uma anêmica vez no Estado de São Paulo, e a próxima agora é em Santiago.

Em suma, Sr. Presidente, a questão da Alca não é trivial. Ela significa - caso seja mantido o formato da proposta norte-americana - um avassalador impacto em nossas relações sociais e em nossa economia interna. É por esse motivo que já propusemos, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores, a criação de uma subcomissão para discutir especificamente a Alca, para que possamos aprofundar nossos conhecimentos e também acompanhar os negociadores, que estão muito bem representados pelo nosso Ministério de Relações Exteriores, com uma posição hoje claramente definida, ou seja, a negociação é feita pelo bloco de países do Mercosul, que busca negociações com os Estados Unidos e com os demais países do continente.

Portanto, essa primeira experiência da participação parlamentar numa rodada de negociações parece-nos fundamental para que o Parlamento tome conhecimento e para que, no futuro, não venha apenas homologar uma decisão tomada em um ambiente tão fechado e tão distante do conhecimento público e da opinião pública nacional.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/07/2003 - Página 18122